Como o aplicativo de descontos do Pão de Açúcar deve mexer com o varejo
Copiar a estratégia do gigante do varejo pode não ser a melhor opção para pequenas empresas. Há outras maneiras de agradar a clientela, como a promoção que oferece crédito para celulares pré-pagos
Recentemente, o Grupo Pão de Açúcar (GPA) fez um anúncio que pode chacoalhar o mercado e mudar – para melhor – a maneira como os supermercadistas tratam seus consumidores.
A empresa lançou uma nova funcionalidade, batizada de Meu Desconto, para oferecer promoções personalizadas para clientes cadastrados nos programas de fidelidade das marcas Pão de Açúcar e Extra.
Para ter acesso aos descontos, o consumidor precisa ser membro dos programas de benefícios Clube Extra ou Pão de Açúcar Mais. O Meu Desconto é uma aba que integra os apps. Em menos de 20 dias, houve quase 1,7 milhão de downloads dos aplicativos.
A proposta do Meu Desconto é esmiuçar o comportamento do consumidor e oferecer descontos exclusivoss em itens com maior aderência ao seu estilo de compra. Serão 30 ofertas novas a cada duas semanas. Até agora, os descontos foram de 15% a 50%.
De acordo com o próprio GPA, por mês, em média, o consumidor vai a sete mercados diferentes e gasta R$ 1.000,00 – desse montante, 20% são em lojas do grupo.
Ao oferecer desconto, a intenção da empresa é fazer com que o cliente passe a ir mais a lojas do grupo em detrimento de outras bandeiras.
A empresa também comunicou que, no longo prazo, pretende transferir o investimento em promoções de massa, como as de tabloides, para ofertas personalizadas.
De acordo com Fernando Gibotti, especialista em varejo e diretor da GS Group, empresa que cria tecnologias e opera programas de benefícios para pequenas e médias empresas, o app trará enormes benefícios para o GPA.
Além do aumento das vendas e frequência de compra, típico de um programa de fidelidade, ao cruzar as informações de identificação do cliente, dados do carrinho e aderência às promoções, o GPA poderá influenciar novos hábitos de compra em seus consumidores.
A empresa poderá identificar os produtos que costumam integrar uma cesta de compra de determinado perfil de consumidor. Por exemplo, quem compra uma garrafa de Coca-Cola costuma comprar também macarrão instantâneo.
A partir daí, outros clientes que consomem Coca-Cola poderão receber ofertas de macarrão instantâneo, mesmo que nunca tenha comprado o item, pois os algoritmos já terão entendido que existe uma alta correlação entre os produtos em sua base de usuários.
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PARTICIPAÇÃO DOS FORNECEDORES
O app do GPA vai permitir que os fornecedores também disparem promoções de seus produtos para determinados grupos – sem a intermediação do supermercadista.
“Já estamos com mais de 200 empresas, dentre as principais marcas da indústria, apoiando o Meu Desconto e utilizando a ferramenta para oferecer descontos diretamente aos clientes dos nossos aplicativos”, afirmou em comunicado Renato Camargo, gerente de fidelidade do GPA.
De acordo com Gibotti, a vantagem para a indústria será ter acesso aos hábitos de compra no ponto de venda – o que por só já é valioso devido os dados poderem ser usados para aprimoramento e criação de produtos.
O fabricante também terá controle sobre o estoque da loja, o que permite evitar a falta de produtos na gôndola. Ao mesmo tempo, a indústria poderá criar promoções de produto com baixa saída.
Em regiões onde possui baixa participação de mercado, o fabricante poderá criar ofertas mais agressivas para abrir caminho para uma possível mudança de predileção de marca.
Com o Pão de Açúcar ratificando os anúncios, o próprio mercado terá que garantir que o consumidor encontre os produtos na loja. Então, itens que estão no app poderão ter maior exposição nas lojas – o que também ajuda a aumentar o market share do fornecedor.
E qual será a contrapartida?
“Geralmente, os fabricantes pagam aos supermercados para ocupar posições de destaque na loja, como pontas de gôndolas e corredores de caixas”, afirma Gibotti. “O acesso à base de dados dos consumidores também costuma ser cobrado.”
O QUE O GPA NÃO FEZ, MAS O PEQUENO VAREJO PODE FAZER
Atualmente, tecnologias usadas pelo GPA estão acessíveis para pequenas e médias empresas.
Mas, antes de cogitar oferecer descontos a torto e a direto, é necessário descobrir o que o seu cliente valoriza em programas de benefícios.
“Percebemos que dependendo da classe social, idade e região, a expectativa de benefício muda muito”, afirma Gibotti.
Por exemplo, em mercados do interior de São Paulo em áreas de baixa renda são valorizadas promoções que dão créditos de celular pré-pago a cada compra. Em locais de alta renda, esse tipo de promoção não faz sentido, pois os clientes costumam ter planos de telefonia.
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Ao mesmo tempo, pessoas que gostam de jogos e sensação de risco e surpresa tendem, em vez de desconto numa próxima compra, preferir promoções baseadas em sorteios de itens de alto valor, como as que os shoppings realizam no Natal.
Por sua vez, restaurantes que atendem funcionários de empresas na hora do almoço costumam oferecer benefício em que o cliente acumula pontos e troca por refeições. A tática serve para acostumar o cliente a ir sempre ao mesmo lugar, uma vez que há muitas opções de restaurantes na mesma região.
Em todos os casos, a vantagem para o pequeno varejo, devido operação com menor complexidade e abrangência geográfica limitada, é a possibilidade conduzir pesquisas para identificar o que seu consumidor valoriza.
Posteriormente, o empreendedor pode testar (e arriscar) diferentes modalidades de benefícios – o que é mais difícil para o GPA devido a grande capilaridade de lojas, perfil de consumidor heterogêneo e necessidade de alto volume de investimentos.
IMAGEM: Thinkstock, divulgação e Jacques Lepine/Estadão Conteúdo