Maneira amalucada de definir o fato gerador do IBS/CBS
‘Definir por meio de exemplos é característica de um legislador que não tem a menor ideia do que está fazendo, encampando in totum o anteprojeto elaborado por mentes conturbadas, obscuras e confusas’

O regulamento do IBS/CBS, Lei Complementar no 214, de 16 de janeiro de 2025, define o fato gerador desses tributos em seus artigos 4º e 5º de forma detalhista e exemplificativa, nos seguintes termos:
“Art. 4º O IBS e a CBS incidem sobre operações onerosas com bens ou com serviços.
- 1º As operações não onerosas com bens ou com serviços serão tributadas nas hipóteses expressamente previstas nesta Lei Complementar.
- 2º Para fins do disposto neste artigo, considera-se operação onerosa com bens ou com serviços qualquer fornecimento com contraprestação, incluindo o decorrente de:
I - compra e venda, troca ou permuta, dação em pagamento e demais espécies de alienação;
II - locação;
III - licenciamento, concessão, cessão;
IV - mútuo oneroso;
V - doação com contraprestação em benefício do doador;
VI - instituição onerosa de direitos reais;
VII - arrendamento, inclusive mercantil; e
VIII - prestação de serviços.
- 3º São irrelevantes para a caracterização das operações de que trata este artigo:
I - o título jurídico pelo qual o bem encontra-se na posse do fornecedor;
II - a espécie, tipo ou forma jurídica, a validade jurídica e os efeitos dos atos ou negócios jurídicos;
III - a obtenção de lucro com a operação; e
IV - o cumprimento de exigências legais, regulamentares ou administrativas.
- 4º O IBS e a CBS incidem sobre qualquer operação com bem ou com serviço realizada pelo contribuinte, incluindo aquelas realizadas com ativo não circulante ou no exercício de atividade econômica não habitual, observado o disposto no § 4o do art. 57 desta Lei Complementar.
- 5º A incidência do IBS e da CBS sobre as operações de que trata o caput deste artigo não altera a base de cálculo do:
I - Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD), de que trata o inciso I do caput do art. 155 da Constituição Federal;
II - Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis e Direitos a eles relativos (ITBI), de que trata o inciso II do caput do art. 156 da Constituição Federal.
Art. 5o O IBS e a CBS também incidem sobre as seguintes operações:
I - fornecimento não oneroso ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços, nas hipóteses previstas nesta Lei Complementar;
II - fornecimento de brindes e bonificações;
III - transmissão, pelo contribuinte, para sócio ou acionista que não seja contribuinte no regime regular, por devolução de capital, dividendos in natura ou de outra forma, de bens cuja aquisição tenham permitido a apropriação de créditos pelo contribuinte, inclusive na produção; e
IV - demais fornecimentos não onerosos ou a valor inferior ao de mercado de bens e serviços por contribuinte a parte relacionada.
- 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo:
I - não se aplica às bonificações que constem do respectivo documento fiscal e que não dependam de evento posterior; e
II - aplica-se ao bem dado em bonificação sujeito a alíquota específica por unidade de medida, inclusive na hipótese do inciso I deste parágrafo.
- 2º Para fins do disposto nesta Lei Complementar, considera-se que as partes são relacionadas quando no mínimo uma delas estiver sujeita à influência, exercida direta ou indiretamente por outra parte, que possa levar ao estabelecimento de termos e de condições em suas transações que divirjam daqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis.
- 3º São consideradas partes relacionadas, sem prejuízo de outras hipóteses que se enquadrem no disposto no § 2o deste artigo:
I - o controlador e as suas controladas;
II - as coligadas;
III - as entidades incluídas nas demonstrações financeiras consolidadas ou que seriam incluídas caso o controlador final do grupo multinacional de que façam parte preparasse tais demonstrações se o seu capital fosse negociado nos mercados de valores mobiliários de sua jurisdição de residência;
IV - as entidades, quando uma delas possuir o direito de receber, direta ou indiretamente, no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) dos lucros da outra ou de seus ativos em caso de liquidação;
V - as entidades que estiverem, direta ou indiretamente, sob controle comum ou em que o mesmo sócio, acionista ou titular detiver 20% (vinte por cento) ou mais do capital social de cada uma;
VI - as entidades em que os mesmos sócios ou acionistas, ou os seus cônjuges, companheiros, parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, detiverem no mínimo 20% (vinte por cento) do capital social de cada uma; e
VII - a entidade e a pessoa física que for cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, de conselheiro, de diretor ou de controlador daquela entidade.
- 4º Para fins da definição de partes relacionadas, o termo entidade compreende s pessoas físicas e jurídicas e as entidades sem personalidade jurídica.
- 5º Para fins do disposto no § 3o deste artigo, fica caracterizada a relação de controle quando uma entidade:
I - detiver, de forma direta ou indireta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou o poder de eleger ou destituir a maioria dos administradores de outra entidade;
II - participar, direta ou indiretamente, de mais de 50% (cinquenta por cento) do capital social de outra entidade; ou
III - detiver ou exercer o poder de administrar ou gerenciar, de forma direta ou indireta, as atividades de outra entidade.
- 6º Para fins do disposto no inciso II do § 3o deste artigo, considera-se coligada a entidade que detenha influência significativa sobre outra entidade, conforme previsto nos §§ 1o, 4o e 5o do art. 243 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
- 7º O regulamento poderá flexibilizar a exigência de verificação do valor de mercado de que trata o inciso IV do caput deste artigo nas operações entre partes relacionadas, desde que essas operações não estejam sujeitas a vedação à apropriação de créditos, no âmbito de programas de conformidade fiscal.
