Correspondentes bancários movimentam R$ 3 bi no mercado de crédito consignado

Gabriel Ramalho organizou o workshop Corban 360º, evento que destacou o desafio de mudar o estigma que a categoria carrega de fraudar aposentados

Karina Lignelli
05/Jun/2025
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Correspondentes bancários movimentam R$ 3 bi no mercado de crédito consignado

Os 'pastinhas' viraram empreendedores de sucesso: oficialmente conhecidos como correspondentes bancários, ou 'corbans', esses profissionais são aqueles agentes que trabalham como intermediários entre bancos e clientes, principalmente em operações de crédito consignado e, mais recentemente, com o empréstimo que tem garantia do FGTS. 

Empreendedora por oportunidade ou até por necessidade, a princípio, a categoria, que vem se profissionalizando desde que a modalidade consignado foi regulamentada (Lei 10.820, de 2003), também se destaca pela capilaridade ao levar crédito às regiões mais afastadas do país.   

Além dos 'corbans', as promotoras de crédito, as fintechs, os executivos de finanças e profissionais que atuam direta ou indiretamente com crédito, seguros, FGTS e outros produtos são os principais players desse mercado, que cresce 30% ao ano e tem 228,4 mil pontos de atendimento no país, segundo dados do Sistema Gerenciador de Séries Temporais do Banco Central (de 2022). 

Como a demanda por crédito se mantém, tanto em tempos de crise como de crescimento econômico, a autorização dos correspondentes para atuar 100% online diminui custos para quem pretende desenvolver uma carreira na área e ampliar os ganhos com a remuneração gerada pelas comissões - o que abre outras oportunidades, especialmente para os microempreendedores individuais (MEIs)

Em tempos de crise no INSS devido aos descontos irregulares em benefícios, os 'corbans' se mantêm em movimento para mostrar que o segmento tem se organizado cada vez mais, e investido também em segurança de crédito e compliance para reforçar sua credibilidade - caso do Workshop Corban 360º, cuja 4ª edição foi realizada recentemente na capital paulista.

Idealizado pelo especialista Gabriel Ramalho, considerado referência nesse mercado, o evento recebeu mais de 3,5 mil participantes em dois dias de encontro. Também ofereceu um mix de atrações, de capacitação a novos produtos, passando por gestão estratégica, novidades regulatórias e anti-fraude, como a exigência de biometria para novos empréstimos. Tudo dentro da vertente do universo financeiro que deve movimentar R$ 120 bilhões em 2025 só com o Crédito do Trabalhador, o novo produto do Governo Federal, lançado em março.  

Empresário do ramo, Ramalho foi vendedor ambulante e começou sua carreira em uma financeira aos 17 anos, onde avançou como 'corban' até chegar à diretoria comercial. Hoje, aos 33, em sociedade com sua mulher, a advogada Anna Klein, comanda um ecossistema que fatura R$ 12 milhões e inclui a universidade Gerando Resultados, de capacitação para correspondentes bancários, a RK Soluções, de tecnologia para vendas, e a promotora de crédito GR. 

Se, por um lado, este é um mercado que ainda precisa de estruturação e capacitação em larga escala, segundo o especialista, por outro está extremamente aquecido: representa quase 50% de todo o crédito no país ao comercializar, em média, mais de R$ 3 bilhões de produtos em linhas como consignado privado, para aposentados, servidores públicos, cartões-benefício e até microcrédito para empreendedores individuais. 

“São mais de 200 mil CNPJs e de 2 milhões de pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, em um segmento extremamente rentável, que se profissionalizou e que conta com vários profissionais mudando de carreira e de vida pois se tornaram 'corbans' de sucesso.”

Victor Guidotti, vice-presidente do Grupo BYX, ecossistema de crédito colateralizado que integra os originadores de crédito (corbans) e os alocadores de capital, também foi expositor do evento. Ele lembrou o avanço desse mercado a partir de 2004 e o que mudou. Há 20 anos, puxado pelo nicho do crédito consignado do INSS, o segmento passou a concentrar bancos médios, que operavam por meio do correspondente bancário. 

