Na crise, até os carrões foram para a funilaria
Em uma década, o número de oficinas especializadas em reparos, como a FBF, de Fernando Ferreira (foto), praticamente triplicou na capital paulista
Uma das vias mais movimentadas de São Paulo, a Avenida Santo Amaro tem mais de 7 quilômetros de extensão.
Liga os distritos de Itaim Bibi e Santo Amaro.
Até a inauguração do corredor de ônibus nas faixas centrais, em 1987, o congestionamento era um grande problema para quem trabalhava ou morava na região.
A situação mudou. Para melhor. As enormes filas de ônibus próximos aos pontos não existem mais. O trânsito flui mais rápido.
O novo cenário propiciou o surgimento de centenas de novos estabelecimentos comerciais. São bares, restaurantes, agências bancárias, postos de gasolina e inúmeras oficinas de funilaria e pintura.
O grande número de oficinas de reparos de carros chama a atenção de quem passa pela avenida. Dos dois lados, a partir de seu início, quando termina a Av. São Gabriel, são várias as fachadas com anúncios de serviços de funilaria, mecânica e pintura.
Como revela o levantamento inédito da consultoria Cognatis Big Data Geomarketing para o Diário do Comércio, o número de funilarias e martelinhos na cidade de São Paulo cresceu 182% entre 2006 e 2016 e atingiu 1.192 estabelecimentos.
Em 2016, por exemplo, as vendas de veículos novos caíram 20% e só voltaram a crescer no ano passado. Após quatro anos seguidos de retração, o desempenho da indústria automobilística alcançou alta de 9,2% em 2017, de acordo com a Anfavea, a associação que reúne as montadoras.
A queda nas vendas de veículos zero quilômetro obrigou os consumidores a consertar seus carros em vez de trocá-los.
A tendência foi verificada também com equipamentos de informática e celulares. Lojas especializadas em serviços de manutenção e conserto desses itens cresceram 10%.
“O bom desempenho dos serviços de conserto e manutenção decorre da crise econômica, já que esses serviços visam prolongar a vida de bens duráveis e se tornam atraentes nestes ciclos”, afirma Rignaldo Carvalho, gerente de analytics da Cognatis.
Santo Amaro é, segundo a pesquisa da Cognatis, um dos bairros em que mais surgiram oficinas de reparos de carros no período de 2006 a 2016. Aparece em terceiro lugar, perdendo apenas para Sacomã e Mooca.
A FBF Serviços Automotivos – iniciais de Fernando Bianca Ferreira, 39 anos (foto), com duas entradas e um enorme painel na fachada, fica no número 4.507 da Santo Amaro. A oficina nasceu em 2016, no auge da crise econômica no país, que só agora começa a dar sinais de retração. Lá, só entram carrões. Logo na entrada, dá para ver possantes como BMW, Mercedes Benz, Land Rover, Honda e Toyota.
“Não posso dizer que o movimento aqui é excelente. Mas é bom. Não posso reclamar”, diz Fernando.
Fernando aprendeu o ofício em casa.
“Meu pai tinha uma oficina de grande porte.. Fazia grandes consertos, trabalhava com carros muito danificados. Eu optei por fazer pequenos reparos, o chamado serviço com o martelinho. Aqui nós desamassamos sem danificar a pintura”, diz.
A FBF deu tão certo que o pai do Fernando fechou a sua oficina e foi trabalhar com o filho.
Os clientes de Fernando têm um bom poder aquisitivo. São vizinhos do Brooklin e de bairros como Vila Mariana, Moema, Vila Olímpia, Itaim Bibi e Alphaville.
Da encostadinha mais leve até o arranhão mais evidente, o cliente pode pagar de R$ 300,00 a R$ 1 mil pelo reparo. Se a pintura for afetada, o preço aumenta. Qualquer reparo, por menor que seja, na pintura, custa R$ 600,00.
“Percebo que quem tem um carro avaliado em R$ 60 mil e precisa fazer um reparo de R$ 3 mil, por exemplo, prefere mandar fazer o reparo do que vender o veículo. Antes, ele trocava o carro por um novo. Hoje, sai mais barato mandar consertar”, afirma Fernando.
Fernando não fez curso superior. Parou de estudar ao terminar o ensino médio.
“Fiz o colegial e parei. Não tenho tempo para estudar. Minha realidade é esta aqui: desamassar carrões”, diz ele que, afirma obter renda de R$ 15 mil mensais. A FBF tem quatro funcionários, todos especializados em reparos e pintura.
FOTO: Wladimir Miranda/Diário do Comércio
ARTE: Guto Camargo/Diário do Comércio