Yamato mantém tradição e dobra rentabilidade após pandemia
Mercadinho localizado no Jabaquara, em SP, aposta apenas em preço e bom atendimento para sobreviver há décadas em região onde disputa a clientela com Pão de Açúcar, Carrefour e Dia
Em qualquer debate sobre "modelo de supermercado do futuro" só se fala em espaços repletos de tecnologia, self-checkouts, ecossistemas, integração entre canais on-line e off-line.
O uso de inteligência artificial é algo imprescindível nessas discussões. Vende mais a loja que sabe identificar o perfil e as demandas de clientes, oferecendo até ofertas personalizadas.
Todo esse conjunto de tecnologias e ações capazes de fazer uma loja prosperar está fora do radar de um pequeno supermercado que resiste há mais de 50 anos em São Paulo.
Na Avenida Engenheiro Armando de Arruda Pereira, número 3.304, no bairro do Jabaquara, o Yamato mantém a tradição do velho e bom mercadinho, e não tem do que reclamar.
“Se tiver bons preços, caixas rápidos e bom atendimento, não é preciso investir em nada disso que tanto se fala”, afirma o comerciante Flávio Augusto Pandolfi, sócio do Yamato.
A fase mais crítica da pandemia do novo coronavírus, com a clientela praticamente toda em casa, diz, foi um dos piores momentos da história do mercadinho fundado em 1967.
Sem e-commerce, o jeito foi se conectar com a clientela por meio de WhatsApp. “Não lancei aplicativo, cartão próprio, nada disso. Coloquei um chip no celular para atender os clientes.”
Assim que a circulação de pessoas voltou ao normal, diz, a freguesia também retornou. O WhatsApp, de qualquer forma, está mantido até hoje para atender cerca de 100 clientes.
Com um faturamento entre R$ 1 milhão e R$ 1,2 milhão mensais, o Yamato, que comercializa cerca de 15 mil produtos (skus), recebe a visita de cerca de 700 pessoas por dia.
Nos finais de semana, esse número sobe para 1.500.
HOME OFFICE
Já faz algum tempo que o supermercado de vizinhança vem ganhando força, especialmente depois da pandemia, quando pessoas deixaram de ir aos escritórios para trabalhar em casa.
Em cidades grandes, como São Paulo, especialmente, os consumidores preferem cada vez mais comprar nos bairros onde residem, escapando do trânsito e economizando tempo.
Tanto que redes tradicionais, como Pão de Açúcar e Carrefour, estão correndo para abrir lojas menores em bairros espalhados por várias capitais do país. Tudo para não perder este filão.
A inflação relativamente baixa e a necessidade imediata de uma compra estão dando gás aos mercadinhos, de acordo com Álvaro Furtado, presidente do Sincogava, que representa o setor.
“A diferença de preço em relação aos atacarejos, às vezes, fica na casa de centavos. Por essa razão, o consumidor acaba comprando mais no supermercado da vizinhança”, diz.
O Yamato, evidentemente, está se beneficiando deste movimento. “Há dois anos não faço jornal para divulgar ofertas. Não precisa mais. Eles já sabem que aqui é mais barato”, diz Pandolfi.
A loja fica localizada a cerca de 800 metros de uma unidade do Dia, a um quilômetro de um Pão de Açúcar e a dois quilômetros de um Carrefour.
“Tem cliente que chega aqui e não acredita nos preços. O segredo do nosso negócio é a negociação direta com os fornecedores”, afirma.
Produtos de limpeza, laticínios, temperos, cosméticos, diz, são comprados de fabricantes, não de atacados, assim como frutas, legumes e verduras são adquiridos de produtores.
Pandolfi cuida da manutenção e da chegada das mercadorias quase o tempo todo. A sua esposa, Márcia Nagaoka, filha do fundador da loja, se encarrega das compras e das finanças.
Dos seis checkouts da loja, três são administrados por parentes da família Nagaoka: Lúcia, Tomico e Fatomi. Os outros três ficam nas mãos de funcionários.
“Eu e minha esposa fazemos o meio de campo e a minha cunhada e as tias tocam os caixas. O mercadinho é uma diversão para nós, é o sustento de três famílias”, diz.
RENTABILIDADE
Desde o fim da pandemia, diz, o faturamento e o lucro da loja aumentaram. As vendas estão de 10% a 15% acima e a rentabilidade sobre o lucro líquido subiu de 3% a 4% para 7% a 10%.
“Se um supermercado não tem rentabilidade é porque compra errado e vende errado.”
Para tocar o negócio e manter essa proximidade com a freguesia, a família trabalha praticamente 12 horas por dia. Férias, diz, de vez em quando, e somente por alguns dias.
O filho de Pandolfi, Felipe, formado em engenharia, já ajuda a mãe há cinco anos no departamento financeiro. A filha, Helena, de 17 anos, começa a colocar a loja em redes sociais.
Recentemente, criou um Facebook para o mercadinho anunciar algumas ofertas. “Já tem cliente dizendo que tem visto nossas promoções no Facebook. Vamos ver o que vai dar.”
Muitas redes investem dinheiro em tecnologia, anunciando as ações para todo mundo, diz Pandolfi, mas, na verdade, só estão aumentando custos e tendo pouco resultado.
“Às vezes, uma modernização de loja pode ser bem aplicada, às vezes, não. “Tentei trabalhar com o Ifood e vi que ia perder 17% no valor da venda. Cancelei.”
HISTÓRIA
A tradição na forma de administrar o Yamato foi passada pelo fundador da loja, Ysayoshi Nagaoka, sogro de Pandolfi.
O nome Yamato é uma homenagem ao navio que trouxe uma parte da família Nagaoka ao Brasil durante o período da segunda guerra mundial.
No início, a loja se chamava Secos e Molhados Yamato.
Pandolfi diz que a única modernização à vista, no momento, é da fachada da loja, que deve ampliar o número de vagas para carros de oito para 11.
“Aqui, os clientes acham de tudo, e conseguem parar e conversar na porta com a nossa família. Nós participamos da vida deles, até de enterros”, afirma.
Esse conhecimento pessoal da clientela, diz o presidente do Sincovaga, faz toda a diferença principalmente para os moradores que estão em um raio de quatro quarteirões da loja.
“O dono se torna um personagem conhecido. Se é um bom fornecedor de frutas, legumes e verduras, frios, produtos do dia-a-dia, seguramente, a loja tem o seu nicho de mercado.”
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IMAGEM: Yamato/divulgação