Naquele momento, conta, o correspondente era só lotérica. De lá para cá, os médios foram comprados pelos bancos grandes: BMC pelo Bradesco, BMG pelo Itaú, Bonsucesso pelo Santander... e o modelo de correspondente se tornou mais relevante. As agências passaram a reconhecê-los, os bancos a comprar folha de pagamento, a atender consignado pelo INSS nas próprias agências, e hoje, 50% do mercado está com eles, lembrou. 

O que se vê agora é um novo modelo, que Guidotti chama de desintermediação. Ou seja, com o advento das SCDs (sociedades de crédito direto), passou-se a atender diretamente o cliente final pelo correspondente bancário, sem a necessidade de se estar vinculado a um grande banco. Por outro lado, os fundos, os alocadores de capital, também quiseram ficar mais próximos da origem, por isso foram em busca do apoio dos correspondentes.

"O Corban 360º mostrou isso: não se viu nenhum grande banco tradicional, mas fintechs e assets (que fazem gestão de carteira de investimentos) para atender os correspondentes e as alocadoras. Isso é desintermediação: o dinheiro chegando cada vez mais perto do cliente."

Como esse mercado se movimenta

Além da feira de negócios em si, o Corban 360º trouxe conteúdos práticos, painéis interativos, mentorias e um ambiente de networking, tendo entre os principais expositores players conhecidos do público como PicPay, C6 Bank, Banco Mercantil, Paraná Banco, Bevi e Aki Capital.

Também levou a expertise de correspondentes que contam com mais de 20 anos de mercado e evoluíram seus negócios, como BMP, Qualibanking e o Grupo BYX. Ou players mais novos, que já chegaram alavancados, como o J17 Bank e Amigoz Consig. 

Um dos pioneiros é Carlos Eduardo Benitez, CEO da BMP, que fundou a primeira startup financeira em 1999, a Credicarro, de financiamento de veículos. A partir daí, autorizado pelo Banco Central, criou a BMP em 2009, plataforma digital de soluções financeiras para atacado e varejo. 

Com clientes do porte do Mercado Livre e Americanas, ele, que começou a carreira como 'pastinha', visitando concessionárias de veículos para oferecer financiamento aos clientes, oferece pela BMP os BaaS (serviços de banco, na sigla em inglês, que permite que empresas não-financeiras ofereçam produtos financeiros a clientes, como lojistas em marketplaces), além de produtos de crédito e gestão e soluções de cobrança.

Pioneiro nesse mercado, Benitez, ex-jogador de basquete e ex-'pastinha', criou a Credicarro em 1999, primeira startup financeira, antes de fundar a BMP, em 2009 (Imagem: Karina Lignelli)


Benitez também destacou a capilaridade da atuação dos 'corbans' por chegar "onde os grandes bancos não chegam", e que o mercado evoluiu com a tecnologia e a inovação, melhorando as experiências do usuário. "Elas fizeram com que produtos, que antes eram mais difíceis de serem vendidos por representantes, hoje cheguem à ponta com mais facilidade."

Por isso, explicou, as tendências de fechamento de agências bancárias, da transformação digital do mercado e de redução de custos fazem com que cada vez mais produtos sejam distribuídos pelos correspondentes, em estruturas fora do balanço dos bancos e em ambientes de securitização. Estes ficaram mais corporativos, por isso precisam mais dos 'corbans'.

"Os correspondentes têm que se preparar para essa demanda que vai existir, fazer pesquisa de mercado para saber onde seu produto tem mais aderência e até montar equipes. E diversificar, igual a uma carteira de investimentos, para o negócio se perpetuar. Eles não podem ficar nas mãos de uma situação que não controlam - como um incremento de spread, por exemplo. Principalmente se for um 'corban' que vive de comissão", disse Benitez. 

