O consumidor é seu smartphone
A fronteira entre a loja física e o mundo digital está ruindo rapidamente graças à tecnologia digital – e o varejo precisa se transformar
É uma cena que se repete no mundo inteiro: o cliente entra na loja, olha os produtos em exposição, tira o celular do bolso, franze a testa. Toca os dedos na tela, digita uma pesquisa no Google e às vezes até mesmo tira uma foto do que mais lhe chamou a atenção. Depois, coloca o celular no bolso e, sem dizer uma palavra, vai embora. Em inglês, essa prática se chama showrooming, ou seja, a loja virou um showroom.
Igualmente, na loja virtual, mais e mais varejistas notam que os clientes navegam pelo site, observam vários produtos, leem as resenhas e os colocam nos carrinhos – que depois vai ser largado, cheio, sem que a compra seja finalizada.
Mas e se nenhum dos dois cenários descritos acima fosse exatamente um problema em si? E se na realidade eles descrevessem o consumidor dos dias de hoje? E se eles fossem simplesmente dois instantâneos de um novo tipo de comportamento do consumidor? Essa foi a mensagem da apresentação que abriu o terceiro dia do Big Show, a convenção anual da associação dos varejistas americanos, e ela resume o tema que domina as discussões no evento: como se preparar para uma realidade em que o cliente não tem um smartphone, mas é o aparelho.
A imagem foi usada por Alison Kenney Paul, vice-presidente e responsável pela área de varejo e distribuição da consultoria Deloitte Touche e Tohmatsu. “Temos de repensar como medir, organizar e investir nos mundos físico e digital”, disse Paul. “Pare de pensar em estratégias separadas para o consumidor e para o mundo digital. O consumidor é seu aparelho. Não existe mais distinção entre o online e offline. Estamos conectados o tempo todo. Integrar a tecnologia à experiência do consumidor é um imperativo do negócio.”
Quando se pensa em tecnologia, a tendência é considerar apenas o comércio eletrônico, que movimentou US$ 304 bilhões no ano passado, ou 6,4% de todas as vendas do varejo. Mas essa distinção faz cada vez menos sentido, disse Paul. O cliente pode encher um carrinho na internet, mas decidir efetuar a compra na loja. Igualmente, ele pode interagir com o produto numa loja, mas comprá-lo online. “Não acompanhamos todo o processo de decisão e compra do consumidor, portanto muitas vezes não sabemos se ou por que uma venda foi ou não realizada.”
“Fizemos uma pesquisa com 2 mil consumidores americanos, e a importância da tecnologia digital na decisão de compra foi muito maior do que esperávamos”, disse Paul. Em outras palavras: o mundo está mudando muito mais rápido do que se imagina. Um exemplo apontado pela consultora: na maioria das empresas, a equipe que cuida das vendas pelo celular é responsável somente pelas transações efetivamente concluídas no dispositivo móvel. Mas será que essa distinção ainda faz sentido? O desafio, daqui em diante, talvez consista em relacionar o tráfego nos sites ou aplicativos de celular e o tráfego de clientes nas lojas.
Igualmente, a ideia de que o celular seja um problema dentro das lojas cai por terra quando se considera que os consumidores que consultam o celular enquanto estão na loja têm taxas de conversão 40% maiores. “Essa estatística derruba completamente o medo irracional do showrooming”, disse Paul. “Simplesmente não é verdade. Quanto mais informações o consumidor tiver à disposição, maior as chances de que ele vá comprar.”
A chave, segundo Paul, é “digitalizar” as lojas físicas – se não por outro motivo, porque 90% das vendas do varejo ainda são realizadas presencialmente, nos pontos de venda. “Digo isso sempre, não me canso de dizer: a loja física não morreu. Inclusive muitas lojas ponto-com estão abrindo suas próprias lojas físicas.”
Em sua apresentação, Tony Bartel, CEO da GameStop, maior rede de lojas de videogames do mundo, concordou com o diagnóstico. A empresa, que tem 6,6 mil lojas e fatura US$ 9 bilhões, criou um laboratório de inovações para aumentar as interatividade em seus pontos de venda. Uma das novidades sendo testadas é um sistema que permite que os clientes recebam promoções especiais ao entrarem nas lojas. Outro envolve a tecnologia de realidade aumentada: basta apontar a câmera do smartphone para a caixa de um jogo para ver na tela um vídeo do jogo.
Os vendedores de lojas de games costumam ser especializados e antenados com as últimas novidades, mas isso não muda um dado assustador colhido no estudo da Deloitte: 80% dos consumidores preferem procurar informações na internet ou num quiosque automatizado a pedir ajuda a um vendedor.
Mike Rodgers, chief customer officer da JC Penney, uma das maiores varejistas de roupas dos Estados Unidos, apontou outro dado surpreendente, que orienta a estratégia digital da empresa. Em 2012, 72% do tráfego no site da JC Penney vinha de PCs. No ano passado, o tráfego de celulares e tablets já respondia pela metade dos acessos.
O novo aplicativo da empresa para smartphones e tablets tem três princípios básicos, disse Rodgers: “Me ajude a achar, a comprar e faça a experiência valer a pena”. O aplicativo sugere modelos e combinações de roupas e serve também como um guarda-roupas virtual para que as compradoras (o maior público da JC Penney é feminino) organizem os itens que pretendem comprar no futuro. O software também conta com um leitor que puxa informações adicionais sobre os produtos dispostos nas araras. “As novas funcionalidades aumentaram a conversão em 40% ao longo do último ano”, afirmou Rodgers.
Outros dois números surpreendentes foram apresentados por Rodgers. O primeiro: em 30% das compras realizadas online (na web ou no aplicativo), as consumidoras escolhem retirar o produto em uma loja, em vez de pedir entrega pelo correio. O segundo é ainda mais surpreendente: 30% das compras realizadas pelo aplicativo são efetuadas enquanto as consumidoras estão dentro da loja, seja com seu próprio aparelho ou com a ajuda de um vendedor. Definitivamente, a fronteira entre a loja física e o mundo digital está cada vez mais difícil de distinguir.