Butiques enfrentam falta de peças em plena troca de coleção

Importadores reduziram as compras do exterior e confecções dão preferência para quem compra grandes volumes, de acordo com lojistas. Preços de tecidos chegaram a dobrar

Fátima Fernandes
17/Mar/2022
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Butiques enfrentam falta de peças em plena troca de coleção

O desarranjo nas cadeias de produção, decorrente da pandemia do novo coronavírus, está atingindo em cheio butiques bem na hora de lançar a coleção de inverno.

Confecções e lojas não conseguem adquirir ou produzir volumes suficientes para atender a demanda da clientela que, aos poucos, volta a circular por ruas e shoppings de São Paulo.

“Há atrasos nas entregas porque a produção diminuiu e porque a preferência é por lojas que adquirem grandes volumes”, afirma Jacqueline Klein, sócia-proprietária da The House.

Butique localizada em Higienópolis, a The House costuma comprar peças prontas de lojas do Bom Retiro, para colocar a sua marca, e de grifes convidadas a expor modelos em consignação.

“Neste momento, falta produto para o pequeno lojista e, quando tem, os preços estão altíssimos. Não consigo vender um vestido que custava R$ 300 por R$ 700”, diz.

Algumas oficinas, de acordo com ela, só aceitam encomendas de cem peças por modelo. Só que uma loja pequena, como a dela, não consegue dar vazão a grandes volumes.

“A produção e a importação foram interrompidas por uns cinco, seis meses. Como as confecções importam muito fio, houve um desequilíbrio nas entregas, com reflexo em toda a cadeia”, diz Aldo Macri, vice-presidente do Sindilojas, sindicato dos lojistas de São Paulo.

A queixa de Jacqueline é a mesma de muitos pequenos lojistas espalhados pela capital paulista, especialmente de moda feminina e roupas infantis.

“Os confeccionistas pensam assim: vamos vender para os maiores e deixar os pequenos de lado até a cadeia de produção se normalizar. Isso é um erro dramático”, diz Macri.

“A falta de produto é decorrência da interrupção na cadeia produtiva. Infelizmente, quando isso ocorre, os grandes chegam primeiro, pois têm maior poder de compra”, afirma Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Desde 1973, Macri é fabricante de artigos militares, como uniformes para policiais. Neste momento, não consegue achar entretela para a produção de chapéus da guarda municipal.

“Costumo comprar três rolos de entretela de 25 metros, mas só consegui comprar um. Coloquei uma pessoa para rodar a cidade atrás de entretela”, afirma.

Há dificuldade também, diz Macri, de encontrar determinadas cores de linha, como a branca, e tecidos com tons específicos para uniformes de bombeiros civis.

“O bombeiro civil usa uniformes na cor verde petróleo, já que não pode usar cinza, que é a cor da roupa da PM de São Paulo. Costumo comprar esse tecido de três fábricas. Não consegui.”

A falta de matéria-prima no setor têxtil ocorre também devido à alta do dólar, de acordo com Thiago Sitta, sócio da Remo Fenut, confecção de roupa social masculina.

“Com o dólar mais caro, os importadores diminuíram a compra de tecidos no mercado internacional, o que acaba afetando toda a cadeia”, diz ele.

Nelson Tranquez, vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas do Bom Retiro, lembra que a importação também é baseada em expectativas.  “E, neste momento, as expectativas não são nada fantásticas”, afirma.

Outro efeito deste cenário com prejuízo aos pequenos lojistas, diz Sitta, é o fato de as grandes redes terem aumentado a compra de roupas no mercado interno.

“Os grandes magazines, que importavam muito, passaram a comprar aqui no país devido à alta do dólar e à própria dificuldade de importar. Isso sobrecarregou a produção local.”

Como consequência, diz ele, os preços dos tecidos chegaram a dobrar. Tecido que custava R$ 10 o metro linear, hoje custa R$ 20.

Tranquez diz ainda que o preço do índigo, muito usado em sua confecção, a Loony, que custava cerca de R$ 18 o metro linear, não sai por menos de R$ 24. 

A falta de tecidos levou Sitta a reduzir em 15% o número de itens da coleção de inverno. “Não terei produto diferenciado, como jaquetas. Vou investir mais em básicos.”

Essa tem sido a prática de vários lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio.

Sitta também teve de aumentar os preços das peças, para não vender com prejuízo. Uma camisa masculina que custava R$ 80 em sua loja é vendida agora a R$ 100.

Há 30 anos no setor têxtil, é a primeira vez que Walter Luiz Gomes Jr, sócio da Geração Gomes Magazine, viu faltar alfinetes no mercado brasileiro.

Com quatro lojas especializadas em roupas para noivas na Rua São Caetano, Gomes Jr. diz que está com dificuldade para adquirir também variedade de rendas e forros para vestidos.

“Mesmo com pagamento antecipado, não temos a certeza de prazo de entrega, que chega a até 150 dias”, diz.

Os preços dos tecidos e aviamentos, de acordo com ele, estão 50% mais caros neste ano. Vestido de noiva importado da China, que custava cerca de R$ 1.800, agora custa R$ 2.900.

Diante deste cenário, Marcelo de Carvalho, sócio-proprietário da Mototex, fabricante de uniformes para empresas, decidiu diminuir o seu negócio.

Fechou duas das três lojas que tinha. Os preços dos tecidos, diz ele, subiram de 20% a 40%.

“Vai chegar uma hora que meu cliente vai deixar de comprar. É isso o que falo o tempo todo para os fornecedores”, diz.

Os pequenos lojistas lamentam este cenário justamente no momento em que o consumidor voltou a sair de casa e no período de troca de coleção, que sempre foi um chamariz para as vendas.

 

IMAGEM: The House/divulgação

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