Após dois anos de queda, parcelamento no cartão volta a subir
Dados reforçam a relação da modalidade sem juros com o desempenho do varejo em setores como móveis e eletrodomésticos; maior crescimento foi observado nas vendas com 7 ou mais parcelas
Com Flávio Calife, economista da Boa Vista SCPC
A proposta de se passar a cobrar juros dos consumidores nas compras parceladas no cartão de crédito gerou um amplo debate entre representantes de bancos e representantes do comércio no início deste ano.
De um lado, argumentava-se que, para viabilizar economicamente a redução do prazo de pagamento aos lojistas das vendas na modalidade – atualmente de 30 dias –, seria preciso repassar ao menos parte dos custos da mudança para os consumidores que parcelam as compras – e são subsidiados no atual modelo.
Do outro lado, temia-se que a redução ou extinção do parcelamento sem juros prejudicasse o comércio e a retomada da economia.
Um dos principais desafios na avaliação do impacto de propostas como esta é estabelecer relações de causa e efeito. Muitas vezes, o máximo que se consegue analisar é a associação entre duas variáveis.
Assim, se não é possível dizer exatamente qual seria o impacto do fim do parcelamento sem juros nas vendas do varejo, ao menos não se pode negar a relevância da modalidade para o comércio e a relação entre a evolução das vendas parceladas e o faturamento dos varejistas.
Segundo cálculos feitos pela área de Indicadores e Estudos Econômicos da Boa Vista SCPC, com base nas Estatísticas de Pagamentos de Varejo e de Cartões no Brasil, divulgadas no dia 3 de agosto pelo Banco Central, após dois anos de queda, as vendas parceladas sem juros no cartão de crédito voltaram a crescer em 2017.
Conforme mostra o gráfico 1, após caírem de R$ 154 bilhões em 2014 para R$ 152 bilhões em 2015 e R$ 148 bilhões em 2016, as vendas em 2 ou 3 parcelas no cartão de crédito cresceram 1,3% em 2017 em termos reais – já desconta a inflação –, para R$ 150 bilhões.
Já as vendas parceladas de 4 a 6 vezes no cartão de crédito subiram 6,6% em 2017, chegando a R$ 117 bilhões – após terem recuado de R$ 121 bilhões para R$ 110 bilhões entre 2014 e 2016.
O maior crescimento, porém, foi observado nas vendas em 7 ou mais parcelas, que, com alta de 10,1%, passaram de R$ 86 bilhões em 2016 para R$ 94 bilhões em 2017, aproximando-se, com isto, do valor registrado em 2014, último ano antes da crise, quando as vendas em 7 ou mais vezes somaram R$ 95 bilhões.
O movimento pode ser associado à melhora das condições de crédito, com maior oferta de limites por parte dos bancos, e à retomada de setores como os de vestuário, materiais de construção, móveis e eletrodomésticos, nos quais o parcelamento das compras no cartão de crédito é mais frequente.
De fato, dados do IBGE (Gráfico 2) mostram que, no ano passado, as vendas dos setores de vestuário, materiais de construção, móveis e eletrodomésticos cresceram acima da média do varejo como um todo. Por outro lado, entre 2014 e 2016, estes setores registraram desempenho abaixo da média geral.
Seguindo a mesma direção, a participação das vendas em 4 ou mais parcelas no volume total movimentado pelos cartões de crédito, que vinha crescendo até 2013, caiu daquele ano até 2016 e voltou a subir em 2017, retornando ao patamar de 28,9%. (Gráfico 3)
Afinal, durante a crise, bancos tornaram-se mais conservadores na concessão de empréstimos e limites, enquanto as famílias cortaram gastos, evitaram se endividar e priorizaram a compra de bens de primeira necessidade. Com a recuperação da confiança, da renda, do emprego e a melhora das condições de financiamento (juros mais baixos e maior oferta de crédito), consumidores puderam retomar projetos adiados como a reforma e decoração da casa ou a substituição do fogão e da geladeira por modelos mais novos.
Apesar da recuperação dos parcelamentos, as transações no débito seguem ganhando espaço na preferência de consumidores e lojistas, tendo atingido R$ 495 bilhões em 2017 (Gráfico 1), crescimento de 11,8% em relação ao ano anterior, após altas de 4% em 2016 e 1% em 2015.
O melhor desempenho do débito, que já vinha sendo observado mesmo antes da crise, pode ser explicado pela migração dos meios de pagamento, mais intensa entre itens de menor valor, onde a modalidade costuma ser mais utilizada do que o crédito.
Conforme mostra o gráfico 4, o valor médio das compras no débito, já descontada a inflação, caiu de R$ 65 em 2016 para R$ 62 em 2017, seguindo a tendência observada desde de o início da série histórica. O valor médio das vendas em 7 ou mais parcelas no crédito, por sua vez, saltou de R$ 1.028 em 2016 para R$ 1.052 em 2017.
Compras de valor mais alto, como seria de se esperar, estão associadas a um maior número de parcelas.
Nada evidencia, portanto, que a crise trouxe mudanças significativas e duradouras no comportamento de consumidores e lojistas em relação ao uso de meios eletrônicos de pagamento e ao parcelamento das transações.
Seja como for, a necessidade de aprimoramento do sistema de pagamento de varejo no Brasil pode trazer novamente à tona o debate a respeito do parcelamento sem juros e do prazo de recebimento das vendas no cartão.
Afinal, é fato que o modelo atual apresenta uma série de subsídios cruzados, com o pagamento à vista e sem desconto subsidiando compras em parcelas sem juros no cartão de crédito, e o maior prazo de recebimento dos lojistas subsidiando o maior prazo de pagamento de quem paga com cartão de crédito, para ficar apenas em dois exemplos.
A forte relação entre o desempenho do varejo e as vendas parceladas, contudo, sugere que o parcelamento sem juros está profundamente enraizado nos hábitos de consumidores e lojistas brasileiros, de forma que, no caso de alterações no sistema, é preciso se pensar em regras de transição para evitar mudanças abruptas, que poderiam colocar em risco a já tímida recuperação da atividade econômica e a saudável expansão dos pagamentos eletrônicos.
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