Fazer o bem (e ganhar dinheiro), que mal tem?

Negócios como o de Carlos Pereira (na foto, com a família) estão mudando a realidade de pessoas com deficiência. O empreendedor mostra como é possível aliar lucro com causas sociais

Thais Ferreira
29/Nov/2016
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Fazer o bem (e ganhar dinheiro), que mal tem?

O que você faria se sua filha, após um erro médico no parto, sofresse de paralisia cerebral? Uns apelariam para a fé, outros para a justiça. O analista de sistemas Carlos Pereira decidiu recorrer ao empreendedorismo

Há nove anos, quando Clara nasceu, veio o diagnóstico. Aos poucos, a família foi aprendendo a lidar com as deficiências da menina.

Após alguns anos, Pereira percebeu que ela fazia os primeiros esforços para se comunicar. 

A solução mais comum nesses casos são figuras impressas em cartões que são armazenadas numa pasta. Cada uma dessas imagens ajuda a pessoa a expressar uma ação ou um objeto. Quando ela deseja algo, simplesmente aponta.

Esse recurso, no entanto, é trabalhoso para os pais e cuidadores. Cada novo item deve ser fotografado ou desenhado, recortado e incluído nessa grande pasta.

Para os portadores de deficiência, esse sistema limita a comunicação, uma vez que não consegue traduzir de forma efetiva todos os pensamentos, vontades e sensações. 

Ao perceber as dificuldades da filha, Pereira começou a conceber um aplicativo. Ele usou sua experiência em tecnologia da informação e conseguiu criar um algoritmo que se ajusta às necessidades de Clara.  

“Algumas pessoas com deficiência não tocam da mesma forma nos tablets, elas geralmente apertam os botões com a palma da mão ou arrastam os dedos pela tela”, afirma Pereira. “Os programas não conseguem registrar isso como um toque, mas o software que desenvolvemos consegue identificar esse contato.”

Além disso, as funcionalidades do aplicativo são adaptativas tanto na parte motora quanto no conteúdo. Há mais de 25 mil imagens cadastradas, e novas informações podem ser inseridas de acordo com a necessidade do usuário.  

CARLOS PEREIRA, FUNDADOR DO LIVOX

O APP DA CLARA GANHA O MUNDO

No inicio, o aplicativo era apenas para o uso da Clara, mas diversos pais começaram a se interessar pelo programa.

Pereira percebeu que, além de ajudar sua filha, esse software podia ser um bom negócio. Ele alterou algumas funções e o adaptou para outros tipos de deficiência. Começou assim, a história do Livox

De acordo com a organização das Nações Unidas (ONU), um em cada sete pessoas do mundo vive com alguma forma de deficiência.

Há, somente no Brasil, 15 milhões de pessoas com alguma dificuldade na fala. Um mercado gigante que, quase sempre, é negligenciado pelas grandes empresas. 

Pereira começou a vender a licença do aplicativo e, nesse mesmo período, procurou a ajuda de instituições que o auxiliassem nessa empreitada. Ele encontrou apoio no Porto Digital de Recife, cidade em que morava. 

O Livox também participou do processo de aceleração da Artemisia, organização sem fins lucrativos que apoia negócios de impacto social.

Durante o programa, Pereira aprimorou alguns detalhes do software e aprendeu sobre conceitos de gestão. 

Passo a passo, a empresa de Pereira começou a conquistar o Brasil e o mundo. Para ganhar escala e deixar o preço do App mais acessível, o Livox fez uma parceria com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais do Estado de São Paulo (APAE) e vendeu mais de mil licenças para a prefeitura de Recife. 

Na sequência vieram diversos prêmios, o mais importante foi o prêmio da ONU de melhor aplicativo de ação social do mundo. Esse título chamou atenção do Google, a gigante americana de tecnologia, que decidiu investir na empresa.

Em junho deste ano, Pereira se mudou com a família para os Estados Unidos, onde trabalha, em conjunto com o Hospital da Flórida, para aprimorar e criar novas funções do aplicativo.  

FABIO SATO, DA ARTEMISIA, INSTITUIÇÃO QUE AJUDA EMPRESAS DE IMPACTO SOCIAL

EMPRESAS DE IMPACTO SOCIAL  

Negócios, como o Livox, fazem parte do chamado empreendedorismo social, que abrange quaisquer iniciativas inovadoras que visam solucionar ou amenizar problemas sociais.

Essa classificação, no entanto, engloba diversas formas de organização, inclusive a em fins lucrativos. 

A Artemisia prefere utilizar o termo “negócios de impacto social”. Essa classificação envolve alguns critérios: as empresas devem ter como foco resolver problemas da população de baixa renda e o modelo de negócio tem que ser rentável e escalável, ou seja, não podem ser mantidas por doações. 

“O lema da Artemisia é que entre ganhar dinheiro e mudar o mundo, fique com os dois”, afirma Fabio Sato, coordenador de projetos de Aceleração da organização. 

Cada vez mais empreendedores estão acreditando é possível unir esses dois mundos. Um levantamento feito pela Artemisia aponta o aumento do número de negócios de impacto social no Brasil.

Só no Programa Aceleradora houve um crescimento de mais de 300% nos últimos quatro anos. 

Em 2015, mais de R$ 16 milhões foram investidos nos negócios de impacto social acelerados apenas pela organização – um crescimento de 42% em relação ao ano interior.

Fora dessas instituições, algumas empresas correm por fora. A Mooh Tech é uma delas. 

Fundada em agosto deste ano, os sócios Henrique Mafra, Everton Cruz e Bruno Silva criaram a ferramenta Sempre Alerta para conectar a população diretamente com as centrais de segurança das cidades por meio de um aplicativo. 

O sistema foi lançado inicialmente nas cidades do agreste de Pernambuco, como Belo Jardim, Pesqueira, Lajedo, Poção e Capoeiras.

Nesses locais a incidência de crimes é bastante alta, principalmente casos de violência contra a mulher, estupros, roubos e furtos.  

“Queremos devolver o poder para população, que é a verdadeira dona das cidades”, afirma Cruz. “Eles podem comunicar ocorrências e cobrar diretamente os órgãos responsáveis.”

A Mooh foi fundada com recursos próprios e investimento inicial foi de R$ 330 mil. As prefeituras e governos dos Estados compram o sistema, mas o aplicativo é gratuito para os usuários. “Para o setor público, a ferramenta custa menos de três centavos por habitante”, diz Cruz.

Já foram mais de mil denúncias nesses poucos meses de funcionamento. 

A Mooh Tech está estudando, agora, a implantação em outras da região do Brasil. O mesmo acontece com o Livox, mas em âmbito mundial. 

Empreendedores, como Pereira e Cruz, mostram que é possível mudar a vida de milhares de pessoas, apenas com o toque dos aplicativos. 

FOTOS: Divulgação

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