Atacarejos invadem bairros e supermercados lutam para manter receita

O avanço dos atacarejos em bairros é algo que as redes de supermercados não tinham no radar. De 2019 a 2022, a rede Assaí, por exemplo, abriu 36 lojas no mercado paulista e, neste ano, mais cinco

Fátima Fernandes
24/Ago/2023
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Atacarejos invadem bairros e supermercados lutam para manter receita

Com base em informações de tíquetes de compra de consumidores paulistas, a empresa Varejo 360 prevê um período nada fácil para o comércio de alimentos neste semestre.

Desde o início deste ano, a empresa de tecnologia identifica mês a mês queda nas vendas do setor em relação a igual mês de 2022, considerando sempre as mesmas lojas.

Em janeiro, a alta foi de 15% e, em julho, de 3,6%. Se considerar o IPCA dos últimos 12 meses terminados em julho, de 3,99%, o setor já registrou queda real de receita no mês passado.

A queda de preços de produtos importantes da cesta básica, como arroz, feijão e leite, evidentemente, teve impacto na receita dos supermercados. Se o preço cai, a receita cai.

Para Fernando Faro, diretor da Varejo 360, outro motivo que está deixando os executivos do setor em polvorosa nos últimos meses é o acirramento da concorrência.

Todos os formatos do varejo alimentar, supermercados, atacarejos e minimercados estão numa disputa tão acirrada por clientes, diz, que dá para falar até em canibalismo em algumas regiões.

É fato que alguns indicadores da economia estão mais favoráveis ao consumo, como inflação, juros, emprego. “Só que o bolo (consumo) não cresceu no mesmo ritmo de lojas”, diz.

FORA DO RADAR

O avanço dos atacarejos em bairros é algo que as redes de supermercados não tinham no radar. De 2019 a 2022, a rede Assaí abriu 36 lojas no mercado paulista e, neste ano, mais cinco.

A rede Tenda inaugurou 15 lojas, a Roldão, 10, uma neste ano, a Comercial Esperança, três, a Spani Atacadista, 11, a Max, cinco e a Atacadão (Carrefour), 33, sete neste ano.

No caso do Atacadão são mais 18 lojas espalhadas por São Paulo, em razão da aquisição das operações do grupo BIG, com a mudança de lojas Maxxi ou BIG para Atacadão.

“Subiu a régua de quanto cada loja tem de vender por mês com tantas unidades novas. O setor passou por um movimento meio irracional com uma corrida para a abertura de lojas”, diz.

A vontade e a necessidade de crescer para ocupar espaços, de acordo com Faro, acabaram levando a esse cenário muito mais competitivo para o varejo de alimentos.

SUPERMERCADOS E MINIMERCADOS 

Neste ano, no modelo de supermercados, já foram inauguradas 337 lojas no Estado de São Paulo. De 2019 a 2022, foram abertas mais 1.349 unidades.

Descontando as lojas fechadas entre 2019 e 2022 (1.101), o saldo ainda é positivo em 348 lojas, de acordo com a Varejo 360.

No formato de minimercado, já é possível ver o impacto de tantas aberturas de lojas nos últimos anos: há mais mortalidade do que nascimento de lojas.

De 2019 a 2022 foram abertas 3.672 lojas e, fechadas, 5.821. Neste ano, a Varejo 360 contabiliza a abertura de 1.295 minimercados no Estado.

“Os pequenos estão se reinventado, com ampliação de mix, venda por WhatsApp, delivery, buscando fazer o que os atacarejos não fazem”, diz Márcio Milan, vice-presidente da Abras.

As ofertas, diz ele, estão acontecendo no setor desde o início, até porque o consumidor faz cada vez mais pesquisa de preços e passou a comprar em vários canais.

HIROTA

“A competição está de fato terrível. Os atacarejos estão invadindo os bairros. Esta semana abriu uma loja do Assaí ao lado da nossa na Mooca”, diz Hélio Freddi Filho, diretor da rede Hirota.

