Flexibilização cria oportunidade para renegociar aluguel em shopping
Retomada lenta das vendas, horário reduzido e queda no fluxo podem facilitar a conversa entre as partes para o lojista ganhar fôlego nos próximos meses. Mas a avaliação é caso a caso
Dados da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping) apontam que 12 mil lojistas ou fecharam as portas desde o início da crise, ou confirmaram que não reabririam mesmo com a flexibilização.
Diferentemente do comércio de rua, onde os preços de aluguel de imóveis comerciais costumam ser negociados pela média do mercado, nos shoppings essa questão é avaliada caso a caso: depende do tamanho da loja, da localização e, claro, da lucratividade.
Suspensões ou isenções temporárias de contratos, adiamento de pagamentos ou descontos de 20% a 50% com pagamento futuro, negociados com as administradoras desde o início da quarentena, foram retomados, principalmente com as lojas-satélite, geralmente inscritas no Simples, que representam entre 60% e 70% desse universo, segundo a Alshop.
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Mas, com a recuperação muito lenta das vendas, devido ao horário reduzido e à queda de fluxo, para quem voltou a operar mas está faturando 30% a 40% de antes da pandemia, uma nova renegociação pode dar fôlego extra para os próximos meses, segundo Luis Augusto Ildefonso, diretor de relações institucionais da Alshop.
Com índice de vacância bem maior do que antes da pandemia, conforme lembra, que era estimado entre 2% e 4%, a conversa entre lojista e locador está mais maleável. Afinal, agora são dois interesses em jogo, em um ambiente que exige condições excepcionais.
“Há um espaço de negociação mais amistoso, já que as crises anteriores mostraram que vale mais um bom acordo do que briga, em defesa da vacância menor e da permanência dos lojistas", afirma.
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Especialista em mercado imobiliário de real estate, Yslanda Barros, sócia-proprietária da Ética Soluções Imobiliárias, tem opinião semelhante. Ela estima que, desde o início da quarentena, 80% dos shoppings optaram pela parceria para manter lojistas, concedendo descontos ou outros benefícios temporários.
Ou recalcularam taxas com correção mais baixa - em especial com os negócios da área de alimentação, uma das mais impactadas com o horário reduzido -, para que a “economia não estagnasse de vez”, afirma.
Yslanda lembra que muitos pequenos lojistas, principalmente de shoppings menos consolidados ou novos no mercado, infelizmente não tinham caixa para aguentar três meses, sentindo mais o baque que grandes lojas.
"Houve renegociações de todas as formas para manter o comerciante e, quem teve de fechar, pôde entregar as chaves sem multa", diz. "Mas quem já não vinha bem, a crise foi a brecha para não estar mais no mercado."
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FACILIDADES x DIFICULDADES
Mesmo com a 'retomada' das conversações, e a aparente facilidade em renegociar contratos hoje, dados do Secovi-SP (sindicato da habitação) divulgados no último dia 31 mostram um cenário diferente.
Pelo levantamento, 1.290 ações judiciais locatícias, entre residenciais e comerciais, foram protocoladas na capital paulista em junho - alta de 55,8% ante maio. No acumulado do semestre, as renovatórias, ou relativas exclusivamente a contratos de locação comercial (5,7%), só ficaram atrás das de falta de pagamento (89,1%).
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Com menos consumidores circulando em horário restrito, e menos dinheiro entrando no caixa, houve um certo endurecimento nas negociações, levando três lojas a pleitearem judicialmente - e ganharem - redução de aluguel proporcional à fases de reabertura do Pátio Higienópolis, Iguatemi e Iguatemi Campinas. A ação foi impetrada pela advogada Renata Maria Baptista Cavalcante, da Neto Cavalcante Sociedade de Advogados.
Para o lojista "sozinho", ou seja, que está fora de uma rede de franquias, por exemplo, que sofreu com as intempéries do momento mas ainda sobrevive, segundo Luis Ildefonso, da Alshop, o cenário infelizmente não é muito bom, pois pode haver uma dificuldade maior na renegociação. "Mas cada caso é um caso", reforça.
A ampliação do funcionamento por oito horas diárias - que diferente das seis horas atuais, consideradas extremamente improdutivas para alguns segmentos, como o de alimentação, que é forte no almoço -, pode dar um fôlego maior para os lojistas de shopping, segundo o diretor da Alshop.
"Além de possibilitar um upgrade nas vendas, vai ajudar na renegociação. Mesmo que os consumidores ainda estejam arredios, aos poucos esse cenário deve mudar", sinaliza.
Nesse cenário de reabertura gradual, de entrega de lojas que fecharam ou de "re-renegociação" de contratos, o empreendedor que estava se preparando para entrar em shoppings antes da crise pode achar boas oportunidades agora, segundo Yslanda Barros, da Ética.
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Conversando bem, orienta, é possível conseguir carência de seis meses para começar a pagar o aluguel, por exemplo, para dar tempo de vir a vacina e esse lojista ir se estruturando até começar a alavancar público. "Mas para isso, é preciso que esse plano de negócio esteja 100% - num momento em que o mercado não está."
Porém, a especialista alerta ao empreendedor-lojista que avalie bem se é essencial que seu negócio tenha o shopping como vitrine (e custos maiores de operar), já que o mercado mudou e deve mudar mais ainda.
"Tem muita coisa voltada para o digital: até o lançamento de prédios, com vídeos 360º, não precisam mais de um espaço de 10 mil m2", diz. "Calcule cada passo, pois o que era imprevisível está um pouco mais previsível."
FOTO: Karina Lignelli/DC