Para entender as crises recorrentes da aviação civil
A combinação de um ambiente de alta competitividade com as margens estreitas de rentabilidade acaba provocando situações de estresse financeiro
O que ocorreu com a Avianca é mais um episódio na sequência de crises da aviação civil nas ultimas décadas. Três das maiores empresas aéreas americanas (Delta, United e American) se socorreram de fusões, reestruturações, operações conjuntas e medidas judiciais para sobreviverem.
Na Europa, importantes empresas estatais, que recebiam fortes subsídios governamentais, foram privatizadas e passaram a enfrentar a dura competição no mercado. Sabena e a Swissair faliram, enquanto a Alitalia passou por um processo de recuperação judicial.
O panorama mundial indica razões que expõem as companhias aéreas a altos riscos. O mercado altamente competitivo, as disputas predatórias, a necessidade de constante atualização tecnológica pela incorporação de aeronaves mais modernas e eficientes, os custos elevados de manutenção e o encarecimento do combustível são, entre outros, fatores que contribuem para a elevação de custos operacionais.
A redução das margens de rentabilidade resulta das tendências em direções opostas de custos e tarifas. Não se pode esquecer, portanto, que as oscilações nos preços do combustível, o leasing de aeronaves e sua manutenção (sujeitos à variações cambiais), os constantes treinamentos de tripulação e a responsabilidade perante consumidores, mesmo em casos de variação climática ou falhas de outros prestadores de serviço e a crescente preocupação com procedimentos de segurança, tornam as empresas aéreas muito vulneráveis às incertezas e variações de custos.
Mas certamente o que torna as crises ainda mais graves no Brasil – alcançando consumidores, trabalhadores e fornecedores – é o ambiente de insegurança jurídica.
As empresas aéreas não têm um patrimônio tangível expressivo, uma vez que equipamentos, instalações de apoio e aeronaves são objeto de leasing por prazos longos. Torna-se difícil desfazer-se em caso de quedas prolongadas da demanda, como difícil também é a renovação das frotas para reduzir custos operacionais.
Ao fim e ao cabo, as autorizações (horários e espaços) de pouso e decolagem nos aeroportos mais movimentados (os “slots”), concedidos pela agência reguladora, são praticamente o seu patrimônio.
Ocorre que no Brasil, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, uma companhia aérea não pode comprar o slot de outra (não existe mercado secundário para slots).
Quem faz a sua distribuição é a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Em suma, quando uma empresa está saudável, os slots não integram o seu ativo e, portanto, não podem ser vendidos.
No entanto, quando ela se encontra em situação de insolvência ou requer a recuperação judicial, os slots podem tornar-se ativos negociáveis, a depender meramente do entendimento pessoal do juiz do processo.
O resultado é o ambiente de insegurança, pois não se sabe se os slots integram ou não o ativo de uma companhia aérea. Enfim, há mais mistérios entre o céu e a terra do que supõe a nossa vã filosofia...
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