O que explica a recuperação econômica em meio ao avanço da pandemia?
Alta nos preços das commodities agrícolas e metálicas, além da adaptação dos segmentos econômicos ao novo ‘modus operandi’ do consumidor, ajudam a explicar o avanço do PIB
A economia brasileira apresentou um aumento do Produto Interno Bruto (PIB) durante o primeiro trimestre mais intenso do que esperavam os analistas de mercado. Num contexto de recrudescimento da pandemia, o que explicaria essa surpreendente resiliência da atividade econômica?
Em primeiro lugar, tem-se um efeito chamado de carrego estatístico (carry over), ou seja, o resultado positivo, que advém do contraste do resultado atual com o mesmo período de 2020, ano em que o PIB caiu 4,1%, e que, portanto, constitui uma base fraca de comparação. Em outras palavras, numericamente, é mais “fácil” crescer sobre uma base que apresentou diminuição.
Contudo, não se trataria apenas de um efeito estatístico, pois, em segundo lugar, parte da elevação da atividade econômica teria sido causada pelo redirecionamento do consumo de serviços para os bens duráveis, devido às medidas de isolamento social, propiciando a recuperação do varejo e da indústria. Este último setor também está sendo impulsionado pelo baixo nível dos estoques.
Outro fator de recuperação teria sido o aprendizado sobre como operar no novo contexto, lançando mão das vendas eletrônicas e de estruturas de delivery, por parte de vários segmentos do comércio e dos serviços prestados às famílias, principalmente bares e restaurantes.
Além disso, a intensa retomada da economia mundial está provocando elevações dos preços das commodities agrícolas e metálicas, gerando crescimento da produção agropecuária e da indústria extrativa, redundando em forte expansão das exportações. Essa expansão, aliada aos aumentos da taxa de juros básica (Selic), tem contribuído para a redução da taxa de câmbio, que atenua os impactos inflacionários da valorização das matérias primas.
A surpresa positiva do PIB e os resultados favoráveis de abril têm levado a uma revisão para cima das projeções de crescimento em 2021, que, em alguns casos, chegam a superar 5,0%. Entretanto, existem alguns riscos que poderiam arrefecer a retomada da economia durante os próximos meses.
O primeiro deles diz respeito à evolução da pandemia, conjugada com a lentidão do processo de vacinação, que poderiam levar a novas restrições de mobilidade, prejudicando principalmente os serviços.
Outro risco relevante é o hídrico-energético, decorrente da escassez de chuvas, que continuaria pressionando as tarifas elétricas, provocando redução da atividade, diretamente pelo aumento dos custos de produção.
Também poderia haver um efeito negativo indireto, a partir da aceleração da inflação, que, além da perda de poder aquisitivo da população, poderia levar a novos aumentos da Selic.
Finalmente, a elevada taxa de desemprego e a redução da renda das famílias deveriam constituir risco adicional, desacelerando a retomada do consumo das famílias ao longo dos próximos meses.
Em síntese, a resiliência da economia brasileira é uma excelente notícia, face às graves crises econômica e sanitária vividas pela sociedade brasileira, porém a sustentabilidade desse desempenho favorável durante os próximos meses deve ser qualificada em função dos fatores de risco mencionados anteriormente.
PONTO A PONTO: OS ALTOS E BAIXOS DA ECONOMIA
- Síntese da Conjuntura Econômica
- Atividade econômica do primeiro trimestre surpreendeu positivamente, enquanto os dados de abril continuam sinalizando forte recuperação cíclica, refletindo tanto a resiliência da economia brasileira, no difícil contexto da pandemia, como a menor base de comparação de 2020.
- IPCA apresentou forte alta em maio, superando com folga o limite superior da meta anual de inflação, o que levou o Banco Central a novamente elevar a Selic em 0,75%.
- Resultados fiscais mostraram melhora em abril, devido ao recorde de arrecadação e à contenção automática das despesas públicas até a sanção do Orçamento de 2021, reduzindo grau de endividamento do Governo.
