A norma claudicante e vilipendiada

‘Temos uma das maiores, senão a maior, instabilidade normativa contemporânea, da qual resulta uma impressionante colcha de retalhos constitucionais’

Everardo Maciel
07/Fev/2025
Ex-secretário da Receita Federal, é consultor jurídico e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público
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A norma claudicante e vilipendiada

Causou perplexidade a comédia de erros no recente episódio da fiscalização de transações financeiras por meio do Pix.

Para desviar a atenção no controle de gastos públicos, procedeu-se à divulgação extemporânea, no início deste ano, de uma instrução normativa (IN) da Receita Federal, datada de 17/09/2024 e fundada no art. 5º da Lei Complementar nº 105, de 2001.

A oportunista iniciativa gerou forte reação política, embora tecnicamente infundada, seguida da desarrazoada revogação daquela IN e da edição de uma inepta Medida Provisória, que, sem observar os requisitos constitucionais de urgência e relevância, fez a proclamação de obviedades, banalizando instrumento que tem força de lei.

Essa deplorável sequência de fatos é tão somente uma evidência a mais do descaso com que as normas têm sido tratadas no país.

Desde sua promulgação em 1988, a Constituição foi alterada por meio de 135 emendas constitucionais (30, nos últimos 5 anos), o que corresponde a uma média de uma emenda por trimestre.

São centenas de novas normas constitucionais casuísticas, inconsistentes e, não raro, mal redigidas (a Emenda nº 87, de 2015, por exemplo, tem vigência fixada incrivelmente em duas datas distintas).

Emendas são aprovadas a toque de caixa, até mesmo sem o prévio conhecimento do texto, como ocorreu durante a votação da reforma tributária do consumo, na Câmara dos Deputados.

Temos uma das maiores, senão a maior, instabilidade normativa contemporânea, da qual resulta uma impressionante colcha de retalhos constitucionais. Paradoxalmente, inúmeras normas não ganham concretude, por falta de regras infraconstitucionais, a exemplo do federalismo fiscal cooperativo, greve e emprego temporário no serviço público, conflitos no âmbito do federalismo fiscal, tratamento tributário do ato cooperativo, prevenção dos desvios tributários concorrenciais, normas gerais das finanças públicas, desconsideração administrativa de atos e negócios dissimulados.

A mora legislativa contrasta com um ativismo judicial que se vale de uma Constituição sobrecarregada por princípios que facultam diversificada interpretação. A propósito, o art. 145, § 3º, da Constituição, introduzido pela Emenda nº 132, de 2023, prevê que o sistema tributário nacional deverá observar “os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente”. Cada princípio encerra múltiplos entendimentos; a combinação deles dá lugar a qualquer entendimento. Contencioso à vista.

**As opiniões expressas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores e não coincidem, necessariamente, com as do Diário do Comércio

 

IMAGEM: DC

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