Mudar a cara da praça de alimentação vira desafio para os shoppings
Vacância em alguns empreendimentos pode chegar a 40%, de acordo com executivos do setor, que já começaram um movimento para tornar os espaços mais aconchegantes e intimistas

Um dos lugares mais disputados pelas redes de fast food nos shoppings, a praça de alimentação, já não tem mais o apelo que tinha até pouco tempo atrás.
Em uma visita rápida a alguns shoppings de São Paulo é possível notar que algo de errado acontece nesses espaços, com o sumiço de marcas tradicionais.
A estimativa de executivos de empresas de shoppings, franqueados e especialistas em varejo é que a vacância nas praças de alimentação pode chegar a 40% em alguns empreendimentos.
Uma combinação de fatores levou a este cenário no Brasil, de acordo com arquitetos, profissionais que trabalham com o varejo e empresários do setor de alimentação.
Depois do baque da pandemia, nem todos os franqueados conseguiram sobreviver. Sem fôlego financeiro, somado à alta de custos, não tiveram outra alternativa senão fechar as portas.
Para ocupar espaços deixados até por grandes marcas do varejo, os shoppings estão espalhando restaurantes por todos os andares. Aumentou, portanto, a concorrência.
O delivery passou a fazer parte do dia a dia das famílias. Por que ir até a praça de alimentação, que mais parece um grande refeitório, se dá para comer em casa uma comida de restaurante?
Esses três fatores, principalmente, estão esvaziando algumas praças de alimentação não somente de marcas, mas também de clientes, de acordo com apuração do Diário do Comércio.
“Os shoppings diversificaram as opções de alimentação, dividindo o bolo. Uma parte do público das praças foi para os restaurantes”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls.
Em 2022 e 2023, as operações de alimentação retomaram, só que muitos empresários não conseguiram se recuperar”, afirma Ricardo José Alves, sócio da Halipar, franqueador de Griletto, Montana, Jin Jin e Croasonho.
Marinho lembra que o fluxo de pessoas nos shoppings ainda é menor do que no período pré-pandêmico. Dado da Abrasce (associação de shoppings), diz, mostra queda de 8% em 2023 sobre 2019.
Entre as suas quatro marcas, a Halipar fechou 15 lojas nos últimos anos, especialmente as que já não vinham bem mesmo antes da pandemia. Hoje, a empresa opera com 390 lojas.
A boa notícia, diz Alves, é que 80% dos seus franqueados já terminaram de pagar empréstimos do Pronampe (programa do governo de apoio às micro e pequenas empresas).
Com esse respiro financeiro, de acordo com ele, alguns franqueados já falam em expansão. “Mas essas novas lojas não irão para as praças que mais parecem grandes refeitórios”, diz.
RETROFIT
Muitos shoppings já se deram conta de que o caminho é repensar esses espaços, tornando-os mais intimistas, agradáveis, mais parecidos com os restaurantes e com mais uso de madeira.
A praça de alimentação do Jundiaí Shopping, administrado pela Multiplan, por exemplo, foi repaginada seguindo essa tendência, o que deve ser repetido em outros empreendimentos.
A Gazit Brasil, gestora e desenvolvedora de shopping, já começou as discussões para transformar as praças de alimentação em áreas mais aconchegantes.
Sérgio Koffes, diretor da Gazit, diz que a ideia é criar novos formatos para atender às novas demandas dos consumidores e reduzir a vacância.
“Estamos trabalhando para oferecer cada vez mais entretenimento, gastronomia, serviços e experiência em nossos shoppings”, afirma.
Assim que tiver pronto o projeto piloto, a Gazit irá testá-lo em um dos seis shoppings do grupo, Morumbi Town, Light, Top Center, Mais, Internacional (Guarulhos) e Prado Boulevard.
Se o resultado do modelo for positivo, será replicado em outros empreendimentos.
PRAÇA + ÁREA VERDE
Jayme Lago, arquiteto especializado em complexo de múltiplo uso e shoppings, trabalha em pelo menos 12 projetos para modernizar praças de alimentação em centros comerciais no país.
Alguns dos shoppings são Ibirapuera e SP Market, em São Paulo, Canoas Shopping, em Canoas (RS), Serramar, em Caraguatatuba (SP), Itaú Power Shopping, em Contagem (MG).
No Shopping Central Park, localizado entre as cidades de Cotia e Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, as obras já foram concluídas.
“Os frequentadores de praças de alimentação querem ambientes mais agradáveis. Tem shoppings querendo colocar esses espaços até em meio a áreas verdes”, afirma Lago.
O Shopping Praça da Moça, em Diadema (SP), administrado pela AD Shopping, acaba de renovar a sua praça de alimentação, justamente ao lado de uma área verde.
“Tivemos a felicidade de ter um projeto que pudesse conectar praça de alimentação, área verde e um parque infantil. Este é um cenário ideal”, afirma Messias Mattos, coordenador de administração da A D Shopping.

Alimentação, lazer e serviços, afirma ele, são as áreas que estão mais sofrendo mudanças e investimentos nos novos reposicionamentos dos shoppings no Brasil.
“O setor de shopping está passando por um período de transição, de freio de arrumação”, diz.
O que os donos de franquias e os franqueados querem, de acordo com Lago, é que essas áreas atraiam um público não somente para o almoço, mas também para o jantar.
É uma forma de equilibrar as finanças num momento em que a retomada do setor não compensa a alta de custos.
No início de fevereiro, a Iguatemi S.A, uma das maiores empresas de shoppings do país, apresentou ao mercado o projeto de retrofit do shopping Market Place, inaugurado em 1995.
O empreendimento passará a ter a característica de multiuso, com escritórios e residências, incluindo a requalificação da praça de alimentação e a entrada de novos restaurantes.
A Ancar Ivanhoe, empresa empreendedora e gestora de shoppings, criou novos espaços de restaurantes anexos ao North Shopping Fortaleza (CE) e do Natal Shopping (RN).
É um movimento que chamou a atenção de lojistas e consultores de varejo, já que os shoppings tendem a levar clientes para dentro, não para fora dos empreendimentos.
O fato é que as mudanças de hábitos dos consumidores, dizem eles, estão, neste exato momento, levando as empresas de shoppings a fazer experimentações.
ANÁLISE
“As praças de alimentação no Brasil vieram com formatos muito grandes que, no momento atual, talvez não faça mais sentido”, afirma Marcos Hirai, sócio-fundador do NDEV (Núcleo de Desenvolvimento de Expansões Varejistas).
De acordo com ele, 25 operações em um espaço é exagero nos dias atuais.
“Não vai acabar redes de fast food em shoppings, mas vai ter um redimensionamento. É preciso ter espaço também para a linha de slow food em espaços gourmet”, diz.
Os restaurantes que seguem a linha casual dining, com ambiente confortável e preços acessíveis, diz, estão também começando a ganhar força e em vários tamanhos.
O Shopping Tamboré, administrado pela ALLOS, união da Aliansce Sonae e brMalls, por exemplo, criou o espaço Taste Lab, para reunir restaurantes renomados.
Modelo também foi instalado no Shopping Estação Cuiabá, em Cuiabá (MT), e no Norte Shopping, no Rio de Janeiro.
“São movimentos detectados pelos shoppings que corroboram a tese de retração do fast food e aumento do slow food, o que exige uma reorganização das praças de alimentação”, diz Hirai.
Nos Estados Unidos, afirma ele, já há shoppings sem praça de alimentação, que oferecem outros formatos, mais voltados para a linha gourmet e número reduzido de players.
IMAGENS: divulgação