Para quem doar?
Indignada com as determinações das leis de herança e sucessão, Mara Maravilha se preocupa com o destino de seus bens
É lendária a história do homem muito rico, magnata de algum setor industrial, que vivendo sozinho seus últimos dias de vida reconhece a dedicação do mordomo e lhe confere todos os bens em testamento.
Ou, mais real do que isso, a mídia vez por outra traz a notícia de ricos que legam verdadeiras fortunas para uma causa ou fundação.
Embora esse tipo de ação esteja realmente em moda entre os homens mais ricos do mundo, é bom que reparemos em um detalhe: em nenhuma dessas lendas ou notícias você encontrará um brasileiro.
Quem recentemente se apercebeu desse detalhe e entendeu que essa história de deixar bens para mordomos ou para quem se quiser não rola por aqui foi a artista Mara Maravilha.
Vamos aos fatos: ela foi apresentadora de programa infantil, com uma carreira construída ao longo de 30 anos e sucesso de audiência nos anos 80, no SBT, o canal do Silvio Santos. Tem cerca de 35 discos e Cds gravados, entre sucessos infantis e, na atualidade, como intérprete de música gospel.
Mara se considera “muito bem de vida”. Seu patrimônio é composto por três imóveis, uma empresa que administra sua carreira e o que ela ganha pelos direitos autorais de suas músicas.
Em janeiro de 2013, Mara sofreu o revés de perder a mãe, Marileide. “E as mães, quando morrem, parem a morte dos filhos”, escreveu o poeta mineiro Paulo Nunes, e é verdade. Em meio ao luto de filha única, Mara recebeu lembranças e bens deixados pela mãe e percebeu: quando eu morrer, para quem ficará meu legado e patrimônio?
Com 45 anos, sozinha, Mara não teve filhos, portanto não tem descendentes. É em casos assim que as lendas aparecem. Mara poderia deixar todos os seus bens – e mais os três imóveis que herdou da mãe – para uma instituição que cuidasse de crianças, por exemplo. Não pode. Por quê?
No Brasil, a lei determina que cinquenta por cento dos bens sejam destinados aos herdeiros necessários, que são, além do cônjuge, os descendentes – filhos, na falta destes os netos ou bisnetos –, ou os ascendentes – pais, na falta destes os avós ou bisavós.
E Mara tem pai, o comerciante Eliezer Silveira, portanto, na atualidade e em função da linha de sucessão, ele é o único herdeiro da artista. Nem mesmo a avó tem direito à metade da herança.
Entretanto, Mara conta que não tem qualquer laço afetivo com o pai biológico, que apenas o avistou três vezes na vida.
Atualmente, sua família é composta pela avó materna e pelo padrasto, pessoas que efetivamente fizeram parte de sua vida e contribuíram para sua formação.
Daí a indignação da artista em relação às leis de sucessão. Seu advogado a orientou a contatar o pai, para que este abrisse mão do direito sucessório, por meio de declaração assinada. O pai se recusou. A artista ficou ainda mais indignada, mas, pode-se dizer, à toa.
Não há uma lei específica que valide esse tipo de declaração requisitada por Mara ao pai. Na eventual hipótese do pai concordar com o pedido de Mara, e esta vier a falecer, ainda seria necessário que o juiz do inventário analisasse e concedesse validade a essa declaração.
E pior: o pai de Mara poderia pedir a anulação dessa mesma declaração depois da morte da filha! Ou seja, infelizmente, essa estratégia não tem pé nem cabeça. O que acontece nesse contexto é que há uma expectativa de recebimento de herança, e não se transacionam expectativas.
Definitivamente, para esse tipo de situação, declarações como essa não tem validade jurídica. Pela lei, com o falecimento de Mara, o pai poderia renunciar à herança que lhe caberia, mas essa medida só será tomada no momento adequado, que é justamente quando falece o detentor dos bens.
O que ela pode fazer, afinal? Bem, se Mara realmente quer beneficiar aqueles que ela considera importantes na sua vida, pode organizar seu testamento, deixando a outra metade dos bens – chamada de metade disponível – para a avó e o padrasto.
E se resignar a ver o pai beneficiado com metade dos seus bens. Por sinal, caso Mara não faça o testamento, o pai herda a totalidade dos bens, ou seja, é melhor mesmo se precaver.
Ocorre, entretanto, que pelo andar natural dos fatos, Mara ainda tem muitos anos de vida pela frente. Pode, por exemplo, casar-se, o que muda o contexto.
Pelas leis de sucessão, quando o falecido – ou autor da herança – tem ascendentes, o patrimônio deve ser dividido em partes iguais com o cônjuge, seja qual for o regime de bens adotado.
Ou seja, mesmo que Mara se case, o pai dela continua a ser herdeiro, e de metade dos bens! Mara também pode adotar filhos, embora ela já tenha declarado que não faria tal gesto em função do desejo de não deixar herança ao pai.
E, convenhamos, também pode acontecer de o pai de Mara falecer antes dela. Se isso ocorrer, e não houver mais nenhum herdeiro necessário, ou seja, se Mara não se casar nem tiver filhos, finalmente
Mara pode fazer o que fazem os ricaços mundo afora: doam tudo para as crianças da África. No caso da artista, ela bem poderia beneficiar as crianças brasileiras, as mesmas que lhe rendem dividendos até hoje. Já pensou que maravilha?