Confiança e convivência
É preciso que os membros conscientes da sociedade, independentemente de suas posições atuais na disputa política, comecem a se articular, procurando criar entre os grupos contrários uma zona de convergência
Alain Peyrefitte, sociólogo francês, escreveu volumoso estudo intitulado "A Sociedade da Confiança", publicado no Brasil pelo Instituto Liberal, que analisa as causas da "Riqueza das Nações", e no qual manifesta a opinião de que o elo mais forte e mais fecundo que conduz ao progresso é aquele que tem como base “a confiança recíproca... entre os cidadãos de uma mesma pátria”.
A Sociedade da Confiança traz uma valorização moral do desenvolvimento, demonstrando que ele não vem de um acontecimento exterior, mas de uma disposição interior - como um combate dentro de cada um de nós, uma luta para substituir a resignação pela energia, a rotina pela invenção. Afinal, o que coloca uma sociedade em movimento é o homem centrado em si, no caminho da construção de um mundo em que a satisfação das suas necessidades materiais e o desenvolvimento das suas aspirações possam beneficiar a si e aos outros com progressos constantes."
Para isso é preciso a existência de instituições que garantam o respeito aos contratos e a estabilidade das regras. Também é necessário que os governos privilegiem a liberdade para que a iniciativa da população possa produzir a inovação e o crescimento.
Mas, como advertem Steven Levitsky e Daniel Ziblatt no livro “Como as Democracias Morrem”, as normas legais que regem a vida do país não serão suficientes para garantir a governabilidade e o progresso se não contarem com um grau de adesão voluntária da maioria da sociedade, que com elas se identifique, e as defenda.
É preciso que as “normas não escritas”, regras aplicadas por consenso e a tolerância mútua funcionem como “grades flexíveis de proteção da rede institucional.”
Assiste-se no Brasil nos últimos anos, mesmo antes do processo eleitoral, a um movimento sistemático de corrosão da convivência social e, portanto, da confiança entre os diversos grupos que compõem a sociedade, exacerbando a disputa política para além das divergências de opiniões e posições, como se houvesse uma incompatibilidade irreconciliável.
Não se trata apenas de debates de opiniões sobre questões econômicas, programas públicos ou propostas, mas visões distintas sobre pontos fundamentais.
As redes sociais, em vez de funcionarem como fator de interação, exacerbam as polêmicas e criam grupos ou “tribos” cujas posições se auto alimentam permanentemente. O sentimento de pertencimento e de participação nos grupos se torna maior do que o de nação ou sociedade. Perde-se a coesão social, a noção de pátria e dos valores básicos que fazem da população uma sociedade.
Para o filosofo sul-coreano Byung Chul Han, no seu livro “A Sociedade da Transparência”, a obsessão com a transparência se manifesta não quando se procura a confiança, mas, precisamente, quando ela desapareceu, e a sociedade aposta na vigilância e no controle”. É uma sociedade transparente e expositiva, onde as relações são trocadas pelas conexões, e não nos aproximam, pois eliminamos os que diferem de nossas concepções. Segundo ele, estamos substituindo o rosto humano pela face (a imagem na tela) que é plana e rasa.
Estamos criando no Brasil, o que Alain Peyrefitte chama de sociedade da desconfiança. “A sociedade da desconfiança é uma sociedade temerosa, ganha-perde: uma sociedade na qual a vida em comum é um jogo cujo resultado é nulo, ou até negativo (ganha\perde); sociedade propícia à luta de classes, ao mau viver nacional e internacional, à inveja social, ao fechamento, à agressividade da vigilância mútua.”
É preciso que os membros conscientes da sociedade, independentemente de suas posições atuais na disputa política, comecem a se articular, procurando criar entre os grupos contrários uma “zona de convergência”, a partir da qual se vá ampliando o espaço para diálogo, e para restabelecer a Sociedade da Confiança, e promover o grande salto de desenvolvimento com inclusão que o Brasil precisa.
IMAGEM: Freepik