Fábio Astrauskas: ‘Casas de apostas drenam R$ 100 bi da economia brasileira’
O fundador da Siegen Consultoria diz que boa parte da população de menor renda está consumindo cerca de 20% do salário com esses jogos
Na quinta-feira (22), a Siegen Consultoria fez mais um de seus exclusivos painéis macroeconômicos, evento virtual destinado a clientes e ao qual a reportagem da DC NEWS foi convidada. Fundada em 1996 por Augusto Paes Barreto e Fábio Astrauskas, a Siegen (pronuncia-se zíguen) é referência em gestão estratégica e recuperação de empresas e já atuou em mais de três centenas de projetos. Astrauskas e parte de seu time de analistas mostraram com dados e análises objetivas cenários e perspectivas de curto, médio e longo prazo – que incluem três problemas potenciais, verdadeiras bombas-relógio a serem desarmadas: a) crescimento das despesas públicas num ritmo superior às altas recordes de receita; b) PIB desigual, com ilhas de crescimento e desertos de queda; c) o efeito das casas de apostas online, as chamadas bets. “Elas drenam da economia R$ 100 bilhões por ano”, afirmou Astrauskas. A seguir, os principais pontos abordados por ele.
INFLAÇÃO & SELIC – “É muito difícil derrubar a inflação do Brasil abaixo de 4% este ano ou mesmo num cenário um pouco mais longo. A economia brasileira é indexada, o que faz com que haja uma inércia muito maior, principalmente nos contratos públicos, que são automaticamente reajustados por inflações passadas. E se a gente olhar o IGP-M, a porta de entrada para a inflação, porque é a inflação mais medida ali no atacado, nas grandes empresas, ele voltou a subir e carrega nos últimos três meses algo acima de 6% ao ano. Isso desmancha por completo a ideia de derrubar a Selic abaixo de 10%, nem vou falar os 10,5% atuais, mas abaixo de 10% pelos próximos meses.”
SUCESSÃO BC – “O temor parece ter ficado um pouco abrandado pelas últimas declarações do provável sucessor do Roberto Campos Neto, que deve ser o (Gabriel) Galípolo, dizendo que vai cumprir tecnicamente as orientações do Banco Central com relação às metas de inflação. Mas é difícil acreditar que a partir do ano que vem o governo vá deixar de fazer uma pressão muito forte para derrubar juros, e desta vez sobre uma pessoa colocada por eles. Isso preocupa. Será muito difícil derrubar juros, principalmente no primeiro trimestre do ano que vem, se não for por opção política. Mas não será econômica, porque a inflação vai demorar para cair.”
CÂMBIO – “Há uma tendência provável de queda caso as perspectivas de redução de juros nos Estados Unidos se consolidem na próxima reunião do Fed [17 e 18 de setembro]. Os fundamentos do câmbio estão principalmente [baseados] na relação entre os juros dos países. Obviamente, se os juros nos Estados Unidos caírem, haverá uma atração maior para investimento no Brasil, e a taxa de câmbio será deprimida. É possível que a gente atinja alguma coisa na faixa de R$ 5,30 até o final do ano.”
BOLSA – “A Bolsa brasileira era a de pior desempenho relativo entre as principais do mundo. Agora ultrapassou a da China e a da França. Não deve ser surpresa continuar a elevação no índice B3. Apesar de se propagar nos últimos dias que atingiu recordes históricos nominais, e isso é verdade, do ponto de vista real, quando a gente olha a pontuação em dólar, ainda está cerca de 40% abaixo do melhor momento que a Bolsa já teve. Em poucas palavras, as ações ainda estão baratas.”
CHINA/EUA – “Acho difícil que haja uma recessão nos Estados Unidos. Não vai acontecer. Acho difícil que a China passe por uma recessão. Não vai acontecer. E mesmo que passe não vamos saber, porque o número não vai dizer isso, né? O governo chinês não vai apontar que está em recessão. Vai ter crescimento baixo.”
CRESCIMENTO – “Se pegarmos alguém sem nenhum conhecimento da economia do Brasil, dos meandros políticos, alguém que olhe de fora para os dados, vai dizer, ‘Poxa, mas o país não está tão mal relativamente aos demais, né?’ Então, se deixarmos um pouquinho de lado os aspectos ideológicos ou políticos, veremos que as expectativas de crescimento do PIB são constantemente revisadas para cima. O mercado financeiro, os analistas financeiros, têm sido muito mais críticos com relação às perspectivas de crescimento do que de fato está acontecendo. Há uma expectativa de crescimento, mas o crescimento supera a expectativa constantemente.”
