Klein: 'Depois da Americanas, o varejo precisa divulgar que sabe fazer bem feito'

Em entrevista ao Diário do Comércio, o acionista da Casas Bahia, hoje à frente de negócios logísticos e concessionárias de veículos, falou sobre cenário econômico, concorrência com importados e como o varejo pode reconquistar a confiança do mercado

Karina Lignelli
20/Ago/2024
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Klein: 'Depois da Americanas, o varejo precisa divulgar que sabe fazer bem feito'

Não basta fazer bem feito, é preciso divulgar o que é uma gestão equilibrada. Mesmo tendo deixado a presidência do conselho de administração do Grupo Casas Bahia em 2020, negócio fundado por sua família, o empresário Michael Klein aponta lições aprendidas ao longo dos 51 anos em que atuou na empresa para que o varejo possa recuperar a sua imagem junto ao mercado e aos consumidores. O rombo bilionário nas Lojas Americanas no início de 2023, que repercute até hoje, criou uma crise de confiança que afetou todo o setor.  

Nascido em 1950, o filho de Samuel e Anah Klein começou sua carreira na Casas Bahia em 1969 e, sob o comando familiar, a varejista inovou, virou case de varejo no Brasil e se tornou líder no mercado de bens duráveis ao focar os negócios nas classes populares. Hoje, ele e a família são apenas acionistas do Grupo, com 27,3% de participação, mas Michael continua a comandar a Icon Realty (setor logístico-imobiliário) e a CB Autos (concessionárias) da antiga sede, no Centro de São Caetano do Sul. 

Klein esteve na segunda-feira (19) na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) para palestrar no ciclo de encontros com grandes líderes empresariais de 2024, em comemoração aos 40 anos do Fórum de Jovens Empreendedores (FJE) da entidade. Ele falou para universitários da FAC-SP, FMU e Engenharia Mauá sobre "a arte de vender bem e o relacionamento com o cliente."

Pouco antes, Klein conversou com o Diário do Comércio sobre cenário econômico e juros, formas de atender um consumidor que quer comprar cada vez mais on-line (mas com tratamento personalizado, como no off-line), a 'taxa das blusinhas' e a lição que o caso Americanas deixou para o setor em termos de gestão. E claro, deu insights sobre como manter o cliente sempre fiel: afinal, "não adianta guardar o que a gente sabe só para nós", afirmou, do alto de seus mais de 50 anos de varejo. Confira:

 

Diário do Comércio - O varejo tem registrado números positivos, mas os juros continuam altos. Quais as perspectivas de intenção de compra do consumidor neste cenário? 

Michael Klein - O que a gente percebe é que o comércio, de modo geral, o varejo, está melhorando. Ficou um pouco restrito com a pandemia, mas deu uma melhorada. Acho até bom a retomada ser lenta, mas sustentável, não com aqueles picos de vendas ou aqueles altos e baixos. 

Durante a pandemia, como as lojas ficaram fechadas, o consumidor acabou indo para o on-line, para a internet fazer a compra. Mas, no fundo, o consumidor é o mesmo: ele simplesmente teve que mudar, se adaptar à nova realidade. A evolução do e-commerce é uma realidade, e a internet é uma ferramenta muito boa para ajudar a não tirar a pessoa da loja física. É uma forma de melhorar o atendimento, a qualidade para as pessoas que querem vir fazer uma nova compra. Não é 'um e outro', a loja física e a internet podem conviver naturalmente. A pandemia mostrou que a internet veio para somar. 

 

DC - Considerando seu histórico empresarial e familiar de sempre trabalhar com crediário e facilitar o pagamento para o cliente - inclusive hoje, no setor de concessionárias -, como é empreender em um país com tamanha taxa de juros?

Klein - O Brasil tem histórico para mostrar que podemos nos recuperar de cenários desafiadores, e as perspectivas para o varejo não são diferentes. Investimentos no social e incentivos para o consumo podem fazer com que o país entre em um círculo virtuoso, fortalecendo a economia e melhorando a condição de vida da população.

