Macy’s: luta da rede ícone dos EUA escancara pontos frágeis do varejo

Concorrência do digital, lentidão para agir, distanciamento do consumidor e instabilidade econômica obrigaram a mais tradicional das lojas de departamento a rever toda a sua operação em uma estratégia de guerra para sobreviver

Estela Cangerana, dos Estados Unidos
03/Fev/2025
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Macy’s: luta da rede ícone dos EUA escancara pontos frágeis do varejo

O nome do plano de recuperação “Bold New Chapter” (Novo Capítulo Ousado, em português) não poderia ser mais adequado à transformação que o maior ícone do varejo norte-americano, a Macy’s, vem implantando em sua luta acirrada para se manter relevante no mercado. A rede de lojas de departamentos, em atividade há mais de 165 anos, trava uma longa batalha para provar aos acionistas seu valor, reconquistar consumidores e mostrar que tem fôlego para continuar sendo uma referência pelo próximo século.

As medidas mais recentes anunciadas prometem uma guinada radical na gestão da rede. Entre elas estão o fechamento de 150 lojas até 2026, equivalentes a 25% do total de metragem bruta da marca, melhoras no portfólio de mercadorias, layout, merchandising e atendimento ao cliente nas unidades que ficarem, investimento para aprimorar a experiência de compra também no online e aposta nas marcas Bloomingdales e Bluemercury, que fazem parte do grupo e são destinadas ao mercado de luxo.

Apesar de já começarem a ser percebidas pelo mercado, as mudanças ainda não foram suficientes para reverter todo o estrago e é cedo para saber se haverá uma retomada consistente. A novela da recuperação, que já dura mais de um ano e apresenta todos os ingredientes de um grande drama, ainda deve ter muitos capítulos até seu final feliz.

A CRISE

Nos últimos anos a Macy’s vem tendo desempenho abaixo do esperado, com quedas consecutivas nas vendas, que resultaram na depreciação dos valores dos papeis da companhia negociados em bolsa e uma forte pressão dos acionistas. O valor das ações da rede caiu 75% em dez anos, desde o pico de US$ 73 por ação, em 2015, até o início de 2024, quando foram divulgados os números fracos do ano fiscal de 2023, com queda nas receitas e no lucro.

No período, a receita foi de US$ 23,1 bilhões, redução de 5,5% em relação ao ano anterior, enquanto o lucro líquido despencou 91%, para US$ 105 milhões. O anúncio do desempenho catastrófico foi a última tarefa do então CEO Jeff Gennette, que estava há 40 anos na companhia, e foi substituído por Tony Spring. O novo CEO chegou com a dura missão de virar o jogo, transformar o prejuízo em lucro, acalmar o mercado e fazer as pazes com os milhões de consumidores que haviam deixado a Macy’s.

Desempenho das ações da Macy’s na bolsa de valores de Nova York ao longo dos últimos dez anos (Imagem: Yahoo Finance)

 

“Nos últimos 10 anos, a Macy’s vinha sendo complacente. Sua equipe de gestão não resolveu os problemas com o negócio e deixou a experiência em muitas lojas se deteriorar”, diz o analista de varejo e diretor da consultoria GlobalData, Neil Saunders.

“O principal desafio é fazer com que as lojas sejam destinos para os compradores como costumavam ser antes. Isso significa, entre outras coisas, ter um merchandising visual mais atraente, investir em atendimento ao cliente, oferecer mais marcas exclusivas e marcas próprias, além de atualizar a estratégia para que os pontos de venda estejam em locais em que a demanda está crescendo. Isso é muito trabalho e inclui decisões complexas”, completa o especialista. 

OS VILÕES

O mal que assolou a Macy’s e afastou os clientes não é exclusividade da varejista. Os vilões são conhecidos do mercado. A começar pela revolução digital, acelerada pela pandemia de covid-19. A comodidade de comprar pela internet e receber tudo rapidamente em casa continua seduzindo cada vez mais pessoas, que trocam a Macy’s pela Amazon e pelo Walmart, entre outros marketplaces. O Walmart, inclusive, vem sendo um grande destaque com a expansão de suas vendas online.

O trabalho híbrido ou em home office também afastou muitos frequentadores de lojas e shoppings na hora do almoço, principalmente aqueles localizados perto de centros de escritórios.

