As vantagens (e os cuidados) de ser um franqueado investidor
Com os aportes de José Ramos (esq.), Rodrigo Hasi, dono da rede de academias Evoque, transformou o negócio em franquia e até investiram juntos em outra rede, a Inspire Pilates. Mas dar certo depende de entendimento prévio entre o sócio-operador e o investidor para a parceria não virar encrenca
Dá para ser franqueado só investindo dinheiro, mas sem operar o negócio? Ou, mais especificamente, dá para ser 'apenas' investidor em uma empresa franqueada? Nascida em Mauá em 2018, no ABC Paulista, a rede de academias Evoque que deve encerrar o ano com 60 unidades, sendo uma no Paraguai, é um exemplo desse tipo de sociedade.
Chegar a esse patamar hoje só foi possível não só graças ao espírito empreendedor do proprietário, o educador físico Rodrigo Hasi, 37, mas também do sócio-investidor que acreditou no potencial do negócio, o empresário de TI José Ramos, 38.
Mesmo sem participar diretamente da operação, que fica por conta de Rodrigo, dono da expertise do negócio "academia", José, mais do que investir capital na empresa, faz parte do conselho.
Com o sucesso da Evoque, atualmente entrando para o franchising, ambos passaram a investir juntos em um modelo complementar que surgiu dentro da própria rede: a Inspire Pilates, ideia do executivo Édipo Rocha. Criada no modelo low-cost, mais enxuto, que pode crescer em estúdios próprios ou dentro de outras academias ou salões de beleza, a franquia deve chegar ao fim de 2024 com 120 unidades negociadas.
Então, as perguntas que abrem essa reportagem foram respondidas: dá sim para ser um franqueado sem participar do dia a dia da operação - desde que seja um Empreendedor Investidor. Bom para ajudar a dar um impulso extra na expansão do negócio (mas obviamente espera um bom retorno desse investimento), o perfil foi mapeado em levantamento da Associação Brasileira de Franchising (ABF) com 550 visitantes da Expo 2022, respondendo por 15% dos entrevistados.
Aqui, como principais características, foi detectado que são predominantemente homens entre 40 e 55 anos (74%), que buscam investimentos rentáveis, diversificar ativos, acreditam na escalabilidade do setor e apetite por riscos.
Outro perfil semelhante, o do Empreendedor Profissional (29%) - e que se aproxima mais do de José Ramos, o sócio-investidor da Evoque -, reúne 69% de homens entre 30 e 40 anos, que têm três principais características: buscam independência financeira, têm boa capacidade de investimento, e ainda, recursos próprios acumulados em seus anos de trabalho.
"Ele não é treinado, ele não está no dia a dia da operação, ele é sócio. E é meramente um investidor: isso é perfeitamente possível e acontece bastante. Mas tem que ser aprovado pela franqueadora, e constar dos contratos de franquia especificado nas cláusulas, pelo caráter intuitu personae (ou personalíssimo) da figura", diz Sidnei Amendoeira, diretor jurídico da ABF.
Ainda que seja um investidor, ele pode sair da sociedade a hora que quiser, mas a franqueadora tem que ser comunicada. "Algumas até exigem direito de preferência para a compra e venda de cotas de ações deste investidor", afirma. No caso específico da Evoque, isso foi previamente determinado entre Hasi e Ramos. Mas é um ponto de atenção no modelo.
A vantagem de ser um sócio investidor, reforça Amendoeira, é conseguir investir sem operar, então é possível se dedicar a outras atividades, afirma. Já a desvantagem é justamente não operar, pois só se investe. "Você não está lá no controle do dia a dia da operação, é um controle mais de supervisão do que propriamente de gestão no dia a dia."
Claro que depende da quantidade de cotas que esse investidor tem, e do acordo de cotista que é feito entre as partes: ele pode ter maior ou menor controle, mesmo tendo uma participação societária que não seja majoritária. Um investidor também pode ter veto, ter direito a um voto de Minerva, a um voto qualificado ou pode exigir unanimidade em certas decisões.
