O adeus de Francisco, o papa da misericórdia
Morreu nesta segunda-feira, 21/4, aos 88 anos, o líder da Igreja Católica Apostólica Romana. Seu pontificado foi marcado por posições fortes, que romperam com tradições seculares, e por exemplos de abnegação desde os primeiros dias, quando se recusou a morar no Palácio Apostólico, até o último, ao pedir para ser enterrado na Igreja de Santa Maria Maior, e não na Basílica de São Pedro

*com agências
O papa Francisco morreu nesta segunda-feira, 21/4, aos 88 anos, informou o Vaticano. Nascido em 17 de dezembro de 1936 em Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio sofria de uma doença pulmonar crônica que o vitimou. A morte do papa acontece um dia após o Domingo de Páscoa, quando ele fez uma breve aparição para abençoar as milhares de pessoas na Praça São Pedro, no Vaticano, o que provocou vivas e aplausos da multidão.
O pontífice continuava sua recuperação de um grave episódio de pneumonia bilateral. Ele não celebrou a missa de Páscoa na praça, deixando a tarefa para o cardeal Angelo Comastri, o arcipreste aposentado da Basílica de São Pedro. Aparições raras desde o retorno da hospitalização Francisco só apareceu em público algumas vezes desde que retornou ao Vaticano, em 23 de março, após uma hospitalização de 38 dias.
Ele não participou das solenidades da Sexta-Feira Santa e do Sábado Santo, mas o folheto da missa e os planos litúrgicos publicados pelo Vaticano já adiantavam sua aparição no domingo. Segundo o Vaticano, ao menos 35 mil pessoas participaram da missa no local, especialmente adornado com narcisos, tulipas e outras flores doadas pelos Países Baixos. "Irmãos e irmãs, feliz Páscoa!", disse Francisco, no domingo.
Misericordioso - O Vaticano publicou um editorial em que destaca a preocupação do Papa Francisco com "os pobres, a fraternidade, o cuidado com a Casa Comum, o firme e incondicional não à guerra".
Intitulado "O papa da misericórdia", o editorial do Vaticano aponta que a mensagem central do pontificado de Francisco "foi o chamado evangélico à misericórdia". "A proximidade e a ternura de Deus para com aqueles que se reconhecem necessitados da sua ajuda. Todo o pontificado de Jorge Mario Bergoglio foi vivido sob o lema dessa mensagem, que é o coração do cristianismo", diz o texto.
O editorial também destacou que Francisco mostrou uma Igreja mais próxima e acolhedora, "mesmo à custa de assumir riscos e sem se preocupar com as reações dos simpatizantes".
Primeiro pontífice das Américas, ele encantou o mundo mas entrou em conflitos internos dentro da própria Igreja Católica ao criticar o capitalismo e adotar um discurso de inclusão da população LGBTQIAPN+.
O editorial do Vaticano ainda lembrou que Francisco iniciou seu papado rezando pelos imigrantes que morreram no mar na ilha de Lampedusa e terminou em uma cadeira de rodas, "dedicando todos os últimos momentos para testemunhar ao mundo o abraço misericordioso de um Deus próximo e fiel em seu amor por todas as suas criaturas".
"Ao longo dos anos de seu pontificado, o 266º sucessor de Pedro mostrou o rosto de uma Igreja próxima, capaz de testemunhar ternura e compaixão, acolhendo e abraçando a todos", afirmou o Vaticano.
Simplicidade - O velório de um papa sempre se torna um evento, até pelo tempo que demora (nove dias). Mas o papa Francisco buscou no ano passado simplificar esses ritos. E ele será enterrado em um caixão simples de madeira e fora do Vaticano, pela primeira vez em mais de um século.
Francisco renunciou a uma prática secular, segundo a qual o chefe da Igreja é enterrado em três caixões interligados feitos de cipreste, chumbo e carvalho. Em vez disso, Francisco será enterrado em um único caixão de madeira revestido de zinco. Em seu testamento, o pontífice pede o seguinte: "O sepulcro deve estar na terra; simples, sem ornamentos especiais, e com a única inscrição: Franciscus."