Art. 6º O IBS e a CBS não incidem sobre:
I - fornecimento de serviços por pessoas físicas em decorrência de:
1.a) relação de emprego com o contribuinte; ou
2.b) sua atuação como administradores ou membros de conselhos de administração e fiscal e comitês de assessoramento do conselho de administração do contribuinte previstos em lei;
II - transferência de bens entre estabelecimentos pertencentes ao mesmo contribuinte, observada a obrigatoriedade de emissão de documento f iscal eletrônico, nos termos do inciso II do § 2o do art. 60 desta Lei Complementar;
III - baixa, liquidação e transmissão, incluindo alienação, de participação societária, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5o desta Lei Complementar;
IV - transmissão de bens em decorrência de fusão, cisão e incorporação e de integralização e devolução de capital, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5o desta Lei Complementar;
V - rendimentos financeiros, exceto quando incluídos na base de cálculo no regime específico de serviços financeiros de que trata o Capítulo II do Título V deste Livro e da regra de apuração da base de cálculo prevista no inciso II do § 1o do art. 12 desta Lei Complementar;
VI - recebimento de dividendos e de juros sobre capital próprio, de juros ou remuneração ao capital pagos pelas cooperativas e os resultados de avaliação de participações societárias, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5o desta Lei Complementar;
VII - demais operações com títulos ou valores mobiliários, com exceção do disposto para essas operações no regime específico de serviços financeiros de que trata a Seção III do Capítulo II do Título V deste Livro, nos termos previstos nesse regime e das demais situações previstas expressamente nesta Lei Complementar;
VIII - doações sem contraprestação em benefício do doador;
IX - transferências de recursos públicos e demais bens públicos para organizações da sociedade civil constituídas como pessoas jurídicas sem fins lucrativos no País, por meio de termos de fomento, termos de colaboração, acordos de cooperação, termos de parceria, termos de execução descentralizada, contratos de gestão, contratos de repasse, subvenções, convênios e demais instrumentos celebrados pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas;
X - destinação de recursos por sociedade cooperativa para os fundos previstos no art. 28 da Lei no 5.764, de 16 de dezembro de 1971, e reversão dos recursos dessas reservas; e
XI - o repasse da cooperativa para os seus associados dos valores decorrentes das operações previstas no caput do art. 271 desta Lei Complementar e a distribuição em dinheiro das sobras por sociedade cooperativa aos associados, apuradas em demonstração do resultado do exercício, ressalvado o disposto no inciso III do caput do art. 5o desta Lei Complementar.
- 1º O IBS e a CBS incidem sobre o conjunto de atos ou negócios jurídicos envolvendo as hipóteses previstas nos incisos III a VII do caput deste artigo que constituam, na essência, operação onerosa com bem ou com serviço.
- 2º Caso as doações de que trata o inciso VIII do caput deste artigo tenham por objeto bens ou serviços que tenham permitido a apropriação de créditos pelo doador, inclusive na produção:
I - a doação será tributada com base no valor de mercado do bem ou serviço doado; ou
II - por opção do contribuinte, os créditos serão anulados.”
Parece algo fantasmagórico. São, na verdade, 63 normas entre artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Quarenta e quatro normas definem o fato gerador do IBS/CBS (arts. 4º e 5º) e outras dezenove normas (art. 6º) apresentam exceções à aplicação dos artigos 4º e 5º, isto é, enumeram as hipóteses em que não se consideram ocorrido o fato gerador da obrigação tributária, reescrevendo o que é óbvio e ululante. É como descrever todas as espécies de animais e, ao depois, dispor sobre exceção para excluir o mosquito do rol de animais nominados.
É uma loucura total complicar a definição de fato gerador que, por representar o coração, o cerne do Direito Tributário, deve ser expresso de forma clara e objetiva em uma única frase, por exemplo: “O IBS/CBC incidem sobre operações relativas à circulação de bens materiais e imateriais”. Ponto. Nada mais é preciso dizer.
Definir por meio de exemplos é característica de um legislador que não tem a menor ideia do que está fazendo, encampando in totum o anteprojeto elaborado por mentes conturbadas, obscuras e confusas.
Como assinalamos em nossa obra da definição de fato gerador resultam duas consequências: uma de ordem positiva e outra de ordem negativa ou de negação da exigibilidade tributária. De um lado, delimitam-se quais os fatos abrangidos pela tributação e, de outro lado, por exclusão, colocam-se os demais fatos fora do campo e exigibilidade do tributo¹.
É como Direito Penal, definindo-se os crimes não é preciso, nem convém, enumerar as exemplificativamente as condutas que não caracterizam crimes, sob pena de criar total insegurança jurídica.
E nem se diga que se trata de dois tributos: um federal (CBS) e outro estadual/municipal (IBS), pois, por força da EC no 123/2023 que aprovou a reforma tributária parcial, centrada na unificação de tributos de competências diferentes incidentes sobre o consumo, ambos os tributos têm o mesmo fato gerador e são regidos por um regulamento único, a Lei Complementar no 214, de 16-1-2025, que contém 542 normas que se desdobram em outras normas chegando a quase mil normas.
É o resultado da tão apregoada simplificação do sistema tributário que implica, necessariamente, redução de normas jurídicas, e não o contrário como foi feito, comprometendo os outros dois pilares invocados, o da neutralidade e o da eficiência.
Os três pilares da reforma ruíram por terra, mas a reforma tributária continua firme como rocha. Como isso é possível? Magia negra? Não sabemos!
1 Cf. noos Imunidade, não incidência e isenão, 2ª edião. Max Limonad2023, p. 118-119.
**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio
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