Dinheiro tem, mas crédito não chega aos pequenos negócios. Entenda os motivos

Não é só a restrição no CPF ou CNPJ que impede acesso a financiamentos. Juros altos, burocracia e, principalmente, falta de garantias, são os fatores que mais atrapalham as MPEs quando precisam de recursos

Karina Lignelli
02/Jul/2020
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Dinheiro tem, mas crédito não chega aos pequenos negócios. Entenda os motivos

Desde os primeiros momentos da pandemia, quando o governo federal anunciou medidas emergenciais para socorrer pequenas empresas e MEIs (Microempreendedores Individuais), Paulo Roberto tenta ter acesso a financiamentos para cobrir a folha de pagamento e ajudar no fluxo de caixa da sua loja.

Proprietária de um misto de clínica estética e estúdio de pilates, Lígia também têm feito tentativas semelhantes para contornar os impactos das medidas restritivas, mas sem sucesso.

Com retração no fluxo de caixa que já ultrapassa 40% desde o início da pandemia, os pequenos negócios também enfrentam outra dificuldade para sobreviver: o acesso ao crédito.

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Uma pesquisa do Sebrae em parceria com a FGV, divulgada nesta segunda-feira (30/06), mostra que das 6,7 milhões de micros e pequenas empresas que solicitaram crédito entre 7 de abril e 2 de junho últimos, apenas 16%, ou 1 em cada 7 negócios, efetivamente conseguiu.

Entre as principais dificuldades citadas estão CPF com restrições (19%) e a negativação no CADIN/Serasa (11%). Mas outros 11% dos 7.703 empresários entrevistados apontaram um obstáculo muito comum ao dia a dia dessas empresas, antes mesmo da pandemia: a falta de garantias ou avalistas.

Para elas, a dificuldade de acesso ao crédito continua porque bancos "olham para frente", e no atual cenário o horizonte não é favorável, diz Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

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“Como as empresas menores não têm garantias, os bancos evitam emprestar”, afirma. "Mas o Banco Central e o Ministério da Economia têm estimulado fontes alternativas, como empresas de cartões, fintechs, etc."  

LIGIA, DO LM STUDIO: VÁRIAS SOLICITAÇÕES, NENHUMA RESPOSTA

A liberação de R$ 15,9 bilhões em recursos pelo governo federal desde 10 de junho pelo Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), que está demorando um pouco para chegar na ponta, diz Solimeo, deve ajudar um pouco. Pelo menos na questão das garantias.  

OUTROS ENTRAVES 

Outra pesquisa, realizada pela empresa de meios de pagamento PayPal em parceria com a Opinion Box e apresentada em maio último, mostra também o que leva os empreendedores a conseguir contratar ou não crédito no Brasil.

Realizado pouco antes do início da pandemia (entre 10 e 20 de janeiro, com 614 pequenos empresários), o levantamento revela outros entraves para obter crédito que continuam hoje, como altas taxas de juros (para 34% deles), burocracia do processo (28%) e a dificuldade em conseguir o valor necessário (12%).

A percepção, segundo Felipe Schepers, diretor executivo da Opinion Box, é o mercado não oferecer condições ideais de acesso a crédito, já que 54% acreditam que o dinheiro disponível é só para grandes empresas.

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“Para esse empreendedor, não há acesso nem opções de crédito adaptadas à sua realidade de negócios, e muita diferença entre o que está sendo ofertado e o que é demandado”, destaca. 

Entre os que informaram sobre por que não conseguiram crédito, a maioria (30%) não obteve sucesso por não ter conta no banco ou histórico de relacionamento com a instituição. Outros 22% não conseguiram demonstrar fluxo de caixa, 19%, por falta de documentação necessária, e 17%, por problemas com o CNPJ. 

Agora, muitos têm dificuldade até de acessar as linhas do governo formatadas para atender MPEs durante a pandemia, como Paulo Roberto Perelli, proprietário das Lojas Botafogo, com uma unidade em Presidente Venceslau e outra em Presidente Epitácio, ambas na região de Presidente Prudente (interior de São Paulo). 

