Algumas observações sobre a PEC 45

A proposta terá impacto negativo no emprego dos setores de serviços e na agricultura, exatamente aqueles que mais absorvem mão de obra e puxam a recuperação da economia

Marcel Solimeo
17/Fev/2020
Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo
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Uma das críticas que se faz à Constituição de 88 é que ela é muito detalhista e dificulta qualquer mudança que se queira fazer.

Essa observação se aplica inteiramente ao capítulo sobre a matéria tributária, como se constata pelas dificuldades para a realização de uma Reforma Tributária.

Quando surge uma oportunidade de Reforma, como agora que há um consenso sobre a necessidade e urgência das mudanças na área tributária, a PEC 45/19 repete o mesmo erro do excesso de detalhes.

Propõe a alteração de mais de cem itens da Constituição, descendo a detalhes que vão dificultar no futuro qualquer alteração do seu texto. No tocante às propostas da PEC 45 esse problema é mais grave porque, em tese, impediria qualquer mudança do sistema tributário por 50 anos, que é o tempo previsto no texto para que se complete a transição para o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).

Assim, qualquer mudança que se queira fazer antes desse prazo afetaria o processo de transição, podendo inclusive inviabilizá-lo.

Para agravar a situação, o IBS inclui o ISS, que é altamente flexível, comportando alterações que permitam adaptá-lo às mudanças tecnológicas e mercadológicas decorrentes do avanço do uso da informática e das telecomunicações no mundo dos negócios. Tais mudanças exigirão ampla reforma do sistema tributário.

Outro ponto que preocupa é que essa proposta congela a atual repartição dos fundos destinados à saúde e à educação. Ocorre que a evolução da pirâmide populacional está em processo de profunda transformação, com sensível queda da natalidade e o envelhecimento acelerado da população.

Com o tempo, as necessidades no tocante à educação devem diminuir, enquanto os problemas com a saúde devem aumentar.

O ideal de qualquer reforma seria estabelecer apenas algumas diretrizes, e deixar os detalhes para a Lei Complementar ou legislação ordinária.

Outra incongruência da PEC 45 é que, se é urgente simplificar o sistema tributário, não parece que a transição de 10 anos, mantendo a burocracia atual, mais a nova, atenda a esse requisito.

Uma das premissas da proposta é a de não haver aumento da carga tributária, mas a possibilidade de majoração das alíquotas por estados e municípios pode comprometer esse objetivo, além de anular o princípio da “ alíquota única”.

O argumento de que a tributação do consumo na maioria dos países é uniforme entre produtos e serviços não corresponde à realidade, pois muitos fazem a diferenciação de alíquotas.

A diferença maior da PEC 45, no entanto, com relação aos países que têm alíquota única, é que o imposto de consumo não embute outros tributos, como é o caso do IBS.

Nessa alíquota única está embutido o IPI, o que significaria que educação, saúde, e outros serviços, como os prestados por costureira e cabelereira, estariam também pagando o imposto sobre produtos industrializados, o que é injustificável.

Aumentar de uma média de 11% para 26% o imposto de educação, saúde, habitação e cesta básica provocará um impacto significativo no IPCA, desencadeando todo o mecanismo da correção monetária, podendo comprometer a política do Banco Central de baixar as taxas de juros.

Além disso, essa PEC terá impacto negativo no aumento sobre o emprego nos serviços e na agricultura, exatamente os setores que mais absorvem mão de obra e puxam a recuperação da economia. No mínimo, o momento não é o mais adequado para impor esses ônus aos setores que mais estão crescendo e ajudando o país a sair da recessão.  

A PEC 45 promete manter a arrecadação durante um longo período, o que somente poderá ocorrer com aumentos de alíquotas caso a economia se retraia.

Os efeitos redistributivos da PEC 45 contrariam o discurso de que a reforma tributária visa apenas garantir a receita dos entes federados, sendo que uma nova repartição da renda deveria ser feita na reforma do pacto Federativo.

O ISS é o imposto cuja arrecadação mais tem crescido. Para os municípios que têm na arrecadação desse tributo sua principal fonte de receita, essa mudança será negativa no curto prazo.

Esse fato é agravado pela mudança prevista na proposta, no tocante à repartição dos recursos do fundo de transferência dos estados, que passarão a ter mais um terço do mesmo distribuído em função da população, e não do local de ocorrência do fato gerador, o que fará com que as cidades mais ativas no setor de serviços, como São Paulo, sofram perda de receita.

Essas são observações mais gerais, sem prejuízo de análise mais detalhada que mostrará que os problemas da PEC 45 não se limitam ao aumento da tributação do setor serviços, e que bastaria adotar alíquotas diferenciadas para que ela pudesse ser aplicada sem maiores alterações.

IMAGEM: Pixabay

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