Ainda temos a questão dos juros altos como um grande desafio. Com juros baixos, os bancos podem voltar a oferecer mais crédito às empresas e ao consumidor final. Consequentemente, há diminuição da taxa de inadimplência, grande preocupação das instituições financeiras. É ruim sermos considerados um país com as maiores taxas de juros do mundo, pois isso desestimula muitas empresas que querem ampliar os negócios. 

Mas, mesmo no setor de automóveis, dá para fazer um carnê: 'quero comprar, mas não tenho o valor total, não tenho limite de crédito.' Faz um carnê, uma reserva de domínio. E vende a prazo para as pessoas. Não faz diferença se é com carnê ou limite parcelado no cartão de crédito. Se negociar dessa maneira, dá para atender todo mundo. No fundo, o que importa mesmo é como o cliente quer pagar, quanto ele tem no bolso para dar de entrada e fazer os pagamentos. Isso é tratar bem o cliente. 

DC - Há pouco mais de dez anos, período em que o senhor está à frente da Icon Realty, de galpões logísticos, o varejo passou a falar mais de fullfilments, de centros de distribuição para e-commerce. Como está esse mercado?

Klein - Ele tem duas características bem simples: primeiro para armazenar mercadoria produzida pela indústria local ou importada que vem dos contêineres tudo direitinho. E também o que nos Estados Unidos leva o nome de last mile, que é o mais próximo do centro de consumo, justamente para facilitar a entrega da compra on-line que a pessoa quer receber em três, quatro horas.

O caminhão abastece à noite esses centros de distribuições já urbanos, bem próximos do consumidor, e isso não só em São Paulo, mas no Brasil. É uma tendência, inclusive pela legislação recente dos importados até US$ 50. De alguma forma, esse produto tem que estar próximo da casa dos consumidores. 

Pensando nisso, na gestão dos negócios do Grupo CB temos esse setor de imóveis (300, entre lojas e 11 galpões logísticos e outros ativos) e continuamos construindo até hoje galpões industriais para a rede Casas Bahia e outras redes que precisam trazer produtos para São Paulo pelo e-commerce via last mile. Aqui em Itaquera (Zona Leste), temos um que recebe contêineres da China, armazenam e, por isso, as compras conseguem ser entregues na loja física em duas, três horas.  

 

DC - Em quais outros locais vocês estão?

Klein - Temos CDs no Brasil inteiro: em Salvador (BA), na região de Camaçari, que é o polo industrial, em Curitiba (PR), São José dos Pinhais. Aqui em São Paulo, em Ribeirão Preto, em Jundiaí. No Rio de Janeiro fica no bairro de Duque de Caxias. Temos em localidades como Campo Grande (MS), em Minas Gerais, tanto em Contagem como Betim... então, a gente percebe que damos mais poder para esses locais ao ampliar essa distribuição.

 

DC - Já que vocês trabalham também com os marketplaces chineses, qual a sua avaliação sobre a 'taxa das blusinhas', que nasceu baseada na reivindicação do varejo de aumentar a competitividade em relação a esses players? 

Klein - A única recomendação é a seguinte: que simplesmente seja dado o mesmo tratamento. Não precisa ter privilégio. Essa importação não tem o mesmo custo que teria para fabricar aqui, então precisa ter o equilíbrio. Porque a gente sabe onde é que boa parte dos produtos chineses é fabricada - não vou generalizar, mas a gente sabe que é com mão de obra escrava, ou que o valor da remuneração deles é muito baixa, ou que tem subsídio do governo no sentido de gerar exportação... Então, por isso que a gente acha que devia ter o mesmo equilíbrio dos impostos com a indústria local. 

 

DC - A taxa de 20% ajuda um pouco a melhorar essa competitividade com as plataformas asiáticas? Tem um estudo da Fiesp que diz que o importado paga até 76,8% menos imposto. 

Klein - Os Estados Unidos taxaram a importação de produtos chineses em 100%. Eles protegem, né? E aqui tem essa dificuldade, então eu acho que teria que ser o mesmo valor. Não penalizar, porque eles também podem penalizar nossa exportação. Mas o ideal seria cobrar a mesma coisa, o governo deveria oferecer igualdade de condições para empresas nacionais e estrangeiras. 