Recentemente, o dono de um imóvel na Vila Leopoldina ofereceu um terreno para a rede se instalar. A resposta foi a seguinte: ‘Neste momento, estamos evitando abrir supermercado.’

Em um raio de cerca de cinco quilômetros na Vila Leopoldina, afirma Freddi Filho, já existem lojas das bandeiras St. Marche, Mambo, Oba, SuperVille, Pão de Açúcar e outras.

“Se entrarmos lá, seremos mais um para brigar por clientes, já que não há novos entrando para o mercado de consumo, como vimos no passado.”

O cliente, afirma, quer descontos, ainda mais num momento de queda de renda. “Isso força as redes a fazer promoções agressivas. A nossa rentabilidade já caiu um ponto.”

É difícil achar rede de supermercado, diz, que não esteja fazendo alguma campanha promocional para chamar a atenção da clientela.

Para comemorar 51 anos neste mês, além das promoções, a rede Hirota decidiu presentear 17 clientes com R$ 1.000 em compras mensais durante um ano.

Durante 20 dias de campanha, a rede já emitiu 140 mil cupons, que são colocados pelos clientes em urnas. A cada R$ 200 em compras dá direito a um cupom.

DEJÁ-VU

O varejo de eletroeletrônico viveu momento parecido nos anos 90, quando redes como G. Aronson, Arapuã, Mappin, Mesbla, Casas Bahia, Ponto Frio viviam em guerra de preços.

“Isso não é bom para ninguém. Num primeiro momento, o consumidor até ganha, mas olha o que aconteceu com boa parte de todas essas redes, sumiram do mercado”, diz Freddi Filho.

Para evitar situações como essa, a rede Hirota fechou neste ano unidades Express (Itaim, Liberdade e Interlagos) e um supermercado, em Santo Amaro, próximo de uma loja do Sonda.

Antes da pandemia, a rede tinha 24 lojas Hirota Express e 19 supermercados, números que caíram para 19 e 17, respectivamente.

RUMO AOS BAIRROS  

“Cansei de falar em reuniões com supermercados que, no momento em que os atacarejos se sentissem pressionados, iriam para os bairros. É o que está acontecendo”, diz Sandro Benelli.

Com mais de 30 anos de experiência no setor, Benelli, consultor e conselheiro de empresas, diz que, no passado, empresários chegaram a debochar do atacarejo por ser ‘o modelo da miséria’.

Os atacarejos, geralmente, ocupam espaços maiores do que os supermercados, são mais simples, com menos serviços, justamente para ter preços mais em conta.

“Hoje, eles viram que o conceito mudou. É um formato que atende todos os públicos. Agora eles estão indo para cima dos supermercados nos bairros com lojas menores”, diz.

Quando entraram na França, no final dos anos 80, diz, dois grupos alemães de supermercados, Aldi e Lidl, não eram vistos como ameaça, justamente porque tinham o modelo de desconto.

Apesar do concorrido mercado francês, as duas redes prosperaram a tal ponto que, somente na França, cada uma tem mais de mil lojas, forçando todo o setor supermercadista a reagir.

Aqui no Brasil, diz, o que se vê é a abertura de atacarejos menores, com menor sortimento, mas que preenchem bem as necessidades dos consumidores.

“Eles são boa opção para quem quer produto, não luxo. Do jeito que está o endividamento das famílias brasileiras, o downgrade é para todos”, diz Benelli.

Não é muito difícil de imaginar, de acordo com consultores e executivos do varejo, qual deve ser o movimento no setor supermercadista daqui para a frente.

A expectativa é que fusões e aquisições venham por aí, envolvendo, principalmente, as redes de pequeno e médio portes e também as regionais.

É uma forma de somar forças, dizem eles, para competir num mercado no qual os formatos de lojas cada vez mais se confundem.

IMAGEM: Divulgação

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