Como as cooperativas de crédito podem auxiliar o pequeno produtor
Em um ano de alta nos preços dos insumos e quebras de safra devido ao clima, entidades como a Sicoob treinam cooperados para melhorar gestão, produtividade e garantir perenidade nos negócios
Em 2022, mesmo com a estiagem no Sul do país, que levou à perda de 70% das lavouras do Sul e Cone Sul (inclui Argentina, Uruguai e Paraguai), a produção do agronegócio brasileiro está estimada em R$ 1,227 trilhão, segundo a Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Mas, ainda que o agro seja um vetor crucial de crescimento econômico, há vários desafios a enfrentar neste ano. O primeiro são o aumento nos preços de insumos como fertilizantes que, devido a fatores como a disparada do dólar e o conflito entre Rússia e Ucrânia, que correspondem a 35% dos custos de produção.
Outro são os 60 millhões de hectares de terras degradadas, principalmente por fatores como o clima, que precisam ser reconstituídas, segundo dados do Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Para mitigar esses e outros problemas, uma das soluções é o crédito rural. Mas a realidade é mais impactante: a falta de acesso, que afeta pelo menos 40% dos agricultores, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Em especial os pequenos e médios negócios, geralmente de agricultura familiar.
Enquanto o setor financeiro consegue atender apenas 55% essa demanda, com recursos do Plano Safra do governo federal, cooperativas de crédito correm por fora para auxiliar essa fatia de produtores com ações de governança, melhora da produtividade e até laboratórios de inovação para ampliar o acesso ao crédito.
O assunto foi tema da palestra híbrida "Transformações e desafios para 2022", ministrada por Walmir Fernandes Segatto, CEO da Sicoob Credicitrus, braço da cooperativa de crédito voltado ao setor, e realizada pelo Conselho do Agronegócio da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) na última segunda-feira (18/04).
Dando um panorama desse cenário, Segatto citou três pilares que devem ser acompanhados de perto para enfrentá-los desafios - como o climático, não-controlável, que precisa de mitigadores como seguros de proteção.
Também mencionou o pilar preço, oferta e demanda, também não-controlável, mas que pode ser contornado trazendo operações de hedge (espécie de rede de proteção financeira para travar preços em bolsas de mercado futuro) para dentro das fazendas. "O pequeno ainda não domina, mas é outra oportunidade de mitigação."
O último e o principal pilar, segundo o CEO, é a gestão que está na mão desse produtor e que precisa trabalhar o custo, montar o planejamento financeiro, de produção, de safra e de pessoas.
Pensando nisso, passou a fazer investimentos constantes em ESG para melhorar indicadores de produtividade e gestão dos cooperados.
E facilitar o acesso ao crédito, claro. "Esse é o terceiro pilar: ensinar como as pequenas e médias podem partir para uma governança mais estabelecida pensando em sucessão, constituição de poderes e tomadas de decisão." Hoje, a Credcitrus destina 1,5% dos resultados para trabalhar nessa linha ESG, e 7% na parte educacional.
Entre as ações, estão as ligadas à "E" (environmental), como a que liberou R$ 197,4 milhões para mais de 3 mil contratos de cooperados que optaram por investir em energias renováveis.
Ou ao "S" (social), que correspondem aos R$ 28 milhões destinados a fundos de investimento social e cultural, que geraram R$ 3,157 bi em resultados aos cooperados com economia de juros, encargos e tarifas sobre o crédito. E ainda, no "G", com a criação dos conselhos administrativo e fiscal, ouvidoria e canais de conduta ética.
Há também programas como o "Mil cooperados empreendedores" realizados em parceria com entidades como o Sebrae e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), que qualificam pequenos produtores para se perenizarem no agro além da recursos. "Hoje é imperativo, ou o produtor rural fica suscetível por falta de governança."
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'PULVERIZAÇÃO' DO CRÉDITO
Esse trabalho é parte dos desafios do cooperativismo como um todo colocado pela agenda BC#, do Banco Central, para 2022, segundo Segatto, já que a ideia é democratizar ainda mais o acesso ao crédito para os pequenos.
Entre eles, estão o aumento de 24% para 40% de participação de crédito tomado pelos cooperados no Sistema Nacional de Cooperativismo de Crédito (SNCC), assim como o aumento de 8% para 20% de participação das cooperativas no crédito fornecido pelo Sistema Financeiro Nacional (SFN).
A ideia principal é ampliar a participação dos cooperados de faixas mais baixas que ganham até 10 salários mínimos de 1/3 para metade do total, e a participação do crédito concedido para eles de 26% para 35%.
Segatto reforça que a iniciativa prevê atingir essas camadas mais baixas para estimular quem teria dificuldade de acesso a atuar como sócios, e participar de um volume muito maior de crédito, explicou. Sem contar a nova linha do Pronampe, de R$ 50 bilhões, que vai atingir esse público-alvo tendo as cooperativas como "repassadoras".
"Ampliando o empoderamento desses pequenos, eles vão atingir outro nível de participação societária - o que deve estimular outros", afirmou. "E as associações comerciais, que vivem esse varejo da ponta, essa proximidade com o pequeno produor do agronegócio, podem e devem participar dessa iniciativa."
Com linhas de crédito que vão de custeio agropecuário e capital de giro, passando por aquisição de máquinas e equipamento e até de proteção, correção e recuperação de solo, a Credicitrus liberou R$ 8,7 bilhões entre 2016 e 2022 para quase 30 mil contratos, sendo que mais de um terço desses recursos eram dos próprios cooperados.
A palestra de Segatto contou com a participação de Cesário Ramalho e Antônio Julião Junqueira Queiróz, presidente e integrante do Conselho do Agronegócio da ACSP, e do seu primeiro vice-presidente Roberto Mateus Ordine.
FOTO: Thinkstock e Marcelo Picolo