Como os pequenos negócios podem dar 'match' no crédito
Marketplaces geridos por fintechs oferecem soluções que conectam quem precisa de dinheiro a instituições prontas para liberá-lo rapidamente, com custos menores e menos burocracia
Um menu variado, só que de ofertas de empréstimo. E com possibilidade de comparar taxas e condições, com menos burocracia para liberar o crédito. É esse diferencial que algumas plataformas, geridas por fintechs, têm oferecido aos micro e pequenos negócios que precisam de dinheiro rápido.
A dificuldade das micro e pequenas empresas em conseguir financiamento via bancos tradicionais na pandemia acelerou a expansão de modelos de negócio disruptivos, como os marketplaces de crédito.
Dados do Banco Central apontam que, de janeiro a dezembro de 2020, o montante destinado às pequenas empresas subiu 46%, e para micros, 30%, totalizando quase R$ 300 bilhões, segundo Francisco Ferreira, diretor da Associação Brasileira de Crédito Digital (ABCD).
LEIA MAIS: MPEs devem metade do que faturam por mês
A expansão de novos players, como fintechs, bancos digitais e até adquirentes que, sozinhos ou compondo o mix de financeiras dessas plataformas, é que ampliou as opções para o pequeno negócio tomarem crédito, além de contribuírem, obviamente, para o aumento desse saldo, diz Ferreira.
No caso dos marketplaces, além das várias instituições financeiras competindo pelo mesmo cliente, a vantagem é que funcionam como uma espécie de buscador de melhores taxas e condições. Por isso, segundo o diretor da ABCD, é "menos difícil" ter acesso ao crédito por meio dessas plataformas.
"É um processo ágil, que não envolve papel, nem deslocamento a uma agência bancária, já que o pedido pode ser feito a qualquer hora e em qualquer dia da semana", explica.
VITRINE DE CRÉDITO
Lojas que oferecem produtos semelhantes, porém com preços diferentes e possibilidade de escolha. Esse é o conceito de "vitrine de crédito" da AAX Digital. No mercado desde 2012, o marketplace registrou alta de 500% nos pedidos de crédito em 2020, e ampliou a carteira de clientes em 200%, diz o CEO André Avelino.
A situação financeira crítica de muitos pequenos negócios, com o atraso de programas de acesso ao crédito como o Pronampe, do governo federal, ou as condições extremamente seletivas impostas pelos grandes bancos levaram muitas empresas a apelarem para o cheque especial, crédito pessoal ou até agiotas, afirma.
Por isso, a estratégia na AAX se baseia em atender pequenos negócios de forma consultiva, analisando caso a caso, e fazendo as vezes do cliente para entender quais as suas necessidades. Também fica atenta às linhas do governo, já que o pequeno empresário, em geral, é o "último a saber", diz.
"Conseguimos nos ligar a diversos players para distribuir o pedido destes clientes pequenos na rede, e assim obter êxito no atendimento", explica Avelino. "Apenas em situações complicadas de apontamentos extremamente negativos é que não obtemos sucesso na busca do crédito."
Desde sua fundação, a AAX, que conta com funding próprio e mais de 60 parceiros entre bancos e fundos, movimentou R$ 2 bilhões, com desembolso de R$ 1,7 bilhão em créditos e serviços financeiros.
INOVAÇÃO + PARCERIAS
Já a Nexoos, plataforma de crédito com foco exclusivo em pequenos negócios, que opera no modelo marketplace landing, ou seja, que conecta empresas a investidores, e é a primeira sociedade de empréstimos entre pessoas do país (SEP), financiou mais de R$ 530 milhões desde seu início, em 2016.
Em 2020, apesar da pandemia, a fintech transacionou mais de R$ 200 milhões com novos produtos, para reforçar as estratégias que atendem à demanda das PMEs por crédito.
Entre eles, o CaaS (Credit as a Service), que em colaboração com grandes empresas, como a Partage Empreendimentos, acelerou o serviço de crédito para cadeias produtivas.
LEIA MAIS: Comerciantes são os que mais pedem socorro aos bancos
Parcerias com outras instituições, como o Sebrae-SP, por meio do Programa de Crédito Retomada, ajudaram a repassar R$13 milhões a empreendedores do Estado de São Paulo. Já o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (PEAC-Maquininhas), atingiu o montante de R$ 85 milhões transacionados.
