Freio de arrumação
Não há motivos para se esperar do encontro desta segunda-feira entre Trump e Putin, algo espetacular, nos moldes da visita de Nixon à China em 1972 e da cúpula de Helsinki de 1975.
Perito em causar polêmica, Donald Trump parece ter se superado ao conseguir, em apenas 48 horas, constranger alemães, franceses e ingleses às vésperas de seu encontro com Vladimir Putin em Helsinki, nesta segunda-feira (16/07).
Na abertura da cúpula da OTAN em Bruxelas, no dia 11 de julho, bateu pesado na incoerência da Alemanha e França se tornarem economicamente mais dependentes do gás e petróleo da Rússia, justamente o país do qual mais querem se proteger com o escudo da OTAN sustentado pelos Estados Unidos que reclamam, há tempos, da baixa contribuição orçamentária da maioria de seus membros.
Saltando para o outro lado do Canal da Mancha, a divulgação de sua entrevista previamente concedida ao periódico inglês Sun fulminou os planos de Theresa May para sair à francesa do Brexit, e assim salvar seu governo em decomposição.
E para apimentar o final de semana, advertiu os europeus que a imigração está mudando sua cultura. Para pior.
Uma apreciação superficial sugere que Trump estaria comprando briga com os europeus e assim solapando a histórica parceria entre Estados Unidos e Europa, atingindo diretamente a OTAN, o principal elo institucional dessa aliança.
Uma impressão que se desfaz quando se contextualiza as declarações de Trump no cenário europeu e se as coloca em perspectiva histórica.
Em primeiro lugar, é necessário reconhecer que o criticismo de Trump é compartilhado por lideranças pessoais e institucionais relevantes na Europa.
A Comissão Europeia adotou um plano de segurança que recomenda ampla e segura distribuição compartilhada de gás, cooperação, solidariedade, transparência e participação de todos os países da União Europeia nas decisões afetas ao tema, justamente o contrário do projeto do gasoduto Nord Stream 2 encetado pela Alemanha com a Rússia, no qual a França quer uma carona, alvo das duras críticas de Trump.
Boris Bolston, um dos arquitetos do Brexit, seguindo a renúncia de David Davis e seu número dois, Steve Baker, à frente do Ministério do Brexit, abandonou o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Theresa May disparando contra o meio-Brexit. Também bombardeado por Trump.
E Horst Seehofer, líder da União Social Cristã (CSU) da Baviera e Ministro do Interior do governo federal alemão, depois de afirmar anteriormente que o “Islã não faz parte da Alemanha”, trombou de frente com a Chanceler atacando abertamente o acordo europeu de Angela Merkel sobre imigração, deixando o seu recém formado governo à beira do colapso. Seehofer personificava a importância da identidade cultural alemã. Necessidade defendida por Trump.
Portanto, quem está em apuros são os governos alemão e inglês, por atitudes e medidas contrárias ao seu eleitorado e aos acordos que os constituíram, não o governo Trump que, a despeito da estridência anti-trumpista, segue marcando pontos e angariando apoio doméstico.
E Macron? Bem, Macron está desfrutando do utilitarismo de seu papel de domador, não se dispondo a cometer o erro pueril do primeiro-ministro canadense de cutucar a onça com vara curta.
Em segundo lugar, é importante lembrar que alguns pontos da polêmica em torno da polêmica causada por Trump são antigos. E recorrentes.
A posição da Alemanha face à Rússia continua a ser vital para a defesa de toda a Europa. Não foi sem motivo que Stalin concebeu sua maquiavélica Nota de Paz sobre a Alemanha (1952), pela qual ele tentou inviabilizar a então recém-criada OTAN, propondo a neutralidade germânica com retirada de todas as tropas estrangeiras de seu território ocupado. Claro, as americanas para o outro lado do Atlântico e as suas a apenas 160 Km da fronteira alemã.
Ao longo de toda Guerra Fria, em diversas circunstâncias, ficou demonstrado que a dependência alemã da Rússia é mais perigosa para a Europa do que um seu alegado abandono pelos Estados Unidos.
Isso não mudou. A Rússia de Putin mantém boa parte do know-how e dos meios da antiga União Soviética; voltou à prática da repressão e sabotagem das nações em sua fronteira que pretendem alguma autonomia; e segue ao pé da letra a receita geopolítica de Kruschev de explorar oportunidades de confronto em qualquer lugar do mundo.
O que mudou é que a Guerra Fria acabou.
É possível atrair a Rússia a um convívio razoável, até, quem sabe, a uma forma peculiar de integração europeia.
Assim, apesar do escândalo que provocou, faz sentido a declaração de Trump de que Putin não é inimigo, mas competidor. Ainda mais quando seu país acaba de hospedar, com pleno sucesso, uma copa do mundo de futebol.
Muito mais dura do que a incontinência verbal de Trump com os europeus, contrastante com seu tom conciliador sobre os russos, foi a excessiva moderação de Eisenhower em 1956 com os soviéticos que massacravam a Hungria, enquanto franceses e ingleses eram criticados e abandonados na crise de Suez.
E pior, como aquele presidente acreditou na possibilidade de uma Berlim livre sem tropas americanas, para desespero de seus aliados alemães ocidentais.
Foram erros grosseiros dos Estados Unidos, que lhes custaram caro, e geraram profundas desconfianças de franceses, ingleses e alemães. Erros passados, que foram assimilados na experiência da aliança atlântica.
Porém, mesmo esse tema crucial, a defesa da Europa, precisa ser colocado no contexto mais amplo das grandes modificações do cenário do século XXI.
No século 20, o denominado século americano, três presidentes foram responsáveis por mudanças na política externa dos Estados Unidos que alteraram profundamente o cenário internacional.
Wilson rompeu o isolacionismo norte-americano indo à Primeira Guerra Mundial e propondo os pontos que permitiram o seu encerramento. Roosevelt rompeu de novo o isolacionismo, mas desta vez colocou os Estados Unidos no topo de uma nova ordem mundial. E Reagan desafiou e venceu a União Soviética, encaminhando o fim da Guerra Fria.
No entanto, como previu Kissinger, nas primeiras décadas do século 21, a nítida predominância dos Estados Unidos seria contestada pela ascensão da União Europeia e da China.
Nesse novo cenário, esgotou-se o modelo econômico norte-americano de usar seu mercado interno para moldar o panorama internacional.
Trump personifica esse ponto de inflexão da política externa dos Estados Unidos, priorizando os seus interesses imediatos em detrimento de uma agenda global idealística.
Como, aliás, percebe-se em todo mundo. A globalização prosseguirá, porém matizada por interesses particulares colocados de maneira mais assertiva.
Os movimentos de Trump no Oriente e na Europa acontecem segundo essa lógica, sendo cedo para avaliar a sua extensão e repercussão, até porque há um esforço da oposição democrata em criar um Russiagate.
Não há motivos para se esperar do recente encontro entre Trump e Kim Jong Un, bem como no desta segunda-feira entre Trump e Putin, algo espetacular, nos moldes da visita de Nixon à China em 1972 e da cúpula de Helsinki de 1975.
O momento é de atenção às oportunidades que se oferecem, como fez o Brasil na questão do aço, ante as tarifas impostas por Trump. Nada de dramático ou catastrófico.
Apenas um freio de arrumação em um mundo com mais gente e interesses.
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