Para completar, a inflação e os juros mais altos que o normal, que também foram vistos nos Estados Unidos nos últimos anos, afetaram em cheio a classe média, que passou a priorizar gastos. Lojas de preços populares, como a TJ Maxx, abocanharam uma boa fatia dos clientes menos abastados.

A Macy’s, conforme explicam os especialistas, demorou para enxergar tudo isso. Sua enorme estrutura e lojas gigantes ainda contribuíram para a perda de rentabilidade.

A SOLUÇÃO

A chegada de Tony Spring, vindo da Bloomingdales, em março de 2024, foi o marco inicial da reação. A promessa do seu plano Bold New Chapter é escrever os novos capítulos dessa história e devolver o protagonismo da Macy’s. O primeiro passo foi justamente ouvir o consumidor. Mais de 60 mil deles, ativos e inativos, foram provocados a contar o que buscavam em uma experiência de compra na rede.

As respostas não trouxeram nenhuma fórmula mágica. Ao contrário, mostraram que o rumo é voltar ao básico, com visual atraente, bom atendimento, boa oferta de mercadorias e agilidade na entrega. Nas palavras do próprio Spring, “alguns dos fundamentos do varejo”. Ele aposta em reimaginar o portfólio da Macy’s, com curadoria em canais físicos e digitais, seguindo tendências e oportunidades.

“Estamos tomando as medidas necessárias para revigorar o relacionamento com nossos clientes por meio de experiências de compra aprimoradas, sortimentos relevantes e valor atraente”, explicou o CEO.

Para tal, a rede está desinvestindo em algumas frentes, para alocar recursos de forma inteligente. Foi anunciado o fechamento de 65 lojas até o final de 2024, em um movimento que culminará com o fim de 150 lojas até 2026. Elas respondem por 25% dos 500 pontos de venda da marca, mas respondem por apenas 10% das vendas, já que a maioria fica em locais que não têm fôlego para mantê-las. Com a redução, a rede Macy’s ficará com um total de 350 lojas. Há 10 anos, em 2015, eram 737.

Em contrapartida, já estão prontas e funcionando as 50 primeiras lojas reformuladas, e serão construídas outras menores, fora dos shoppings, nos próximos dois anos. Ganharão investimentos e serão ampliados ainda os pontos de venda das marcas de luxo do grupo, a Bloomingdales e a Bluemercury. Serão reformadas 30 lojas Bluemercury e abertas outras 30 nos próximos três anos, além de mais 15 novas Bloomingdales. A aposta no luxo deve ser forte, um mercado que não é afetado por crises econômicas.

Como não poderia deixar de ser, está em andamento, ainda, um esforço importante na melhoria nos canais de vendas digitais da Macy’s.

CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS

No terceiro trimestre do ano fiscal de 2024 – encerrado em novembro, as 50 primeiras lojas reformuladas registraram o terceiro trimestre consecutivo de crescimento nas vendas, com alta de 1,9% em relação ao mesmo período do ano anterior na categoria mesmas lojas. Bloomingdales e Bluemercury tiveram expansão de 1% e 3,3%, respectivamente, em vendas comparáveis em base própria. E a Macy’s Inc, no total, detectou queda de 2,4% em igual comparação.

O desempenho das lojas fora do grupo das 50 primeiras continua pesando contra. Neste janeiro de 2025, a varejista anunciou que espera que as vendas totais do quarto trimestre de seu ano fiscal (que se encerra em fevereiro próximo) fiquem no limite inferior ou ligeiramente abaixo da sua estimativa anterior.

Ao longo do ano de 2024, as ações da Macy’s ainda caíram cerca de 18%. Em 2025, na manhã em que anunciou a expectativa inferior do resultado do quarto trimestre, os papéis despencaram quase 7%.

“Quando começou no cargo no ano passado, Tony Spring definiu um novo tom para a empresa e começou a consertar muitos dos problemas. No entanto, há bastante trabalho a ser feito e levará tempo até que as mudanças provem seus resultados”, explica Neil Saunders, da GlobalData. De toda essa história, a principal lição que fica para o varejo é, segundo ele, “evoluir em tempo real e não estagnar até que os desafios se tornem um problema real”. 

Resta esperar os próximos capítulos para saber se tudo será resolvido para a Macy’s e se a rede símbolo dos EUA poderá voltar a brilhar entre os varejistas de sucesso.

 

IMAGEM: divulgação

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