Ex-lojista vira a maior influencer do Brás e lança linha de cosméticos e livro
A partir do convite para estruturar e divulgar a feirinha da madrugada, Ruama Melo construiu um business que exige a gravação diária de até seis vídeos em lojas de atacado
Tudo começou em 2015 com um desafio nada fácil. Trazer para a Rua Tiers, no coração do Brás, o maior número possível de clientes, com um detalhe, de madrugada.
Com um celular na mão, a ex-lojista Ruama Melo fez então o seu primeiro vídeo para mostrar as novidades e as pechinchas expostas na chamada feirinha da madrugada.
“Houve uma explosão de visualizações logo no primeiro dia”, conta ela.
Foi ali que Ruama percebeu que levava mesmo jeito para convencer consumidores, comerciantes e sacoleiras a passar pelo menos uma noite fazendo compras no Brás.
Durante três anos, este foi o principal trabalho de Ruama, que fazia parte do grupo que estruturou e montou uma cooperativa de lojistas para organizar a feirinha na Rua Tiers.
“Quase ninguém sabia o que era Youtube e tampouco fazia vídeos por ali, ainda mais à noite. Fui convidada para fazer parte do projeto e tinha o apoio dos organizadores”, diz.
Uma de suas principais atribuições era falar de moda, preços, tendências e propagar que a Rua Tiers era o melhor local para fazer compra em São Paulo, durante a madrugada.
A divulgação deu tão certo que começou a aparecer por ali não somente as sacoleiras dos quatro cantos do país, mas também a clientela dos Jardins.
Afinal, entre os anos de 2014 e 2016, a economia brasileira encolheu quase 9%.
Economizar era a palavra de ordem também entre o público de maior poder aquisitivo, o que de certa forma acabou favorecendo o business que Ruama estava prestes a construir.
Depois de um certo tempo, evidentemente, os lojistas que trabalhavam durante o dia na região não viam com bons olhos o que acontecia por ali à noite.
A rua estava demarcada em espaços de um metro a um metro e meio, ocupados pelos concorrentes noturnos, em sua maioria bolivianos.
“O fato é que ajudei muitas famílias durante todo aquele período. As pessoas me paravam na rua para agradecer o que eu tinha feito por elas. A informação salvou muitas pessoas”, diz.
A INFLUENCER
Em 2018, Ruama passou a ser a voz dos atacadistas de todo o Brás, não apenas dos da Rua Tiers, justamente quando também crescia a confusão entre lojistas do dia e da noite.
O meu foco deixou de ser preço e passou a ser moda, tendência, não marca. Hoje, vendo a moda popular acessível do Brás para todas as classes sociais”, afirma.
Com 37 anos, a maior influencer dos atacadistas do Brás exibe hoje números de dar inveja para quem precisa de redes sociais para tocar um negócio.
O Instagram registra em seu perfil cerca de um milhão de seguidores e o Youtube, 460 mil.
A fama se consolidou mesmo, diz, a partir do momento em que o público passou a sentir que ela falava sempre a verdade, com uma linguagem informal, e foi capa no Diário Popular.
O seu público é formado, principalmente, por atacadistas e pessoas que querem ou já estão começando a empreender, principalmente no mundo da moda.
“A internet me deu voz”, diz ela, algo que buscava desde o tempo em que tinha, por três anos, uma loja de roupas femininas em São Miguel Paulista e era cliente do Brás.
“As pessoas se sentem próximas com a minha comunicação. Tanto que ajudei muitas sacoleiras que sequer tinham poder de compra”, afirma.
Diariamente, a influencer grava de três a seis vídeos em lojas de atacado da região, principalmente para falar de moda e tendências.
A agenda de gravações, de acordo com ela, está lotada até o mês de novembro. “A gente tenta ainda fazer alguns encaixes”, diz.
Uma equipe formada pela assessora Bianka Mariá, que cuida da agenda, e por profissionais especializados em produção e publicação de vídeos, ajuda no business da influencer.
Dos assuntos financeiros, diz, ela mesmo cuida.
Com sua experiência no varejo, ela também dá sugestões sobre os caminhos que os lojistas devem seguir, melhores dias e horários para a subida de vídeos.
“Existe toda uma estratégia montada de acordo com a demanda de cada loja”, afirma.
Ruama prefere não citar o quanto cobra para gravar produtos durante cerca de meia hora em uma loja e exibir os vídeos em suas redes sociais.
Diz que cada vídeo é visto por mais ou menos 50 mil pessoas, em média. “O Brás é o maior polo de atacado do Brasil, com cerca de 20 mil lojas, e eu ajudei a mudar a sua história.”
É difícil, diz, manter tantas visualizações. “A fórmula é inovação, sempre, conhecer muito bem o público com o qual você está conversando, saber o que ele quer, e não o que você quer”, diz.
OUTROS NEGÓCIOS
Para dar uma ideia de como o seu negócio prosperou, Ruama diz que surgiram outras vertentes a partir do business de gravações e publicações de vídeos em redes sociais.
Ela também dá consultoria para lojistas, treinamento e cursos para quem quer empreender nos formatos on-line e off-line e ajuda lojistas a montar perfis no Instagram.
Escreveu dois livros. Em setembro do ano passado lançou “O Manual completo do Brás” e no final deste mês coloca à venda o “Estratégia de vendas.”
Também neste mês vai lançar no mercado brasileiro uma linha de produtos para cabelo, rosto e corpo com a marca Skin Body, produzidos pela Le Pieri Cosméticos.
Inicialmente, os produtos, que custarão até R$ 89,99, serão comercializados pela internet. Outros canais de venda estão em estudo e até lançamento em Nova York e Miami, nos EUA.
A ideia é dar início a este projeto com a venda de sete produtos e, em seguida, lançar um por mês. “É uma linha que pode trazer mais renda para as sacoleiras”, diz.
PANDEMIA
Ruama admite que depois da pandemia ficou mais difícil trazer lojistas para o Brás, até porque muitos já estão mais familiarizados com as compras pela internet.
Shoppings da região registram queda de cerca de 30% no movimento, na comparação com 2019, apesar de o faturamento estar praticamente mantido.
Ela sabe que se transformou num elo ainda mais importante entre o atacadista e o lojista.
“Antigamente, quando vinham para cá, as pessoas estavam no modo analógico. Agora não, estão passando cada vez mais para o digital. Elas têm mais confiança na compra on-line.”
Isso não quer dizer, diz, que os comerciantes não precisam mais ir às lojas físicas. Ao contrário. “A presença deles nas lojas é importante para conhecer as mercadorias e interagir”, diz.
No passado, diz, as lojas do Brás eram conhecidas por vender produtos baratos e de má qualidade. “Havia certo preconceito com as roupas daqui.”
“Eu não apenas deixei o local mais famoso como mostrei que as roupas feitas no bairro têm qualidade, podem ser elegantes e usadas por consumidores de qualquer classe social.”
No dia da entrevista concedida no Denim City, ela vestia uma calça cáqui e uma camisa branca, e fez questão de dizer que todo o seu guarda-roupa está montado com peças do Brás.
Ela já pensou em gravar em outras regiões de São Paulo, e até do país, e em fazer vídeos em feiras, mas não colocou em prática. “Neste momento, farei isso se for contratada.”
Sobre a sua profissão, influencer, o que ela tem a dizer é o seguinte: “a internet só traz luz para quem você é, não ajuda você a ser.”
O seu conteúdo, diz, está numa espécie de bolha, e o desafio é ir furando essa bolha para conquistar mais seguidores “como a voz do maior polo atacadista do Brasil”.
IMAGENS: Cesar Bruneli/ACSP