MERCADO DE MAU HUMOR – “Por que mesmo com números bons [crescimento, renda, ocupação] então ainda há esse mau humor do mercado com relação às contas públicas do Brasil? Por um único motivo, um motivo muito forte e muito bem embasado: a dívida líquida do setor público. A gente tem nos últimos 12 meses um déficit no resultado primário de R$ 270 bilhões. Está projetado para cair (fechar em R$ 76,8 bilhões em 2024). Então imaginem o quanto vai ter de fazer. O problema do Brasil hoje não está na arrecadação, ainda e infelizmente está nesse não controle adequado das despesas. Isso embasa o mau humor do mercado.”
DESPESAS – “Temos uma despesa muito alta e, pior, muito malfeita, pouco transparente – tivemos uma tentativa dos três poderes na terça-feira (20) de ajustar esse tipo de relacionamento dos gastos. Porque esse desequilíbrio [receitas/despesas] tem atrapalhado o crescimento econômico.”
PIB-DESIGUALDADE – “Embora o crescimento não esteja tão baixo (2,5% a 3%) comparativamente a outros países, ele está desequilibrado. Há uma concentração de crescimento na mão de grandes e poucas empresas, enquanto muitas pequenas e médias estão passando por dificuldade muito grande. Dificuldade de acesso a crédito, dificuldade de repassar seus produtos, dificuldade na logística, em infraestrutura, de carga tributária… Dificuldades em série que estão impactando as pequenas e médias empresas, que são as que fazem andar a economia de qualquer país.”
AGRO – “O agro, que sustentou o crescimento do PIB no ano passado, este ano tem enfrentado problemas na safra. Há expectativas de quedas importantes. Embora ele represente 4% do PIB da maneira como é medido pelo IBGE [agricultura e pecuária], que a gente chama de porteira para dentro, toda a cadeia que depende diretamente do agronegócio, como a transformação em proteína, em alimentos, em produtos, ela corresponde a algo como um terço do PIB. Boa parte da indústria depende diretamente do agronegócio, boa parte do serviço é dependente diretamente do agronegócio.”
VAREJO – “Você tem grandes corporações que acabam tendo negociações com custos muito mais diluídos, acesso a investimento, enquanto aquelas médias e pequenas empresas têm dificuldade, tanto para obter o crédito, quanto para poder vender. É um cenário ainda desafiador.”
BETS 1: DINHEIRO DRENADO – “A gente vem dizendo isso aqui nas nossas reuniões que os sites de aposta estavam impactando fortemente no consumo e estão fazendo com que boa parte desse crescimento do PIB desapareça, como num passe de mágica. Já se estima que só este ano teremos R$ 100 bilhões gastos em sites de apostas, dinheiro que está sendo drenado da economia para algum país, para algum paraíso fiscal. Para se ter uma ideia de relatividade, o Dia dos Pais, uma das principais datas para o comércio, tinha expectativa de faturar um agregado no Brasil de R$ 23 bilhões a R$ 25 bilhões. Ou seja, os sites de apostas comeram da economia quatro Dia dos Pais.”
BETS 2: CONSUMO – “É um imenso volume de dinheiro sumindo do bolso do trabalhador e da economia, e que não é mapeado. Então, mesmo com diminuição da desocupação e aumento da renda real não há reflexo no crescimento do país. Boa parte da camada da população de menor renda está consumindo cerca de 20% do seu salário em sites de apostas. Deixa de comprar a botinha, deixa de comprar o óleo vegetal no supermercado, deixa de comprar os produtos essenciais… E impacta diretamente no varejo. Não é à toa que o varejo continua se queixando de baixas vendas.”
BETS 3: NÃO É SÓ TRIBUTAÇÃO – “A primeira vez que eu ouvi falar sobre esse assunto, do impacto negativo dos sites de apostas na economia, por drenar parte da possibilidade de consumo, foi pelo Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). E isso começou a ser de fato percebido, ou descoberto, pelo varejo e demais empresas a partir de fevereiro, março. Agora aparece a notícia [na quarta-feira, 21] de que há mais 113 empresas [incluindo a Caixa Econômica Federal], pedindo outorga para operar apostas online. Penso que é o momento de ter uma discussão mais clara sobre as consequências. Discutir não apenas sobre sua legalidade, e nem só sobre a tributação, nem só sobre o efeito que isso traz para a economia de maneira geral, porque vai chegar quase em questão de saúde pública [pelo vício em apostas], em questão de educação financeira [por abocanhar fatia de renda considerável de pessoas mais pobres].”
PROBLEMA – “Ou resolvemos o tema de concentração de riqueza ou nós teremos um problema daqui a 20 anos quase insolúvel. Porque a concentração aliada às modernas tecnologias, à inteligência artificial, à automação, tudo isso vai levar a termos uma massa de pessoas que jamais conseguirá trabalhar de novo.”
IMAGEM: Siegen Consultoria/divulgação