O varejo e a indústria chegaram à conclusão de que pagam 76,8% a mais, e as chinesas eram isentas até julho, depois passaram a pagar 20%. É preciso diminuir essa diferença até que se chegue no equilibro: ou reduz um pouco (a carga) das empresas locais, ou simplesmente aumenta os impostos dos produtos chineses, dando prazo para isso acontecer. 

 

DC - Mas e o consumidor, ele deixa de comprar importado se a tributação aumentar?

Klein -Pela minha experiência, quando ele quer comprar ele compra do mesmo jeito, seja com 20%, 50% ou até 70% de imposto.  

 

DC - Falando nos produtos chineses, está no radar do seu grupo de concessionárias (CB Autos, com 12 lojas no total) trazer carros dessas montadoras, já que eles também estão ganhando mercado com os carros elétricos?

Klein - Nós ainda não estamos trabalhando com esses carros, mais para a frente pode ser que a gente trabalhe com alguma marca chinesa, pois eu acho que é uma opção a mais para o consumidor, acho que cabe dentro do nosso portfólio também ter uma revenda chinesa, uma ou duas marcas, alguma coisa assim.

 

DC - Mas não tem ainda porque não houve uma boa negociação ou algo do tipo?

Klein - É que a gente se especializou nas marcas premium, como Mercedes-Benz, Jaguar, Land Rover e mais outras marcas, a Jeep, a Dodge Ram, que também são carros de alto valor. Para ampliar esse público, a gente entrou com as marcas Honda e também Mitsubishi. Acho que temos um leque muito bom, o que ajuda até o consumidor a fazer melhor opção. Mas, num futuro próximo, no médio prazo, quem sabe a gente não traga uma marca chinesa também para participar do portfólio?

 

DC - O senhor acha que o caso da Americanas vai afetar por muito tempo a confiança do mercado e do consumidor no varejo?

Klein - Quando foi dito que a Americanas ia ter problema financeiro, de gestão administrativa, alguma coisa nesse sentido, a gente percebeu. Agora, o varejo precisa reconquistar o público. Um varejo é diferente do outro, mas se aconteceu isso, vão dizer: 'ah, todos agem da mesma maneira'. Então, eu tenho que mostrar que não é assim, que nossas empresas cuidam muito bem do consumidor, oferecem um tratamento diferenciado aos clientes e colaboradores, trabalham com transparência. Agora, acho que todo varejo precisa mostrar que não basta fazer bem feito, tem que divulgar que sabe fazer bem feito.

E qual o diferencial que o comércio, o varejo, tem para mostrar que sabe fazer bem feito? É atender bem, deixar as lojas físicas e on-line bem atrativas, mostrar que respeita datas de entrega, horários, o tratamento dado aos vendedores, para que eles tratem os clientes da mesma forma... Fazer tudo direitinho. E focar no cliente: ele sempre volta onde é bem atendido.

 

DC - Mas e no caso dos investidores, dá para retomar essa confiança? O que complicou mais nesse caso?

Klein - O varejo precisa ter uma boa gestão administrativa e financeira. Quando foram montar as Lojas Americanas, foram contratando diretores, criando um sistema de meritocracia sem que os sócios checassem se tudo estava sendo bem feito em relação ao uso da marca, da venda de produtos... À medida que os sócios se afastaram da empresa e deixaram na mão de terceiros, foi que o estrago aconteceu. "Vou fingir que deu lucro para receber bônus". Ou seja, eles maquiaram. 

Os sócios têm a obrigação de checar, não só contratar empresa de auditoria no longo prazo. Demorou muito. Foi falta de pesquisar, saber o que estava acontecendo. Percebia-se que algo não estava de acordo com o mercado e, mesmo dando lucro, vamos conferir. Os sócios não foram checar se agiram corretamente e o varejo todo ficou machucado, muitos varejistas perderam crédito porque os bancos decidiram que se um está fazendo isso, todos podem fazer a mesma coisa. Por isso é preciso divulgar que faz a coisa certa, mostrar ao mercado e ao público consumidor o que é uma gestão equilibrada, onde a parte financeira anda junto com a comercial. E sem 'mágica' para driblar dividendos e dar bônus para diretores.  

 

IMAGEM: Alan Silva/ACSP

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