Para aumentar a eficiência de seu pessoal, empresas apelam a sistemas similares a jogos
Uma empresa da Califórnia produz programas que combinam videogame e ginástica. Tudo para tornar o ambiente mais produtivo e melhorar a interação entre os funcionários
Por Conor Dougherty e Quentin Hardy
São Francisco – Poucos dias antes de ter testemunhado em uma ação judicial de discriminação sexual que mobilizou o Vale do Silício, John Doerr, possivelmente o capitalista de risco mais famoso do mundo, sentou-se à mesa de uma sala de reunião para expor suas ideias sobre a boa gestão.
O assunto não era o julgamento, no qual uma ex-funcionária da firma de Doerr, a Kleiner Perkins Caufield & Byers, alegou discriminação por gênero. Em vez disso, o tema era a BetterWorks, empresa de Palo Alto que arrecadou US$ 15,5 milhões de capital de risco de investidores, incluindo Doerr.
A BetterWorks produz programas para escritório que mesclam aspectos da mídia social, acompanhamento de ginástica e videogames em um sistema com objetivo de manter os empregados mais engajados no trabalho e entre si.
Com o programa, os funcionários e seus chefes determinam objetivos a curto e longo prazo e, com o tempo, registram o progresso em um painel digital que todos na empresa podem ver e comentar.
Um crítico poderia descrevê-lo como uma mudança administrativa feliz sobre uma ideia antiga – eficiência no trabalho – que costumava ser realizada por relógios de ponto e linhas de montagem. Doerr, no entanto, que injetou conceitos similares em muitas das empresas de tecnologia nas quais investiu, está apostando que as mesmas ideias serão adotadas muito além do Vale do Silício.
"Creio que iremos ver mais sistemas nesse campo do trabalho quantificado que vão tornar o recurso mais valioso de que dispomos – que é a nossa equipe – mais eficaz", declarou Doerr em entrevista no telecentro da empresa em São Francisco.
O envolvimento público de Doerr é inegavelmente um benefício, e sua crença na BetterWorks é sublinhada por sua disposição em dar entrevistas à imprensa enquanto sua empresa é julgada no tribunal. Profissionais de relações públicas deixaram claro que Doerr não falaria acerca do processo durante a campanha publicitária da BetterWorks.
INFORMALIDADE
As empresas do Vale do Silício são conhecidas pelas roupas informais no trabalho e mordomias generosas oferecidas aos funcionários, tais como almoço e lavanderia grátis, mas elas também adotam a afinidade do mundo corporativo americano por processos dogmáticos e acrônimos monótonos. As empresas de tecnologia do Vale se destacam em transformar esses processos fatigantes em algo útil.
Há muito tempo Doerr divulga um sistema de gestão ao estilo do Vale do Silício chamado "OKR", sigla em inglês para "objetivos e resultados-chave". A ideia, surgida na Intel, onde Doerr começou a carreira, é fazer os funcionários criarem metas específicas e mensuráveis e acompanhar seu progresso em um sistema aberto visto por todos da empresa.
"O básico aqui é como tornar essa coisa mais movida a dados", disse Kris Duggan, CEO da BetterWorks.
Duggan fundou a Badgeville, cujo programa transforma tarefas no escritório em distintivos e marcação de pontos na tentativa de acrescentar elementos de jogo ao trabalho. Sua nova empresa mistura essa sensibilidade ligada ao jogo com indicadores de desempenho inflexíveis.
Usando o programa da empresa, os empregados determinam metas, como "conquistar dez novos clientes até maio", e as incluem no sistema interno que pode ser visto pelos colegas – o visual é quase idêntico à função do painel utilizado por aparelhos usados para medir atividades físicas da Fitbit. Os colegas podem oferecer incentivos ("parabéns") ou humilhações ("cutucões"). O perfil do funcionário mostra uma árvore digital que cresce com as conquistas e murcha com a baixa produtividade.
O impulso de achar formas para fazer as pessoas trabalharem com mais afinco não é novo. Henry Ford utilizava equipes de investigadores para vigiar os trabalhadores para determinar coisas como quais bebiam em excesso. Fábricas e outros empregadores de operários de produção têm uma antiga tradição de induzir seu pessoal a competir entre si para que, por meio de uma combinação de pressão de colegas e ambição, eles trabalhem mais.
Karen Levy, da Data and Society Research Institute, empresa de pesquisa de Nova York, terminou recentemente um estudo de três anos sobre o acompanhamento do desempenho em um negócio claramente tradicional: transporte rodoviário.
Ao longo das duas últimas décadas, transportadoras têm usado GPS e outras tecnologias para medir a velocidade com que os motoristas rodam e a frequência com que freiam, com a meta de entregar rapidamente os produtos, mas não rápido demais para economizar combustível.
Para tornar os motoristas mais eficazes, as empresas publicam placares nas salas de descanso ou enviam cheques com bônus às cônjuges para que eles sejam pressionados em casa e no trabalho.
Uma das principais formas de as pessoas se tornarem mais produtivas no trabalho é utilizando a suposta hora de inatividade para trabalhar. Muitos motoristas faziam coisas como carregar, descarregar e inspecionar os caminhões durante as pausas exigidas por leis federais, explicou Karen.
"Se você distrair os operários com a ideia de que estão disputando um jogo, eles não questionam as regras do jogo", ela declarou.
Empresas parecidas com a BetterWorks – Workday, Workboard ou SuccessFactors e que também produzem programas para determinação de metas – estão importando conceitos similares para cargos de escritório onde o desempenho é historicamente subjetivo.
Fundada em 2013, a BetterWorks, começou vendendo para quase toda empresa de tecnologia, mas passou a trabalhar com uma gama ampla de clientes, tais como a Viacom e o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos.
INOVAÇÕES
A Bluenose, empresa de programas de San Francisco, emprega o software da BetterWorks para acompanhar as metas dos funcionários em um painel digital visto por todos na empresa. Um empregado, Marin Perez, disse que não tinha problemas com a exposição pública. Ele disse que costuma ser reservado, então gosta do fato de suas conquistas se tornarem públicas sem ele ter de fazer coisas como mandar e-mail se vangloriando.
"Tem uma base sólida nos números", Perez declarou a respeito das metas atingidas.
A BetterWorks cobra uma tarifa mensal de US$ 15 por usuário e tem "sete dígitos" de receita bruta, disse Duggan. O programa roda na nuvem, permitindo que os funcionários o utilizem por meio de vários aparelhos. Existe até um aplicativo para o novo Apple Watch, no qual a empresa ainda testa ideias.
"E se fosse possível parabenizar ou cutucar as pessoas e fazer esse reforço social seguir adiante? E se você estivesse ao lado de alguém com quem trabalha em uma meta e o relógio vibrasse?"
Duggan também tem grandes planos de crescimento. Em reunião recente, ele mostrou uma de suas próprias metas: contratar 50 funcionários até o final do ano, dobrando o total da firma.
No entanto, e se medições demais deixarem as pessoas tristes? Essa pergunta está no cerne de outra empresa: Culture Amp, companhia australiana responsável por uma espécie de sistema que faz pesquisa de opinião com os funcionários e levantou US$ 6,3 milhões da Felicis Ventures, firma de capital de risco de Palo Alto.
O produto da Culture Amp é um conjunto de pesquisas contínuas e anônimas que permite às empresas saberem como os trabalhadores se sentem e as classifica segundo outras do mesmo setor econômico. Assim eles saberão quando todos estiverem prestes a pedir demissão.