"E quais são os cuidados nesse caso? É ter um belíssimo acordo de cotistas que os protejam, que não fiquem descobertos nem do ponto de vista de fiscalização, e nem alijados das decisões: geralmente os investidores exigem estar mais perto da administração, dos números e da sociedade em si, ainda que não operem no dia a dia", destaca o diretor jurídico da ABF.
FRANQUIA COM VALUATION
Mesmo formado em Educação Física pela Unifesp, a rede de academias de Rodrigo Hasi hoje fatura R$ 75 milhões por ano graças à sua visão de negócios e a afinidade profissional com o sócio, José Ramos. Mas nem sempre foi assim.
A primeira tentativa de empreender foi em 2012, aos 24 anos, quando arrendou uma academia, em Mauá (SP). Não deu certo: pela inexperiência em gestão, o negócio faliu em um ano. Mas Rodrigo não desistiu: entendeu que precisava aprender e crescer como gestor para avançar.
Decidiu gerenciar academias - no caso, a própria Evoque, em Mauá (SP), onde tinha um bom relacionamento com os donos. Em 2018, colocaram-na à venda: Rodrigo juntou tudo que tinha guardado nos últimos anos, vendeu carro e moto, e abraçou a oportunidade. Mais experiente, o negócio decolou, e logo dobrou o número de alunos.
Só que veio a pandemia. “Obviamente, isso abalou o meu emocional no início. Mas também vi oportunidade de crescimento. Muitas academias fecharam e, portanto, existiam mais clientes no mercado. Foi só uma questão de conseguir me estruturar rapidamente para buscar esse público que voltaria a fazer exercício físico”, conta.
A visão futura se concretizou rápido: no fim de 2020, ainda no período crítico da pandemia, abriu a segunda unidade Evoque em Santo André, também no ABC.
Até que, em 2021, conheceu José Ramos, empresário do ramo de tecnologia que dava os primeiros passos no segmento de academias. A conexão empresarial foi "à primeira vista", lembra. O resto é história. "Ele entrou com o smart money e o intelecto e trouxe todos os atributos como empresário para nosso modelo de negócio", conta. E não é um sócio passivo: hoje é um conselheiro-investidor, que participa das decisões de forma ativa, explica.
"Ele viu que tínhamos rentabilidade, escalagem, princípios e valores condizentes... Aplicamos nossos pontos fortes a favor do negócio, o que cada um podia oferecer para a empresa crescer", afirma. "Quando os dois são bons, e o que importa é o jeito que esses atributos são usados. Não aceitaria que mexesse no negócio, mas aceitei o dinheiro, a experiência, e o valor que ele investiu (R$ 400 mil) foi relevante para o crescimento da empresa como está hoje."
José confirma. “Tínhamos muitas afinidades, e o Rodrigo mostrou, que para um negócio prosperar não bastava ser apenas apresentável como eu pensava, mas ter boa gestão”, conta o hoje franqueado-investidor. "Não tinha dúvidas que a rede Evoque cresceria de qualquer jeito e chegaria a esse ponto de grandiosidade atual", afirma. Mas foi com a participação de Ramos, que entendia bem de logística, que o crescimento foi mais rápido, destaca Rodrigo.
Ao lembrar que vendeu tudo o que tinha, "até o cachorro", conforme brinca, e capitalizar a empresa, a princípio, com equity, baseado na crença de que o sonho de abrir uma rede de academias daria certo, Rodrigo afirma que hoje a Evoque tem valuation (valor de mercado, ou metodologia de avaliação pela perspectiva de lucro e de retorno) de R$ 3 milhões.
Por entender da atividade principal, Rodrigo diz que hoje é uma espécie de "funcionário executivo" da Evoque - função que o responsável pela operação da franquia assume quando há um sócio investidor. "A divisão societária é importante, e as expectativas e funções devem estar bem definidas: sou sócio do José mas trabalho na operação, tenho salário no organograma. Mas dividimos os lucros conforme o percentual, após reinvestirmos a maior parte na empresa."
Mesmo não trabalhando como franquia desde o início porque "não era o momento", preferiu estruturar primeiro as unidades próprias para melhor definir o modelo de negócio (sem contar a Inspire Pilates, que já nasceu como franquia). Agora, a expectativa da Evoque com o franchising é ampliar a rede de 60 para 100 unidades ao longo de 2025, sinaliza Rodrigo.