O uso de uma plataforma elevada na Basílica de São Pedro para o "velório", como aconteceu com os pontífices anteriores, também foi abolido. Os fiéis serão convidados a prestar suas homenagens enquanto o corpo de Francisco ficará dentro do caixão, com a tampa aberta.
Ele optou pelo enterro na Igreja de Santa Maria Maior em Roma, em vez da Basílica de São Pedro, que abriga mais de 90 papas. Antes dele, Leão XIII, em 1903, havia optado pelo enterro na igreja de São João de Latrão.
Diego Ravelli, Mestre das Celebrações Litúrgicas dos Pontífices, disse que “o rito renovado deveria enfatizar ainda mais que o funeral do Romano Pontífice é o de um pastor e discípulo de Cristo e não de uma pessoa poderosa deste mundo."
No fim, o papa consegue deixar o Vaticano, no qual durante mais de uma vez se disse "engaiolado". E, em uma sequência iniciada ao se recusar a ir para o Palácio Apostólico e optou por morar na Hospedaria Santa Marta, quebrou um último "protocolo" de seus antecessores.
As instruções sobre o seu funeral estão em testamento deixado pelo pontífice. Confira a íntegra:
Em Nome da Santíssima Trindade. Amém.
Sentindo que se aproxima o entardecer da minha vida terrena e com viva esperança na Vida Eterna, desejo expressar minha vontade testamentária apenas quanto ao local da minha sepultura.
Confiei sempre minha vida e o ministério sacerdotal e episcopal à Mãe de Nosso Senhor, Maria Santíssima. Por isso, peço que meus restos mortais repousem, à espera do dia da ressurreição, na Basílica Papal de Santa Maria Maior.
Desejo que minha última viagem terrena se conclua justamente neste antiquíssimo santuário Mariano, onde costumava rezar no início e no fim de cada Viagem Apostólica, confiando com fé minhas intenções à Mãe Imaculada e agradecendo-Lhe pelo cuidado dócil e materno.
Peço que minha tumba seja preparada no lóculo da nave lateral, entre a Capela Paulina (Capela da Salus Populi Romani) e a Capela Sforza da referida Basílica Papal, como indicado no anexo em anexo.
O sepulcro deve estar na terra; simples, sem ornamentos especiais, e com a única inscrição: Franciscus.
As despesas para a preparação da minha sepultura serão cobertas com a quantia de um benfeitor que designei, a ser transferida para a Basílica Papal de Santa Maria Maggiore conforme instruções que providenciei entregar a Mons. Rolandas Makrickas, Comissário Extraordinário do Capítulo Liberiano.
Que o Senhor conceda a merecida recompensa àqueles que me quiseram bem e continuarão a rezar por mim.
O sofrimento que esteve presente na parte final da minha vida, ofereci ao Senhor pela paz no mundo e pela fraternidade entre os povos.
Sé Vacante
Agora que Francisco morreu a Igreja entra em período de Sé Vacante. Caberá ao camerlengo, cardeal responsável pela administração dos bens e Tesouro do Vaticano, o governo temporário e a transição de poder. O cargo é ocupado atualmente pelo irlandês Kevin Joseph Farrell. Entre outras funções, ele irá organizar o conclave para eleição do novo papa.
Luto no Brasil - O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou luto oficial de sete dias no Brasil pela morte do papa. A decisão do Executivo federal foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) nesta segunda.
"É declarado luto oficial em todo o país, pelo período de sete dias, contado da data de publicação deste Decreto, em sinal de pesar pelo falecimento de Jorge Mario Bergoglio, Sua Santidade o Papa Francisco, a quem serão tributadas honras fúnebres de Chefe de Estado", diz a publicação.
IMAGEM: Vatican Media/divulgação