Veja o que é preciso para ir à Justiça e cobrar por danos do apagão
Notas fiscais de compra de produtos e documentos que comprovam vendas diárias são essenciais para reclamar com a Enel e recorrer à Justiça. Há sentenças favoráveis às lojas
O tempo das chuvas em São Paulo sequer começou para valer e já deu para sentir que, além dos consumidores, donos de lojas, bares, restaurantes vão ter um problema a mais para enfrentar neste final de ano: as interrupções no fornecimento de energia elétrica.
As perdas do varejo na Grande São Paulo já estão na casa dos milhões de reais. Somente as fortes chuvas do dia 11 de outubro, e a consequente falta de luz, resultaram num prejuízo de quase R$ 100 milhões às lojas, de acordo com a Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Essa estimativa levou em conta o volume diário de vendas do comércio na região. Outras interrupções de eletricidade ocorreram na cidade e até hoje há residências e estabelecimentos enfrentando o apagão. Os prejuízos dos comerciantes, portanto, são ainda maiores.
As perguntas que ficam diante deste problema são o que os proprietários de restaurantes, lojas de roupas, calçados devem fazer para serem ressarcidos e se há alguma legislação que os proteja, já que está se tornando comum ter de fechar o estabelecimento por falta de luz.
A relação entre a concessionária de energia elétrica, no caso a Enel Distribuição São Paulo, e o cliente é regulamentada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que, em seu artigo 22, dispõe sobre os diretos dos consumidores, especialmente a indenização e o ressarcimento de danos em caso de falhas na prestação de serviços.
Existe também uma Resolução da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), de número 1.000/21, determinando que a distribuidora, no caso, a Enel, deve restabelecer o fornecimento de energia em até quatro horas, sem qualquer ônus para o cliente, devendo também ser creditada a compensação pela falta do serviço não entregue no período.
“Tem-se, portanto, que a responsabilidade da concessionária é objetiva, obrigando-a a responder pelos danos que decorrem da falha na prestação do serviço, não sendo possível alegar caso fortuito para se eximir de qualquer responsabilidade”, afirma Talita Veloso Dias, advogada do escritório Cerveira & Associados.
NOTAS FISCAIS
A dica que ela dá para os comerciantes é guardar todas as notas fiscais de compras de produtos e também manter organizado o fluxo de caixa, entrada e saída de dinheiro da loja.
É a partir desses dados que os juízes conseguem calcular o quanto a loja deixou de faturar no momento em que ficou sem eletricidade.
“Sem as notas fiscais dos produtos adquiridos, as comprovações das vendas e os números de protocolos de contatos feitos com a Enel, os empresários não conseguem ser atendidos. A empresa vai dificultar ao máximo para fazer qualquer ressarcimento”, afirma.
LOJA GANHA AÇÃO
A UV.LINE Comércio e Serviços de Artigos de Proteção Solar, localizada em Moema, decidiu ir à Justiça contra a Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S.A (razão social da Enel Distribuição São Paulo) por danos materiais e morais causados no final de 2023.
A loja alega que ficou sem energia elétrica do dia 3 ao dia 8 de novembro do ano passado, o que lhe causou um prejuízo de R$ 36 mil, valor que pede de ressarcimento, já que fatura, em média, R$ 6 mil por dia, além de uma indenização de R$ 10 mil por danos morais.
No último dia 15 de outubro veio a decisão da Justiça. A juíza Marina Balester Mello de Godoy, da 14ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, julgou procedente a ação.
A Enel foi condenada a pagar à UV.LINE R$ 30 mil por danos materiais e R$ 10 mil por danos morais, com correção monetária e juros, desde a data da citação (20/08/24). A Enel tem prazo de 15 dias para recorrer.
Em defesa da loja, a juíza cita que a “ré é concessionária de serviço público federal de fornecimento de energia elétrica e, nessa condição, submete-se também à normal do artigo 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, sendo-lhe aplicada a teoria da responsabilidade objetiva da administração.”
Em caso de atuação que cause danos a terceiros, diz ela, as pessoas jurídicas de direito público ou privado respondem por eles, ficando obrigadas aos reparos.
A demora na solução, afirma a juíza, caracteriza falha na prestação do serviço, uma vez que medidas mais eficazes poderiam ter sido adotadas para minimizar os danos à consumidora.
“Importa salientar que, em que pese a ré afirmar que destina investimentos para a realização de podas e manutenção de árvores, reformar da rede de fiação elétrica, é certo que ainda é insuficiente, sendo certo que, a cada evento climático que ocorre na cidade, o cenário, quase sempre, é o mesmo: diversos pontos da cidade sem energia elétrica por dias, acarretando incontáveis prejuízos aos consumidores.”
Lyonel Pellegrino, dono da UV.LINE, com 18 lojas próprias e 12 franquias espalhadas pelo país, diz que lojas em São Paulo enfrentam há algum tempo a falta de energia, mas não por período tão longo como aconteceu no ano passado com a loja de Moema.
“A nossa preocupação agora é com o final de ano, pois, qualquer dia que se perde de venda não se recupera, é prejuízo. Neste ano até demos sorte, não ficamos tanto tempo sem luz.”
Antes de recorrer à Justiça, diz, a loja tentou contato com a Enel. “Mas eles não deram abertura para um acordo. Faltou sensibilidade comercial”, afirma.
No ano passado, a Justiça também foi favorável ao açougue Frigo Lenga Comércio de Alimentos Eireli, com base em uma ação de abril de 2022. Mais de um ano depois, em novembro de 2023, a Enel teve de pagar ao comerciante R$ 78.923,74 por danos materiais.
“Cada vez mais os tribunais estão favoráveis ao reembolso, com proteção às pessoas físicas e jurídicas. Mas tem de comprovar, por isso a importância de ter toda a documentação necessária para mostrar o prejuízo”, afirma Talita, do Cerveira Advogados.
Quem está no momento de reunir a documentação é Robson Motta, proprietário de uma área de 6 mil metros quadrados, na Vila Liviero, para locação de quadras de futebol e eventos e que também conta com uma loja de material esportivo e uma lanchonete.
O espaço ficou fechado de 11 a 14 de outubro por falta de energia, justamente o período de maior faturamento do empresário. O prejuízo em locação e vendas, diz Motta, foi da ordem de R$ 30 mil e mais R$ 10 mil em produtos que estavam em geladeiras e freezers.
“Nos últimos 20 anos, só faltou energia umas duas vezes, e voltou rapidamente. Desde 2020, estamos tendo muito problema com interrupções, que estão se agravando”, diz ele.
O final de ano é um dos melhores períodos de faturamento de Motta, justamente por conta de eventos e férias escolares.
Para não correr mais o risco de ficar sem funcionar, o empresário deverá alugar geradores para o período de novembro a janeiro, o que deverá obrigá-lo também a mexer em fiações elétricas.
“Vou cobrar tudo isso da Enel, uns R$ 15 mil de produtos que estragaram, R$ 35 mil que deixei de receber de locação e mais R$ 18 mil de aluguel de geradores, fora o valor do combustível.”
Talita diz que a demanda de lojistas para saber o que fazer para ter ressarcimento por prejuízos causados pela falta de luz está crescendo, e de todos os setores, não somente de alimentação.
IMAGEM: Paulo Pinto/Agência Brasil