O assustador déficit público nominal

'O problema do País não é mais construir e reconstruir regras e legislações fiscais, primordialmente, mas cumpri-las'

Felipe Salto
22/Mai/2025
Economista-chefe da Warren Investimentos e membro do Conselho Superior de Economia da Fiesp
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O assustador déficit público nominal

Hoje o governo apresentará o primeiro Relatório de Acompanhamento das Receitas e Despesas Primárias, mais conhecido como relatório bimestral. A expectativa é de que o governo corte volume relevante das despesas previstas para o ano, de modo a apontar maior firmeza em relação ao cumprimento da meta fiscal de 2025.

Contudo, estabilizar a dívida pública requererá muito mais. A piora do resultado fiscal, em 2023, representou uma perda enorme de tempo. Para ter claro, o déficit primário, ao final de 2024, depois de todo o esforço empreendido pela Fazenda, voltou ao mesmo nível de 2022. Vale dizer, dois anos torrados para continuar no mesmo lugar. Para que a dívida pública pare de crescer em relação ao PIB, o esforço de contenção de despesas terá de ser muito mais significativo nos próximos anos.

O déficit nominal, que inclui todos os gastos e receitas, inclusive do rol financeiro, em que constam os juros da dívida, está em R$ 948,5 bilhões no acumulado em 12 meses até março de 2025. Em porcentual do PIB, 7,9%. Trata-se de um resultado preocupante, alimentado por gastos com juros elevados, de R$ 935 bilhões, e por um déficit primário do setor público de R$ 13,5 bilhões, que crescerá até o final do ano, dado que, nestes meses iniciais, a despesa do governo central esteve represada pelas regras de execução limitada do Orçamento, enquanto a peça ainda tramitava no Congresso.

A dívida pública bruta está em 75,9% do PIB e a trajetória do indicador, tomando-se um prazo mais longo, tem sido de alta desde 2014. Naquele momento, tínhamos abandonado as metas de resultado primário, após longos sete anos de contabilidade criativa e desmonte do regime de responsabilidade fiscal criado no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e mantido pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A visão do governo da época e de seu ministro da Fazenda era muito simples: a dívida já havia melhorado bastante e não haveria mais necessidade de superávits primários tão robustos, que chegaram à casa dos 4% do PIB. O resultado é conhecido: entramos numa fase inicial, de 2008 a 2011, em que as receitas sustentaram a nova empreitada expansionista, mas a crise chegou.

De 2012 a 2015, a forte desaceleração das receitas públicas conduziu o País à geração de déficits que, salvo pelo pontual resultado de 2022, persistem até hoje. Em 2015, pressionada pelo ambiente econômico extremamente negativo, perspectivas de recessão (que se confirmou) e desconfiança, a presidente Dilma Rousseff promoveu medidas de ajuste, escolhendo Joaquim Levy para a Fazenda. Essa concessão durou apenas um ano.

O teto de gastos surgiu como uma resposta ao quadro de grave desajuste das contas públicas, já sob o presidente Michel Temer. Teve relativo sucesso para promover uma redução dos juros reais e do custo médio da dívida, mas pecou pelo excesso de rigidez.

Esse pecado mortal custou caro, porque a regra precisou ser alterada ao menos quatro vezes no governo do presidente Jair Bolsonaro.

O novo arcabouço fiscal, já com o ministro Fernando Haddad, representou, assim, um avanço. Pode ser melhorado e ajustado, mas contém a flexibilidade necessária. O problema do País não é mais construir e reconstruir regras e legislações fiscais, primordialmente, mas cumpri-las. De que adianta ser pródigo em produzir legislações e normas para as contas públicas, mas na hora do vamos ver modificá-las em benefício do governo de plantão?

Para reequilibrar a dívida/PIB, em dois anos, digamos, será preciso produzir um superávit primário de ao menos 2,5% do PIB. O anúncio de um plano crível nessa direção produziria efeitos imediatos sobre a curva de juros, ou seja, sobre o custo da dívida para diferentes prazos, levando a uma redução das despesas financeiras estratosféricas que mencionei acima.

A tarefa de retomar as condições de sustentabilidade fiscal passa por rever as vinculações e indexações do Orçamento. É preciso, também, restaurar a normalidade e a civilidade no processo das emendas parlamentares, que alcançaram o irresponsável patamar de mais de R$ 50 bilhões ao ano.

O Orçamento está no piloto automático, pautado por reajustes concedidos sem o devido debate democrático e sem a necessária responsabilidade com o dinheiro público. A Previdência Social já bate à porta novamente. O déficit público primário é, em grande medida, explicado pelo buraco de 2,5% do PIB do Regime Geral de Previdência Social. Isso sem contar o problema das aposentadorias dos militares, que respondem por um rombo de ao menos R$ 50 bilhões. Os gastos tributários, por sua vez, chegaram a uma cifra de quase R$ 550 bilhões, só no nível federal, de modo que uma revisão ampla se impõe.

A premissa por trás desse raciocínio? A retomada do crescimento econômico, não no atual ritmo de espasmos, só ocorrerá na presença de uma dívida pública estável e em nível mais baixo. Assim, haverá lugar para juros menores, aumento do investimento privado e desenvolvimento para todos. Eis a agenda para 2027.

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IMAGEM: DC

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