Economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do BC, morre aos 84 anos
Conhecido por seu papel nas negociações da dívida externa na década de 1980, e por suas análises econômicas que são referência até hoje, Pastore era um ferrenho defensor do controle da inflação

*Karina Lignelli com informações do Estadão Conteúdo
Uma carreira estruturada na academia, como gostava de afirmar, mas com diversas passagens pela administração pública. Este breve currículo do economista Affonso Celso Pastore, 84, que morreu nesta terça-feira, 21/2, dá apenas uma vaga ideia de sua longa trajetória, baseada em um perfil totalmente "ortodoxo" e "sem concessões" na economia, na visão de alguns de seus pares, além do constante rigor na defesa do controle da inflação.
Natural de São Paulo, onde nasceu em 19 de junho de 1939, formou-se na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), onde cursou graduação, pós-graduação e realizou a Livre Docência, tornando-se professor titular e diretor.
Nos anos 90, lecionou na pós-graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e também no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).
Sua vida na administração pública começou em 1966, quando integrou a equipe de assessores do Ministério da Fazenda comandado pelo economista Delfim Netto, seu ex-professor na USP. Na década de 1970, ficou à frente da Secretaria da Fazenda de São Paulo.
No começo de setembro de 1983, durante o governo de João Figueiredo, o último do período militar, Pastore assumiu a presidência do Banco Central convidado pelo então ministro da Fazenda Ernane Galvêas, durante o processo de renegociação de dívida externa.
Sua indicação foi vista com alívio pelo mercado financeiro na época já que, assim como seu antecessor, Carlos Langoni, o acadêmico da FEA/USP tinha trânsito junto à comunidade internacional, sendo considerado um nome forte para dar sequência às negociações da dívida com bancos e organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI), Clube de Paris e Banco Mundial, num momento em que o Brasil vivia crise no balanço de pagamentos.
"Entrei em meio a uma crise e fui o administrador dessa crise, não fui propriamente um presidente de Banco Central", disse. À época, o BC não tinha o mesmo status de hoje, sendo apenas uma divisão do Ministério da Fazenda.
Poucos meses após assumir o desafio de comandar o BC, Pastore e a área econômica conseguiram um acordo para empréstimo em janeiro de 1984. As reservas cambiais eram negativas em US$ 2 bilhões (conceito caixa, não de liquidez internacional) em setembro de 1983, mas no começo do ano seguinte o saldo era positivo em US$ 6 bilhões.
Foi preciso um processo para indexação e desvalorização cambial para estimular exportações e ajudar a equilibrar o balanço de pagamentos, mas que teve como trade off a explosão da inflação, que chegou a 100% ao ano. Com o país quebrado, ficou até março de 1985.
"A forma de resolver a crise externa nos empurrou para o câmbio real fixo na paridade de poder de compra, tendo como consequência a total impossibilidade de controlar a quantidade de moeda", disse, em entrevista à coleção História Contada do Banco Central do Brasil, de 2019, no volume dedicado a Pastore.
O economista dizia que sua grande frustração no BC foi não poder fazer política monetária, de responsabilidade do Conselho Monetário Nacional (CMN).
Na década de 1990, fundou a AC Pastore & Associados, consultoria em macroeconomia aplicada, junto com a esposa, também economista, Maria Cristina Pinotti, negócio ao qual se dedicava em seus últimos anos. Também passou pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e coordenou a área de pesquisas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
Para entender e explicar os fenômenos por trás dos processos de descontrole de preços no Brasil nas últimas décadas, se aprofundou em pesquisas que resultaram no livro Inflação e Crises - O papel da Moeda, lançado em 2014, considerado fundamental pela classe para os que querem estudar macroeconomia.
Suas posições firmes lhe renderam polêmicas, como o famoso atrito com o ex-presidente do Banco Central na gestão Dilma Rousseff, Alexandre Tombini, em março de 2015, sobre divergências quanto à entrega da inflação na meta de 4,5%.
LIGAÇÕES COM A ACSP
Contemporâneo de Affonso Celso Pastore, de quem foi colega na USP na década de 1960, Marcel Solimeo, economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), conta que, por ter concluído o curso dois anos depois dele, em 1963, chegou a ter aulas com o economista recém-formado, quando este foi assistente da FEA na cadeira de Estatística.
Solimeo também lembra que Pastore fez parte do Conselho Técnico do Instituto de Economia Gastão Vidigal da ACSP, na década de 1960, trazido por Delfim Netto, professor de ambos.
Além de apresentar diversos estudos no Instituto, ele também era colaborador da nossa revista Temas e Problemas, conta o economista, que atuava na ACSP naquele período.
"Ele sempre manteve essa ligação com a ACSP ao longo dos anos. É uma grande perda porque o Pastore era um dos economistas mais preparados tecnicamente. Sempre muito sério, ele não fazia média nem concessões e tinha posições muito firmes, agradando ou não", afirma Solimeo. "Além de prestar um serviço relevante ao Brasil quando foi presidente do Banco Central, por articular a negociação da dívida externa, nos últimos anos seus artigos no 'Estadão' e suas análises continuaram a ser referência no cenário econômico nacional."
Pastore estava internado na UTI desde sábado (17/02), quando passou por uma cirurgia após sofrer um acidente vascular cerebral. O velório acontece hoje, aberto ao público, das 13h às 17h no Cemitério do Morumbi (Zona Sul da Capital paulista).
Nota de Pesar
É com profundo pesar que a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) recebe a notícia do falecimento do renomado economista Affonso Celso Pastore, ocorrido nesta quarta-feira (21), em São Paulo. Figura notável no campo da economia, Pastore era um dos mais competentes economistas brasileiros por sua seriedade e amor ao Brasil.
Graduado e com doutorado em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), Affonso Celso Pastore foi membro do Conselho Técnico do Instituto de Economia da ACSP, assessor do secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Antônio Delfim Neto, e secretário dos Negócios da Fazenda de São Paulo.
A Associação Comercial de São Paulo expressa suas condolências à família, amigos e colegas, enaltecendo a importância e o legado deixado pelo economista Affonso Celso Pastore à sociedade brasileira.
IMAGEM: Marcos Oliveira/Agência Senado