- Maior superávit comercial observado em maio, além das menores saídas de moeda estrangeira, por conceito de serviços e rendas, provocou forte diminuição do “rombo” externo, que segue financiado com folga pela entrada de capitais financeiros de longo prazo.
- Atividade Econômica e Emprego
- No primeiro trimestre, desemprego se elevou em relação a 2020, alcançando novo recorde, com diminuição da renda total (massa de rendimentos) e da ocupação.
- Em abril, indústria mostrou forte alta anual, explicada pelo redirecionamento da demanda de serviços para a de bens duráveis, em decorrência do isolamento social, além da menor base de comparação de 2020.
- Vendas do varejo também apresentaram, em abril, significativo crescimento anual, explicado pela flexibilização das medidas de isolamento, que beneficiou a compra de itens não essenciais, e pela reduzida base de comparação do ano passado.
- Mesmos fatores explicam forte elevação do volume de serviços prestados em relação a abril do ano passado, sinalizando recuperação, ainda que menos intensa que a observada na indústria e no comércio.
- Seguindo as trajetórias do varejo, dos serviços e da indústria, Indicador de atividade do Banco Central (IBC-BR) apresentou crescimento no primeiro quadrimestre próximo ao crescimento anual do PIB esperado pelo mercado.
- PIB do primeiro trimestre surpreendeu positivamente, mostrando, pela primeira vez na pandemia expansão anual, refletindo desempenho favorável da agricultura e do investimento produtivo, além da menor base de comparação de 2020.
- Juros, Crédito e Inflação
- IPCA apresentou forte alta em maio, pressionado pelo reajuste da tarifa de energia elétrica e pelo aumento dos preços de combustíveis e gás, superando com “folga” o limite superior da meta anual de inflação.
- Em maio, o Copom elevou a taxa básica (Selic) novamente em 0,75%, sinalizando possível nova alta de igual valor em sua próxima reunião.
- Crédito à pessoa física acelerou em abril, no comparativo anual, com diminuição da taxa de juros e da inadimplência.
- Finanças Públicas
- Governo Consolidado (União, Estados, Municípios e empresas estatais) apresentou, em abril, superávit fiscal primário (excesso de receitas sobre despesas não financeiras) recorde.
- Principais causas desse resultado favorável foram o recorde de arrecadação, que reflete a recuperação da atividade econômica, e o represamento das despesas públicas até a sanção do Orçamento de 2021, ocorrida no fim do mês.
- Despesas financeiras diminuíram em relação a 2020, em decorrência das receitas auferidas com contratos de swap cambial.
- Resultado nominal (resultado primário + despesas financeiras) observado em abril foi positivo (superávit) frente ao déficit registrado no mesmo mês do ano passado.
- Superávit nominal provocou redução da necessidade de financiamento, diminuindo o grau de endividamento do setor público, que, apesar disso, ainda permanece muito elevado.
- Setor Externo
- Em maio, houve crescimento das exportações, causado pela intensa retomada da economia mundial, superior à elevação das importações, decorrente da recuperação da atividade econômica interna, gerando maior superávit comercial (excesso de exportações sobre importações de mercadorias).
- Remessas de lucros e dividendos, viagens internacionais, transporte e aluguel de máquinas permaneceram em nível reduzido, em decorrência da pandemia e do isolamento social.
- Maior superávit comercial foi o principal responsável pela expressiva diminuição do déficit em conta corrente (excesso de importações sobre exportações de bens e serviços), em maio, em relação ao mesmo mês de 2020.
- Entrada de capitais financeiros de longo prazo – Investimento Direto no País (IDP) – apresentou queda, ante maio de 2020.
- Contas externas continuam mostrando solvência, com entrada de capitais de longo prazo mais do que suficiente para cobrir as necessidades de financiamento externo.
IMAGEM: Freepik