Fechar as ruas do entorno do Allianz Parque? Talvez tenha chegado a hora é de fechar o estádio!
A lamentável morte da torcedora palmeirense Gabriela Anelli tira o brilho e a graça da festa que deveria ser o futebol e a convivência urbana
Há duas semanas levei meus filhos para conhecerem o Allianz Parque. Há tempos planejava fazer o passeio com eles, mas somente agora, motivado pelo meu engajamento recente em tentar transformar o entorno do estádio em uma área mais agradável de convivência, resolvemos tirar o plano do papel.
Fomos os quatro, devidamente uniformizados, passar uma divertida tarde na “casa” do Palmeiras. Corrijo-me: uniformizados, apenas os pequenos e eu; minha esposa, criada como são-paulina, não é lá muito fã de futebol – embora não tenha feito qualquer esforço para disfarçar o encantamento com o entusiasmo das crianças.
Dante, o mais novo, de apenas um aninho, ainda não parecia compreender muito bem do que se tratava o passeio, mas abria um sorrisão a cada vez que o grupo de visitantes gritava “Palmeiras” ou “Avanti, Palestra”.
Já o Thomas, de três anos, não só correu animado pelas arquibancadas, gritou “Palmeiras”, como queria porque queria chutar bola no gramado. Saímos de lá com a promessa de que em breve assistiríamos um jogo ali.
Diante da triste notícia da morte da torcedora palmeirense Gabriela Anelli, de apenas 23 anos, fico me perguntando se vou conseguir cumprir tão cedo a minha promessa para o Tom.
E não apenas porque o jogo no estádio de repente me pareceu um evento perigoso para ir com crianças. Estou me perguntando, na verdade, se a paixão por um clube de futebol é realmente algo que mereça ser estimulado, tendo em vista a estupidez em que essa paixão pode se transformar.
Não é de hoje que convivemos com problemas de brigas de torcida e vandalismo em São Paulo nos dias de jogos. Para tentar contornar o problema, as partidas entre os quatro grandes clubes do estado (Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos) já ocorrem com torcida única.
Foi, contudo, um torcedor do Flamengo que arremessou a garrafa que cortou o pescoço da Gabriela, que aguardava na fila para entrar no estádio. Pelo que li, idiotas do Flamengo provocaram palmeirenses, que também agiram como idiotas, tudo resultando em um conflito idiota, ação policial desastrada; e uma jovem torcedora morta.
Qual será a reação das autoridades? Impor torcida única, a partir de agora, em todos os jogos na capital? Talvez permitir que só idosos, mulheres e crianças frequentem os estádios? Ou simplesmente assumir nossa incapacidade de conviver harmoniosamente e fechar logo os estádios de São Paulo para as torcidas?
Sei que, como todos que já escreveram sobre o triste acontecimento, escrevo abalado pela notícia. De qualquer forma – e infelizmente –, tenho dificuldade de acreditar que algo realmente vá mudar – basta lembrarmos do torcedor Dante Luiz Oliveira, que morreu baleado também ali no entorno do estádio, após a derrota para o Chelsea em fevereiro de 2022.
De repente, falar em área pública de convivência no entorno do estádio me parece até um despropósito. De repente, futebol e convivência são termos que não parecem fazer sentido na mesma frase. Ao menos enquanto a festa que gira ou deveria girar em torno do futebol contar com a participação de idiotas como os responsáveis pela morte da Gabriela.
E digo responsáveis no plural porque a mão que atirou aquela garrafa já foi até identificada, mas o conflito que resultou na morte da Gabriela é produto de uma imbecilidade coletiva.
Quase sempre evito me manifestar em acontecimentos como esse, tentando respeitar a memória de quem vai, a dor de quem fica.
Como um morador da Pompeia que vinha pensando em formas de melhorar a relação do estádio com entorno, de potencializar as áreas de convivência, o comércio e o turismo da região; e, principalmente, como um pai palmeirense que não via a hora de levar os filhos para ver um jogo no estádio pela primeira vez, ver na tevê o choro dos pais da Gabriela foi de cortar o coração.
Meus sinceros sentimentos a eles, aos amigos e familiares.
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