Não às mudanças do IR
A única saída racional seria a retirada do projeto pelo governo, ou a postergação de sua votação pelo presidente da Câmara, e a criação de uma comissão de alto nível que possa elaborar um projeto de Reforma Tributária ampla e articulada
O projeto de Lei 2337/21, que altera a legislação do Imposto de Renda, provocou, desde a sua apresentação, grande preocupação entre empresários, tributaristas e diversos segmentos da sociedade, não apenas pela fase de transição pela qual passa o país, mas também por sua complexidade e ameaça de forte aumento da carga tributária.
Independentemente das controversas alterações na legislação do IR, cabe destacar algumas questões preliminares com relação à proposta em análise, apresentada pelo governo como uma etapa da Reforma Tributária.
A primeira é quanto à oportunidade de se discutir mudanças profundas na legislação, em um período em que a economia começa a se recuperar, mas em que diversos setores da economia, e vários segmentos da população, ainda convivem com grandes dificuldades e necessitam de apoio do executivo e do legislativo para poder superá-las com menor custo econômico e social.
A segunda é que, estimulada pelas restrições decorrentes da pandemia, houve aceleração do uso da tecnologia por parte das empresas, provocando mudanças relevantes no ambiente de negócios, cujos contornos ainda não se acham claramente definidos, mas que, certamente, terão implicações sobre a economia e sobre o sistema tributário.
A terceira é que não faz sentido debater Reforma Tributária antes da aprovação da Reforma Administrativa, que deve redefinir o tamanho e o custo do Estado, para depois discutir a forma de financiá-lo.
A quarta questão é que, matéria de tamanha complexidade e importância, com forte impacto sobre as decisões de investimentos e as atividades econômicas, não deve ser discutida em regime de urgência, mas precedida de ampla discussão com todos os segmentos da sociedade.
Por fim, em quinto, se há unanimidade das entidades de todos os setores da economia contra a oportunidade e o mérito do PL, a quem se pretende beneficiar? Qual problema atual se pretende resolver? A correção da Tabela do IR da pessoa física, que deveria ser ato rotineiro da administração, exigiria, ou justificaria, as mudanças estruturais propostas no PL 2337?
Com relação ao mérito das alterações, basta verificar o número e a natureza das mudanças introduzidas pelo relator para se concluir que o projeto original representava grande risco para a economia, se aprovado como foi enviado pelo governo.
O relator procurou manter a estrutura básica do projeto, reduzindo alíquotas para alguns setores, o que pode ter eliminado o risco de aumento da carga tributária. Não evita, contudo, que alguns setores sejam afetados negativamente por aumento de tributação. Nenhum cálculo foi apresentado sobre o tamanho do aumento de imposto para os segmentos atingidos, no geral do setor de Serviços, que foi o mais castigado pela pandemia. Não se mostrou, também, qualquer avaliação do impacto do aumento de tributação sobre as empresas, o emprego e os preços.
Curiosamente, um projeto que foi apresentado nitidamente com o objetivo de aumentar substancialmente a arrecadação, com as modificações propostas, segundo cálculos apresentados pelo relator, agora resulta em substancial perda de receita para o governo.
Essa contradição é motivo de preocupação. Se os cálculos não estiverem corretos, pode haver aumento da carga tributária. Se estiverem certos, e houver perda de arrecadação, aumentarão as dificuldades financeiras do governo.
Neste caso, como explicar que o governo concorde com as mudanças feitas pelo relator? Para que fazer mudanças que não são urgentes, para perder receita?
Parece claro que não se pode aceitar uma aventura tributária que apresenta mais dúvidas do que certezas.
A única saída racional seria a retirada do projeto pelo governo, ou a postergação de sua votação pelo presidente da Câmara, e a criação de uma comissão de alto nível que possa elaborar um projeto de Reforma Tributária ampla e articulada, discutir com toda a sociedade para que, mesmo que seja votada por fases, seja consistente com o todo.
IMAGEM: Cleia Viana/Câmara dos Deputados