Há oito anos no mercado, João Nicastro, que começou a carreira empreendedora como vendedor de geladinhos, hoje é diretor-presidente do paranaense J17 Bank. Chegou ao cargo de gestão em RH e na área financeira, usou R$ 10 mil de rescisão para montar seu negócio e conseguiu transformá-lo em uma instituição financeira autorizada pelo BC, que movimenta R$ 100 milhões e tem 8 mil 'corbans' parceiros no Brasil.

Sua empresa aproxima o pequeno correspondente, do interior do país, dos grandes bancos, dos fundos, do capital mais restrito. "São casas muito fechadas, o correspondente nunca teria esse acesso. Nosso papel é colocá-lo na frente do banqueiro para encurtar esse caminho e melhorar sua comissão. Nosso slogan é 'da Faria Lima para o interior', pois com a nossa plataforma tecnológica eles conseguem operar em todo o Brasil."

Fraudes e irregularidades são desafios

O assédio telefônico e os esquemas de golpe em aposentados e pensionistas, que acabaram por marginalizar e até estigmatizar quem trabalha com esse tipo de produto, são os principais desafios do mercado de 'corbans'. A recém-descoberta fraude milionária, de associações que faziam descontos indevidos nos benefícios pagos pelo INSS, finalmente levou ao endurecimento das regras para concessão de empréstimos. E, em consequência, os players do mercado a investirem mais em tecnologia, segurança da informação e até capacitação da equipe. 

Dados da Pesquisa Febraban de Tecnologia Bancária de 2024 apontam que as instituições financeiras investem 10% do orçamento, ou cerca de R$ 3,5 bilhões por ano, em tecnologia de segurança. Nesse sentido, Wellington Oliveira, outro pioneiro do segmento de 'corbans', onde atua desde 2004, CEO da especialista em crédito consignado para aposentados Qualibanking, do Grupo QualiConsig, reforçou a importância de existirem encontros como o Corban 360º, não só para mostrar quem são os players, mas também para ajudar a reforçar a idoneidade e os investimentos em segurança de quem trabalha sério nesse mercado. Especialmente nesse momento de crise de confiança, como a do INSS.

"Historicamente, nosso segmento ficou meio estigmatizado por 'enganar velhinhos'", afirmou. "Mas, além do salto tecnológico, o empreendedor desse segmento hoje tem formação acadêmica, regulatória... E as mudanças que o governo está fazendo são fantásticas, porque vão fazer os maus praticantes do mercado saírem. Não tem mais espaço para fraude." 

Ele, que comanda o grupo junto com sua esposa, a COO Emilly Siqueira, disse também que o Qualibanking já tem um projeto chamado Na Estrada, que promove ações de imersão de correspondentes bancários nas principais capitais, para capacitá-los "sobre as melhores práticas e democratizar ainda mais o crédito mais barato do país", concedido a quem tem renda fixa e garantias atreladas ao salário ou benefícios. 

"Temos que zelar pela modalidade, porque crédito com juros de 1,85% você não encontra em nenhum produto financeiro do país", disse Oliveira, que pensa em levar aposentados e pensionistas ao Corban 360º em 2026 para contarem suas experiências com o crédito. “Meu sonho é trazer mais pessoas para conhecerem o nosso mercado. Eu mesmo quero dar palestra, pois eles precisam saber que correspondente bancário no Brasil é sério.”

Dizendo que hoje "não há mais assaltante de banco, mas assaltante de tecnologia", João Nicastro, do J17, contou que a conversa recorrente com parceiros é: cuide da sua casa, porque o bandido não está mais na porta do banco. "Ele procura alguém com brechas na estrutura para assaltar, roubar dados do seu cliente", alertou. 

Ele lembrou que a ponte com os grandes fundos encurtou, o mercado vai ficar mais competitivo, e há uma nova operação que os bancos não vão 'segurar' (o Crédito do Trabalhador). "Por isso, não tem jeito: no nosso mercado, investir em segurança é essencial."

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