A outra face da moeda

Entendimento que permite ao governo cobrar o IRPJ e a CSLL sobre incentivos fiscais do ICMS colocará empresas em dificuldades e criará mais espaço para litígio

Marcel Solimeo
10/Mai/2023
Economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo
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A outra face da moeda

Decisão do STJ permite que a União possa cobrar o IRPJ e a CSLL sobre incentivos fiscais do ICMS concedidos pelos Estados às empresas, considerando que esses benefícios representam parcela passível de tributação.

Independentemente de tecnicalidades, as mudanças de interpretação da jurisprudência criam não apenas insegurança jurídica para as empresas, como também problemas financeiros e econômicos, especialmente porque muitas das decisões são retroativas em seus efeitos, o que inviabiliza que elas possam compensar os encargos resultantes.

Embora pareça superestimada, a estimativa do governo é arrecadar de R$ 90 a R$ 100 bilhões a partir dessa decisão, o que cobriria parte significativa da “derrama” que a Secretaria da Receita Federal precisa para o cumprimento da primeira fase do “arcabouço fiscal”.

Deixando de lado o aspecto jurídico da questão, é preciso considerar a “outra face da moeda”, isto é, o impacto sobre os contribuintes atingidos pela medida, que deverão desembolsar, mesmo que parcelado, esse montante que o governo espera arrecadar.

Muitas empresas, que repassaram direta ou indiretamente os incentivos para o consumidor, agora, no momento em que o mercado se acha em retração, terão dificuldades para cumprir essa tributação adicional, o que agravará a tendência de desaceleração da economia, com reflexos sobre o emprego.

Cria-se, também, campo de litígio, inclusive para a apuração dos valores, em algumas modalidades como redução de base de cálculo.

Muito se tem discutido sobre “gorduras” que existiriam para o aumento da tributação, com fim de privilégios e benefícios, sem considerar que, seja qual for a forma utilizada para aumentar a arrecadação, representará maior participação do governo na economia, que, regra geral, é menos eficiente.  

Não se discute as “gorduras” e benefícios do setor público. Não se cogita, ao menos, aumentar a eficiência do gasto. O importante é arrecadar mais para tentar viabilizar o “arcabouço”, que garante o aumento contínuo da despesa, o que exige criatividade para encontrar “gorduras” para serem tributadas, e que pode não ser suficiente.

Nesse caso, a receita adicional, necessária para atender às metas propostas no “arcabouço”, deverão vir da majoração dos impostos existentes, embora possam fazer mudanças nas formas de cobrança para justificar essa política.

A tributação dos dividendos deve ser um dos primeiros alvos, ignorando que sua isenção decorreu do aumento da alíquota do IRPJ, que promoveu a antecipação do pagamento por parte do acionista. A mudança do critério de cálculo do PIS/COFINS, para valor adicionado, também deverá servir de pretexto para o aumento.

Preocupa o fato de que para viabilizar o “arcabouço fiscal”, que autoriza o crescimento constante da despesa, o setor privado acabe sendo sufocado pela tributação, agravando a desaceleração da economia, com reflexos sobre o emprego e a renda.

O risco maior é que, mesmo com as decisões judiciais e aumentos de tributação que o governo deve promover, segundo palavras das autoridades, o efeito combinado da desaceleração da economia e da queda do lucro das empresas pode fazer com que as metas da dívida não sejam cumpridas, mas o crescimento das despesas, sim.

 

IMAGEM: Freepik

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