Encurraladas, pequenas farmácias recorrem à franquia
Juan Carlos Ligos (foto), dono da Bom Pastor, chegou a ter sete lojas. Hoje, só tem uma. Para enfrentar as grandes redes, lojistas se unem e criam a bandeira Fazfarma
Juan Carlos Ligos, 55 anos, farmacêutico e bioquímico formado pela USP, sempre foi um apaixonado pelo varejo. Durante 30 anos, ele tocou com muito gosto a rede de farmácias Bom Pastor, que chegou a reunir sete lojas nos bairros Ipiranga, Saúde e Vila Mariana.
Nos últimos anos, a rede Bom Pastor começou a encolher. Das sete lojas, agora só resta uma, na própria Rua Bom Pastor, no Ipiranga.
A crise econômica, citada como a grande vilã do encerramento das atividades de empresas dos mais variados setores, neste caso não tem nada a ver com isso.
Problemas de gestão e aumento da concorrência com as grandes drogarias são as principais razões do fechamento das lojas, de acordo com o próprio farmacêutico.
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“O perfil do consumidor mudou. Ele quer serviço, experiência de compra. Quem não entender isso, está fora do mercado. E não dá para competir com redes que trabalham com 20 mil itens. As farmácias menores possuem quatro mil itens”, afirma.
A sexta loja fechada por Ligos estava localizada na Rua dos Patriotas, no Ipiranga. As redes Raia, São Paulo e Drogasil disputam agora a clientela antes atendida pela Bom Pastor.
“A farmácia é um bom negócio, mas exige elevado volume de vendas para sobreviver. Se a loja não faturar de R$ 70 mil a R$ 80 mil por mês no município de São Paulo, ela fecha”, afirma.
O caso da farmácia Bom Pastor ilustra o que tem enfrentado boa parte das 80 mil pequenas farmácias espalhadas pelo país.
“Está cada vez mais difícil para as lojas independentes permanecerem no mercado. As grandes redes estão entrando cada vez mais em cidades de até 30 mil habitantes”, afirma André Peixoto, vice-presidente do Sincofarma (Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo).
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Apesar da crise, de janeiro a novembro do ano passado, as 28 maiores redes associadas à Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), que somam faturamento próximo de R$ 35 bilhões anuais, abriram 300 lojas no país.
Em janeiro de 2015, elas tinham 5.576 lojas e, em novembro de 2015, 5.876 lojas. Em janeiro de 2014, esse número estava mais próximo de 5.100. Em menos de dois anos, portanto, as 28 redes, presentes em 600 municípios do país, abriram quase 700 lojas.
Em 2015, a rede Pague Menos abriu 102 farmácias no país, das quais 57 na região Nordeste.
Depois de atuar por cerca de 40 anos no varejo de medicamentos, Peixoto também acabou se desfazendo de quatro farmácias na região de Pirituba. A última loja fechou há cerca de quatro meses. “Pretendo voltar para o mercado, mas com um modelo de loja diferente”, diz.
Peixoto faz parte de um grupo de 10 pequenos empresários de São Paulo e do interior, com 40 lojas, criado para contra-atacar o avanço das grandes redes de farmácias.
Há cerca de sete anos, eles montaram a Associação Brasileira de Farmácias Independentes para discutir os desafios do setor. Uma das ações do grupo foi a compra conjunta de medicamentos e produtos de beleza da indústria a fim de obter melhores preços.
FRANQUIA
Mas, só isso, não foi suficiente. Mais recentemente, eles perceberam que precisavam ir além para se manter no mercado. A ideia de operar pelo sistema de franquia surge, portanto, como a melhor opção para a sobrevivência das farmácias independentes.
Em cidades como Araraquara, Itapeva, Arujá, Bragança e Mogi das Cruzes, os consumidores já poderão ver a bandeira Fazfarma em algumas farmácias.
“Ainda estamos em fase de formatação da franquia. Das 40 farmácias do grupo, menos de dez ainda não utilizam a marca. A ideia é ampliar esse número a partir do segundo semestre”, afirma Peixoto, diretor de expansão da Fazfarma.
Falhas na gestão de estoques, na política de preços, no mix de produtos, no atendimento ao consumidor e no treinamento dos vendedores estão tirando as pequenas farmácias do mercado, de acordo com Peixoto.
Por meio da franquia, e com a orientação de profissionais, os comerciantes, diz ele, terão a oportunidade de corrigir tudo isso.
Assim como em outros setores do comércio, o cliente da farmácia também quer experiência de compra, e não apenas ir até a loja para comprar um medicamento.
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Ligos, dono da Bom Pastor, sentiu isso quando passou a oferecer bolo e cafezinho fresco toda a tarde para os clientes e dar treinamento para os vendedores. O esforço valeu.
O farmacêutico tem pelo menos 250 clientes fiéis e ativos, isto é, que compram todo o mês em sua loja. “É preciso tirar do consumidor o desejo e as vontades não declaradas.”
Em 2014, ele participou de um grupo de alunos do Senac que fez uma pesquisa para identificar os desafios das farmácias independentes diante do novo perfil do consumidor.
Após ouvir as pessoas no Parque do Ipiranga, o grupo de alunos constatou que preço ficou em quarto lugar nas citações dos entrevistados.
Os consumidores disseram que compravam em loja independente de bairro, primeiramente, porque a farmácia tinha o produto e o serviço que eles necessitavam.
Em segundo lugar, eles mencionaram o atendimento e, em terceiro, a conveniência. O dono de farmácia tem de prestar atenção em tudo isso”, diz.
Isso não quer dizer que o cliente não se importa mais com preço. Com o orçamento mais apertado, o consumidor vai pedir desconto nos preços dos medicamentos.
Marcos de Souza, proprietário da rede Interdroga, com seis lojas em São Paulo (ele chegou a ter oito), diz que o consumidor já começou até a cortar a compra de medicamentos.
Em vez de adquirir toda a lista de remédios indicada na receita, o consumidor só leva o que é mais essencial para resolver o seu problema. “Quem comprava por impulso, também não compra mais”, diz Souza.
O que a pesquisa feita pelos alunos do Senac revela, de acordo com Ligos, é que o consumidor agora quer mais do que preço para ser fiel a uma farmácia.
Vale a pena, de acordo com os lojistas que vão operar com a bandeira Fazfarma, lutar para manter o espaço no comércio de medicamentos, um mercado que deve chegar a R$ 77 bilhões neste ano, de acordo com previsão da IMS.
O Brasil ocupa a sexta posição no ranking dos 20 maiores mercados mundiais de farmácias, perdendo somente para EUA, China, Japão, Alemanha e França. Para 2018, a projeção da Abrafarma é que o país alcance a quarta colocação.