O local mais democrático de São Paulo

Quem entra no Sebo do Messias, no centro de São Paulo, dificilmente sai de mãos abanando. São quase 500 mil livros à venda. Esse é hoje um ponto de referência da cidade graças a Messias Coelho, há 46 anos atrás do balcão

Renato Carbonari Ibelli
20/Dez/2024
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O local mais democrático de São Paulo
**Este texto, de janeiro de 2016, está sendo republicado como homenagem ao comerciante Messias Antonio Coelho, fundador do Sebo do Messias, que morreu na manhã de quinta-feira, 19, aos 83 anos. 
 
É difícil encontrar um local que sintetize tão bem a pluralidade da cidade de São Paulo quanto o cultuado Sebo do Messias. Esse talvez seja o ponto mais democrático da metrópole multicultural. Um espaço no qual há um pouco de tudo, acessível a todos. Onde mais seria possível encontrar um clássico da literatura por R$ 5 bem ao lado de um vinil inestimável?
 
A fama desse sebo foi construída ao longo de quase 50 anos funcionando na região central da cidade, na praça João Mendes, bem atrás das bancas de flores da Catedral da Sé. Durante esses anos todos, foram raras as vezes que seu proprietário e fundador, o mineiro Messias Antonio Coelho, não esteve a postos para atender a clientela.
 
Hoje um senhor de 75 anos, de semblante sisudo à primeira vista, mas que amaina facilmente ao ser abordado para uma conversa. Messias é o primeiro a chegar no sebo, às 7h30, e o último a sair, às 19h30. "Não tiro férias faz mais de 20 anos, mas não me importo. Gosto do que faço, nasci para o comércio".
 
Mas não nasceu comerciante. Messias cresceu como um agricultor na cidade de Guanhães, na região do Vale do Rio Doce, nas Minas Gerais. Por lá plantava de tudo com a família: arroz, milho, feijão. Não era a vida que queria.
 
Resolveu tentar a sorte na cidade grande mais próxima que conhecia, Belo Horizonte, que não era grande o suficiente para suas pretensões. Então, em 1964, aos 23 anos, entrou em um ônibus com destino a São Paulo, cidade que nunca mais deixou.
 
Nos primeiros anos na capital paulista Messias trabalhou como garçom, assim fez contato com muita gente, o que lhe abriu o caminho para uma nova atividade, a de vendedor de livros porta em porta, profissão que os atuais clientes mais jovens do seu sebo, habituados às compras pela internet, talvez nem saibam que uma vez existiu.
 
Nessa nova empreitada, visitava advogados, promotores e juízes para os quais vendia livros jurídicos. Da freguesia fez alguns amigos, mas um foi especial, que por conta do destino acabaria tornando o Sebo do Messias uma realidade.
 
"Era final de 1969 quando fui visitar esse amigo, mas me deparei com sua esposa toda chorosa. Ele tinha acabado de sofrer um infarto fulminante". A mulher não queria ficar sozinha naquela casa enorme, preferia mudar-se para um apartamento. "Quanto ela falou isso, eu apontei para as estantes com livros e mais livros e perguntei o que ela faria com tudo aquilo. Eram mais de 5 mil exemplares".
 
Ela estava decidida a vender a coleção. E foi assim, após 10 cheques serem compensados, que os primeiros 5 mil livros do Sebo do Messias foram adquiridos. "Claro que não foi tão simples. Acabei arrumando um problema porque morava em uma casa pequena no Cambuci. Os livros não caberiam lá". A solução: a casa do cunhado, lá para o lado do aeroporto, na zona sul, virou seu depósito.
 
Um ano mais tarde, em 1970, cansado de ir e voltar carregado de livros do aeroporto para o Centro, onde ficavam seus clientes, Messias resolveu alugar uma sala comercial na Praça João Mendes, bem ao lado do seu ponto atual. Era uma salinha, mas com o movimento crescendo, acabou alugando o andar todo, depois o segundo andar todo, o terceiro e o quarto.
 
"O problema é que ficava dificultoso para o cliente subir quatro lances de escada. Muitos olhavam, pensavam e falavam que voltariam mais tarde. Nunca mais voltavam".
 
Messias então partiu para a loja térrea. Nessa época havia diversificado bastante seu sebo, com livros de literatura em geral, além de LPs, fitas cassetes e VHS. Hoje, entre uma variedade de itens, há mais de 250 mil livros nas estantes físicas de sua loja. Há outros 200 mil nas estantes virtuais.
 
É isso mesmo, Messias trabalha com coisas velhas e usadas, mas não se fechou para as novidades. Há oito anos seu site está no ar, e ele fala com orgulho dos pitacos que deu para levar o sebo para internet. "Fiquei três anos elaborando como seria, e hoje tenho o melhor site do Brasil para quem quer encontrar livros."
 
Suas empreitadas no mundo virtual não pararam por aí. Messias tem mais uma carta na manga, que ele deve mostrar em breve. "Será um segundo site, chamado Leilão do Messias, onde vou colocar à venda apenas os livros mais raros".
 
Mas, Seu Messias, vender livros raros que chegam até o senhor não dói no coração? "Como assim! Se tivesse dó de me desfazer das coisas não seria comerciante. Eu nasci para o comércio. Tudo aquilo que compro, eu dou um jeito de vender".
 
Hoje esse mineiro, que já se considera um paulistano, é ajudado por suas duas filhas na administração do sebo mais tradicional de São Paulo. Mas não pense que ele está preparando a sucessão. Que nada. Aos 75 anos, e cheio de disposição, Messias não pensa em parar tão cedo.
 
"Uma vez dei uma entrevista a uma revista grande e, ao final, quando estava indo embora, o repórter me perguntou até quando eu trabalharia. Brinquei dizendo que seria até os 99 anos. E não é que publicaram isso na revista! Como tenho palavra, vou ter que honrar o que foi escrito".

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