Daniel Gomes, CEO e fundador da fintech, afirma que esse crescimento, mesmo diante da crise sanitária global, "reforça nossa posição como instituição financeira e plataforma líder em crédito para PMEs.”
Com taxas de juros a partir de 1,14%, prazos de pagamento até 24 meses e financiamentos entre R$ 15 mil a R$ 500 mil, a expectativa da Nexoos é crescer 200% em volume transacionado ante 2020.
A UM CLIQUE DE DISTÂNCIA
A iCertus é outra fintech, criada para "reduzir a mortalidade das pequenas indústrias" via acesso ao crédito, segundo o CEO Fábio Ieger.
Criado pela Certus Software, o marketplace acaba de liberar R$ 1 bilhão em créditos via antecipação de recebíveis não só para esse público, mas também para MEIs (Microempreendedores Individuais).
A plataforma libera recursos mediante vinculação ao uso da plataforma de gestão Certus, que oferece administração de compras, finanças, comercial, estoque e emissão de NFs, com versão gratuita para pequenas empresas que emitem até 20 notas fiscais mensais. Feito o cadastro, é realizada a análise de crédito.
A cada emissão de nota, a plataforma já libera o valor para recebimento à vista, independente se a venda foi parcelada ou não - crédito concedido sem burocracia, e sem "empurra" de serviços e produtos financeiros, segundo Ieger. "O dinheiro cai na conta em até 30 minutos, a um clique de distância", diz.
Com a opção de diminuir as taxas de juros a cada vez que o marketplace é utilizado, a Certus prevê transacionar R$ 5 bilhões em crédito em 2021, sendo R$ 4 bilhões na iCertus, e mais R$ 1 bilhão em desconto de duplicatas com ajuda de parceiros como o BTG Pactual, "para dar fôlego à pequena indústria", diz o CEO.
EMPECILHOS CONTINUAM
Mesmo com as mudanças aceleradas pela digitalização, a dificuldade de acesso ao crédito ainda é uma realidade para os pequenos negócios.
Pesquisa recente da fintech americana Intuit QuickBooks aponta que 68% dos negócios estavam com as finanças comprometidas na pandemia, e apenas 1 em cada 4 conseguiu contratar crédito nesse período.
A falta de gestão financeira, a negativação, assim como a falta de informações sobre ferramentas que ajudam a melhorar o score, como o Cadastro Positivo, continuam a ser empecilhos para as micro e pequenas empresas que precisam de crédito, diz Francisco Ferreira, da ABCD.
LEIA MAIS: Dinheiro tem, mas crédito não chega aos pequenos negócios. Entenda os motivos
E a falta de garantias, claro. "Há o problema da insegurança jurídica, que impede que garantias sejam executadas, por exemplo. Ou seja, há entraves regulatórios que tornam o mercado brasileiro complexo, e impede que pessoas e empresas tenham acesso ao crédito", destaca.
André Avelino, da AAX, que atende clientes de todos os portes, sendo que 19% do total são pequenos, diz que, em ambientes de crise, compilar agentes financeiros fica difícil para todos os tamanhos de empresa. Mas em diferentes proporções. "As grandes ainda são assediadas; já as pequenas, nem isso."
Ele lembra que, mesmo num hub de soluções como o marketplace, que ajuda esse pequeno negócio a pular etapas para tomar crédito, e onde o risco é compartilhado entre os players, o método de análise é o mesmo.
Garantias, tempo de atuação no segmento, região em que está alocado, histórico de performance, negativação atual nos órgãos de proteção ao crédito e se tem ou não alto ou baixo score, explica o CEO da AAX.
LEIA MAIS: 5 razões para os pequenos negócios terem crédito recusado
Mas, nem todos os créditos terão que ter o colateral da garantia real, diz. É preciso entender o negócio, o segmento, como pretende escalá-lo, habilidades e diferenciais, onde empenhará o dinheiro...
"Quanto mais preparado, mais oportunidades de crédito são abertas, uma vez que este empresário irá se apresentar com maior profissionalismo diante do seu agente financeiro", sinaliza.
FOTOS: Freepik, Divulgação e Marcelo Almeida (Fábio Ieger)