O COMBINADO QUE NÃO SAI CARO
A história dos sócios da Evoque é um exemplo do sucesso que nasceu de uma relação de parceria e afinidade entre o operador e o empreendedor-investidor. Mas nem sempre isso acontece, e por isso é essencial ficar atento para que o que poderia ser uma iniciativa bem-sucedida se transforme em dor de cabeça para as partes, diz a advogada especializada em varejo e franchising Thaís Kurita, sócia da Novoa Prado & Kurita Advogados.
Como o contrato de franquia é de risco, quando se fala "vou investir em uma franquia", há um certo paradoxo, porque não basta só o capital, diz. É preciso alguém para operá-la, e se tudo não for previamente combinado, aumenta o risco. "Se vou só investir, fico dependente de algumas situações. Posso ter um sócio, um amigo ali que confio, mas que às vezes precisa de recolocação, uma fonte de renda. E fico dependendo disso para ter acesso aos resultados."
Thais explica que, quando se investe sem precisar operar minimamente o negócio, já que se tem um gerente ou operador muito bom, esse investidor, mesmo sem estar ali no dia a dia, sem a "barriga no balcão", precisa pelo menos acompanhar, ou até tomar conta dos relatórios para saber como a franquia está performando, se está indo bem ou tem problemas.
Afinal, o investimento em franquia não é um dinheiro que fica no banco e que às vezes se olha o extrato para ver se rendeu algo, alerta. "É bem diferente: tem que ter cuidado, saber como é o clima da equipe, como andam as compras, ver se os custos estão ajustados com as receitas... Isso demanda tempo e requer dedicação, pois é a combinação de um negócio que vai ser operado por alguém, e que não vai retornar como se fosse uma aplicação."
Outra ilusão: ser investidor de franquia para ser autônomo e trabalhar só "de fim de semana", ou que não vai precisar trabalhar. A não ser que esse investidor tenha só comprado cotas. "Mas não tem essa: ele pode investir em Tesouro direto ou em uma mina de urânio no Canadá, o risco é igual. E, pela particularidade do franchising, é preciso acompanhar."
Analisando o caso da Evoque, Thais afirma que o negócio tem prosperado porque Rodrigo, no caso, é o operador que se dedica integralmente ao dia a dia. Primeiro quebrou, foi estudar, e retornou sabendo o que deveria fazer. E conseguiu um investidor, José, que participa ativamente, mesmo sem operar. "Ambos acreditaram, e a combinação deu certo."
A advogada lembra também, esse tipo de combinação pode sim prosperar nos primeiros anos. Mas há casos de investidores que pegam confiança, "tiram o pé" e deixam tudo na mão desse operador. "Muitos se afastam completamente, só para viver da renda gerada pela franquia. Mas é preciso atenção, porque em algum momento esse dinheiro pode vazar por algum canto".
Em resumo, se para a franquia é interessante receber um investimento não só para colocar a saúde financeira em dia, mas também montar a segunda, terceira ou muitas outras unidades, para o franqueado investidor é preciso analisar onde é que ele está "amarrando o burro", alerta Thais. E formalizar documentações, sem abrir mão do controle para evitar conflitos.
Tudo tem que ser combinado entre as partes: a retirada dos lucros e a periodicidade, o pagamento de pró-labore do operador, definir se as retiradas serão para reinvestimento no negócio, períodos de férias e até plano de saúde, se tiver. Tudo pelas regras societárias e em nome da boa convivência entre as partes - pontos que muitos ignoram e não fazem, afirma.
Tem que conversar, para o investidor não pensar que, por investir, vai embolsar todo o resto. Também é preciso saber se aquele negócio investido não está devendo no banco, se tem capital de giro, se tem muitas dívidas... Não tem problema reestruturar: faz parte quando se tem a visão do potencial do negócio, diz. Há também situações fora de controle, como a pandemia.
"Caso contrário, o capital investido pode evaporar, e é aí que aquela boa oportunidade pode virar encrenca", finaliza.
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