Imposto da discórdia, o ICMS tem essência federal, mas é estadual
Dispendioso, complexo, causador de distorções nos preços e alvo de disputas judiciais, o ICMS é o vilão que impede a reforma do sistema tributário
O ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é um dos tributos mais onerosos e complexos na composição da carga tributária. Surgiu a partir do antigo IVC (Imposto sobre Vendas e Consignações), inserido na Constituição de 1934 e com alíquotas aplicadas em todas as etapas da cadeia produtiva, no chamado efeito cascata.
Administrado por 27 Estados e o Distrito Federal, o imposto foi modificado a partir de 1965, quando passou a incidir de forma não cumulativa, ou seja, sobre o valor agregado dos produtos e mercadorias. De um lado, os contribuintes passaram a ter uma tributação mais justa. De outro, houve aumento da complexidade na gestão do imposto pelas empresas.
Atualmente, o ICMS é o carro chefe das finanças dos Estados. Dados do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) mostram que dos R$ 4 trilhões em tributos arrecadados em 2021, R$ 500 bilhões referem-se ao ICMS.
CRISE DE IDENTIDADE
Considerado o grande vilão que impede a aprovação de uma profunda reforma no sistema tributário, o ICMS já protagonizou uma acirrada guerra fiscal entre os Estados, que utilizavam benefícios fiscais, como isenções e reduções de alíquotas à revelia do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) para atrair investimentos privados, criar empregos e incrementar a arrecadação com o imposto.
O fim das disputas entre os Estados, com sérias consequências para os contribuintes, ocorreu com a entrada em vigor da Lei Complementar 160, publicada em agosto de 2017. A legislação trata do convênio que possibilita ao Distrito Federal e aos Estados deliberar sobre o perdão de débitos tributários oriundos de benefícios fiscais, incentivos ou isenções relacionadas ao ICMS.
“É um imposto com crise de personalidade. Ou seja, é um tributo com amplitude nacional, como o IPI, que teria que ser federalizado, mas é de competência dos Estados, que não querem abrir mão de sua autonomia e perder arrecadação”, analisa Regis Trigo, tributarista do Hondatar.
O fato gerador é a operação de circulação de mercadoria e a prestação de serviços de transporte e comunicação. Além disso, o imposto é devido na operação de importação, quando ocorre o desembaraço aduaneiro.
Nas operações internas, a alíquota geral do ICMS varia de 17% a 18%, conforme definição dos Estados. Alguns deles criaram fundos de combate à pobreza e cobram um percentual adicional de 1% ou 2% do imposto em determinadas operações.
COMPLEXIDADE E JUDICIÁRIO
Além de oneroso, o ICMS é um imposto complexo, resultado da variedade de normas editadas por 27 estados. Os contribuintes que desenvolvem operações em estados diferentes são obrigados a montar uma estrutura para analisar a legislação de cada um para avaliar se determinada compra poderá ou não gerar crédito.
Esse imposto estadual também é bem conhecido no Judiciário. São várias as disputas judiciais entre as fazendas estaduais e os contribuintes e boa parte das discussões envolvem a questão da não cumulatividade, além da demora na devolução de créditos acumulados do imposto.
Para evitar o efeito cascata da tributação, é dado um crédito ao contribuinte em cada etapa da cadeia de produção. A aplicação do princípio da não-cumulatividade, entretanto, ainda gera dúvidas, interpretações distintas e disputas jurídicas.
“Motivados, talvez, por problemas de caixa, os Estados têm deixado de lado a questão técnica e adotado posições mais fiscalistas e restritivas em relação ao aproveitamento de créditos pelos contribuintes”, afirma Douglas Campanini, sócio da Athros Auditoria e Consultoria.
O estado de São Paulo, por exemplo, de acordo com o especialista, exige que o item que poderia gerar créditos do imposto seja consumido diretamente e integralmente no processo industrial. Minas Gerais segue no mesmo caminho.
“Por meio de uma resposta consulta, de julho de 2020, o estado de São Paulo não permitiu que as empresas se creditassem de gastos com máscaras de proteção, luvas de borracha e álcool em gel em plena pandemia do coronavírus”, lembrou o especialista.
Os contribuintes também têm recorrido ao judiciário para questionar a incidência do imposto na transferência de mercadoria entre estabelecimentos de mesmo titular, cobrança do diferencial de alíquotas nas operações interestaduais, alíquotas altas que violam o princípio da seletividade, glosa de créditos nas operações de compras de mercadorias que tiveram benefício fiscal no estado de origem e a cobrança antecipada do ICMS nas operações interestaduais.
SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
O uso abusivo por parte dos Estados do sistema conhecido como substituição tributária é mais uma importante distorção do ICMS. Por meio desse sistema, os Estados cobram em uma única etapa do processo produtivo (indústria) o imposto devido em todas as etapas subsequentes, até a venda ao consumidor final.
De acordo com especialistas, a substituição tributária é um bom mecanismo para produtos homogêneos e com pouca variação do preço ao consumidor. No caso de produtos heterogêneos, com grande variabilidade na margem de comercialização, gera distorções dos preços relativos.
Atualmente, uma imensa lista de produtos está sujeita ao sistema de pagamento antecipado do imposto e cada estado brasileiro adota um regime distinto de substituição tributária, contribuindo para o aumento da complexidade.
Como o pagamento do imposto é feito de forma antecipada, os Estados utilizam métricas e pesquisas de preços para estimar os valores das mercadorias quando chegam ao consumidor final. O valor de venda, entretanto, pode variar para cima ou para baixo a depender das condições do mercado, como oferta e procura.
“As empresas precisam fazer controles para saber se o preço é maior ou menor do que o valor estimado. Se for menor, é possível recuperar a diferença de imposto recolhido. Se for maior, alguns Estados estão exigindo a cobrança complementar do imposto e essa exigência tem sido questionada no Judiciário”, explica Douglas Campanini.
Uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2016 determina que os Estados devolvam o ICMS pago a maior para os contribuintes nos casos de vendas por preço menor daquele utilizado para a base de cálculo do imposto. Mas não há legislação que obrigue o contribuinte a complementar o valor do imposto quando a mercadoria for vendida por preço maior que o valor estimado.
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