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Com queda de 70% no faturamento entre março e abril, ele, que não conseguiu a linha de crédito para folha de salários, teve de demitir seis das 12 funcionárias, e reduziu em 25% jornada e salário de quem sobrou em seu comércio de vestuário e artigos de cama, mesa e banho – um dos segmentos mais atingidos pelas medidas restritivas.

“No pré-pandemia não tinha muito problema para obter crédito, a não ser as altas taxas de juros”, afirma. “Mas nessas novas linhas pós-pandemia é que encontramos dificuldades”, diz ele, que tentou também linhas para capital de giro, como o Pronampe, mas até agora, nada.

A demora para esse dinheiro chegar na ponta, conforme citou Solimeo, da ACSP, foi confirmada por Perelli: até agora, não achou nada disponível com taxas anunciadas pelo governo (1,25% mais Selic) nos bancos.

“É muita burocracia. Mas essa semana o gerente solicitou alguns documentos contábeis para agilizar o processo, então pode ser que estejam próximos de liberar alguma coisa.”

PERELLI, DAS LOJAS BOTAFOGO: DIFICULDADES PARA OBTER CRÉDITO EM LINHAS PÓS-PANDEMIA

Ao intensificar vendas pelo Facebook, Instagram, e adotando até drive thru e delivery, o lojista reduziu bastante a queda nas receitas nos meses de  maio e junho, de 70% para 30%.

Mas ainda está na expectativa de conseguir crédito. “É para ter tranquilidade de honrar compromissos nesse momento, e conseguir nos manter no mercado depois”, explica. 

FALTA DE INFORMAÇÃO 

Com apenas uma funcionária, Ligia Maria Chiconato, dona do LM Studio de Pilates e Estética, em Embu Guaçu (na Região Metropolitana de São Paulo) teve que fechar o espaço temporariamente após a implantação das medidas de isolamento social.

Sem atendimento, viu o fluxo de caixa despencar e tentou crédito junto ao Banco do Povo Paulista, fechado em sua cidade durante a pandemia, e em bancos privados. No primeiro, fez três solicitações pelo site desde 20 de março, enviou toda a documentação e não obteve resposta.

Já no caso dos demais bancos, por ser MEI e não ter faturamento fixo, não conseguiu o valor necessário para cobrir as despesas. E, infelizmente, precisou demitir sua funcionária.

“É nossa única fonte de renda (ela, esteticista, e o marido, professor de pilates, são sócios na clínica), e conseguir crédito para fluxo de caixa seria importante para retomar os negócios”, diz.

A pesquisa PayPal/Opinion Box mostra um dado significativo: entre os entrevistados que não conseguiram crédito nas instituições financeiras, como Paulo Roberto e Lígia, 47% jamais souberam as razões da recusa. 

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A falta de informação pelos bancos, que não dão treinamento necessário para esse crédito chegar na ponta ou para o empreendedor entender as razões da negativa é um grande obstáculo, segundo Maurício Wanderley Estanislau Costa, gerente técnico da FGV Projetos e responsável pela pesquisa de crédito do Sebrae.  

"O Sebrae está fazendo esse papel das instituições financeiras, interligando agentes públicos e privados e disponibilizando cartilhas para MPEs", afirma. “Mas se o pequeno negócio não tem educação financeira e não conhece seu negócio com detalhes, qualquer dinheiro pode trazer um malefício maior que a falta dele.”  

Outros dados da pesquisa PayPal apontam que o maior receio de contratar crédito é não conseguir pagar boletos em dia ou ficar inadimplente (36% na média, e 48% no caso de empresas com receita mensal até R$ 3.245). Já 24% temem investir o dinheiro de forma equivocada, e 16% de não entender as regras da operação. 

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Do pequeno comerciante ao escritório de contabilidade, aqueles que tomam dinheiro emprestado para se recuperar e gerar receita, mas tiverem dificuldade para pagar, "é melhor fechar a empresa do que dever para o banco. Ou a empresa não consegue mais girar”, alerta o gerente técnico da FGV Projetos.  

No último dia 6, Lígia reabriu de acordo com o decreto municipal, que por enquanto só autoriza a operação estética, e trabalha para recuperar o prejuízo atendendo uma cliente por vez, com horário marcado e seguindo os protocolos sanitários. “A minha expectativa é que tudo isso normalize logo”, finaliza. 

FOTOS: Thinkstock e Arquivo Pessoal

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