Big Brother - 1984

‘Nunca na história deste país se reescreveu tanto o passado, seja com relação ao impeachment de Dilma, ou com relação ao mensalão, ou aos acontecimentos revelados pela Lava Jato’

Marcel Solimeo
23/Fev/2024
Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo
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Big Brother - 1984

Nas minhas releituras de Carnaval, nestes tempos em que parte da população se acha anestesiada assistindo ao BIG BROTHER na televisão, torcendo, criticando, como se fosse parte da realidade do país, parece interessante conhecer a origem do título, e da forma do programa.             

Reli, mais uma vez, o livro “1984” de George Orwell, escrito em 1949, uma distopia que narra um mundo marcado pelo totalitarismo, manipulação da informação e falta da liberdade individual. A população era controlada pelo Partido na figura do Big Brother (Grande Irmão) que tudo via e tudo sabia, porque as pessoas eram vigiadas 24 horas através das “tele telas”, nas casas e nas ruas, uma televisão ao contrário, que ao invés de transmitir as imagens, espionava a população, com total invasão de privacidade.

Através do Ministério da Verdade, reescreve constantemente a história, com base na premissa de que “quem controla o presente, controla o passado, e quem controla o passado, controla o futuro”. 

Cria a “Novilíngua”, que visa condicionar os pensamentos e, por consequência, as ações. Assim, a “Novilíngua” altera o sentido de muitas palavras, elimina outras, no pressuposto de que se a palavra não existe, também o pensamento não existirá. Na nova língua, “guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força”.

“Se o pensamento corrompe a linguagem, a linguagem também pode corromper o pensamento”. 

Rui Barbosa alertava que “a degeneração de um povo, de uma nação, ou raça, começa pelo desvirtuamento da própria língua”.

Para o Big Brother, o Poder não é um meio, mas um fim.

O ministério do Amor mantém a lei e a ordem. A polícia do pensamento vigia as pessoas e muitas eram presas sem julgamento ou desapareciam.

Fora do Partido havia uma grande faixa de pessoas pobres e de baixa escolaridade que recebiam do governo (o Partido), o suficiente para subsistência, mas não tinham como rebelar-se.

Nesse cenário se desenvolve o romance de Wiston Smith, funcionário do Ministério da Verdade, responsável por reescrever os fatos históricos e os acontecimentos, mas que, por ter acesso às informações reais, começa a se sentir desconfortável com sua função.

Embora o amor fosse proibido e os indivíduos apenas pudessem relacionar-se para gerar filhos, Smith conhece Júlia, a heroína da história, bem-humorada e contestadora e começam um relacionamento, conseguindo transferências para trabalharem juntos.

Passam a ser monitorados e acabam presos e submetidos à tortura, e ambos acabam denunciando seu parceiro. São submetidos então à reeducação e, devidamente convertidos à verdade oficial, reintegrados às suas funções, esquecidos do romance e de seu inconformismo. Para o Partido, é mais importante a conversão do que a eliminação.

Acredito que muitas lições possam ser tiradas dessa narrativa, mas pretendo destacar apenas algumas que, acredito, parecem estar presentes entre nós.

A primeira é a “Novilíngua” que vem se instalando no país, que é o “politicamente correto” que já contamina, inclusive, políticas oficiais, como o Manual elaborado pelo TSE para as eleições, com expressões que não deverão ser usadas na campanha eleitoral, para evitar preconceitos. Isto depois de ministras do atual governo terem banido o “buraco negro” e a caixa preta” do dicionário, e outra criado o termo “racismo ambiental”.

A mudança do sentido ou dos significados das palavras podem acarretar problemas para as pessoas, porque não existe como prever essas mudanças. De repente, expressões que você usou a vida inteira em um sentido que é o que consta dos dicionários, ou, até, com significado universal, passam a constar do “index” dos grupos minoritários ou, mesmo, de autoridades. A mudança do significado acarreta, muitas vezes, consequências graves, como se constata pelo novo sentido dado aos termos “terroristas” ou “golpistas”, que são usados de forma cada vez mais elástica, e dispensam explicações de seu novo significado, que depende do intérprete. As ações desencadeadas com base nesses termos são bastante sérias.   

Outra, tem sido o hábito de reescrever a história, que temos assistido frequentemente não apenas por palavras, mas por atos e decisões tanto do executivo, como do judiciário. “Nunca na história deste país” se reescreveu tanto o passado, seja com relação ao impeachment de Dilma, ou com relação ao “mensalão”, ou aos acontecimentos revelados pela “Lava Jato”, entre outros.

Uma observação paralela. O Big Brother se caracteriza pelo fato de que ele tudo vê, através de suas teletelas e de seus mecanismos de espionagem sendo, portanto, um mundo de total “transparência”.

Atualmente, segundo o filósofo sul coreano radicado na Alemanha Byung Chui Han, vivemos uma “Sociedade da Transparência”, título de seu livro. Ele define que “essa obsessão com a transparência se manifesta não quando se procura a confiança, mas quando ela desapareceu e a sociedade aposta na vigilância e no controle”.

Segundo ele, “é uma sociedade transparente e expositiva, onde as relações são trocadas pelas conexões e não nos aproximam, pois eliminamos os que diferem de nossas concepções”. Chama a atenção que no mundo virtual “estamos substituindo o rosto humano pela face (a imagem na tela) que é plana e rasa. Isto dificulta vermos as emoções e interagir.

Um ponto que ele não abordou é que o Big Brother nesse mundo tanto pode ser uma das empresas de tecnologia, ou órgãos públicos, e que são as próprias pessoas que se submetem voluntariamente a serem monitoradas.

Muitas outras considerações poderiam ser feitas com relação ao 1984, e tem sido muito citado como advertência dos riscos do totalitarismo, tema muito caro ao autor, que já o havia explorado em Animal Farms (A revolução dos Bichos), que deu origem à famosa frase “Todos são iguais, mas alguns são mais iguais”, que parece ser bastante verdade atualmente.•

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