Vale ou não a pena investir em self-checkout?
Tecnologia, que surgiu nos anos de 1990 para facilitar a vida dos clientes, se espalhou por vários setores do varejo, levando benefícios e também riscos para as lojas. Veja dicas para evitar perdas
Quando eles surgiram, no início da década de 1990 nos EUA, os self-checkouts, ou autopagamento, entraram para a lista de investimentos de redes de varejo, especialmente de supermercados.
Afinal, se a tecnologia estava à disposição para facilitar a vida do cliente, evitando filas, nada melhor do que tê-la na loja e não correr o risco de perder venda para a concorrência.
Com o tempo, os self-checkouts foram se espalhando para vários países, setores e formatos de lojas, pequenas e grandes, e para diferentes pontos de pagamento nos estabelecimentos.
No Brasil, o boom mais recente na utilização do sistema de autopagamento se deu a partir de 2017. Por volta de 2006, o grupo GPA já oferecia o serviço em algumas de suas lojas.
Que a tecnologia veio para ficar, ninguém duvida. Mas, pesquisas e estudos feitos fora do país indicam que, se mal gerido, o autopagamento, em vez de ajudar, pode prejudicar um negócio.
PERDAS
Relatório divulgado em 2022 por Adrian Beck, professor emérito da Universidade de Leicester, no Reino Unido, um dos maiores estudiosos do assunto no mundo, revela a preocupação de lojistas com perdas, após uso de self-checkouts.
Uma pesquisa on-line com 93 varejistas da Europa, EUA e Austrália mostrou que os self-checkouts chegavam a representar até 23% das perdas totais ‘desconhecidas’ nas lojas.
A maioria dos varejistas que responderam à pesquisa era do setor supermercadista, com participação também de farmácias, lojas de departamento, bricolagem e vestuário.
Dois terços dos respondentes, de acordo com o relatório do professor Beck, viam o problema de perdas relacionadas aos self-checkouts como crescentes.
“Não há dúvidas de que os varejistas que investiram pesadamente em self-checkouts (SCO) estão tendo de desenvolver uma série de maneiras de manter as perdas associadas sob controle”, diz Beck em seu relatório.
Nos Estados Unidos, redes como Walmart, Target e Costco decidiram reavaliar o uso de máquinas de autopagamento, justamente por conta de aumento de perdas, como roubos.
No caso do Walmart, há notícias de que a rede está limitando em algumas lojas o uso de caixas de autoatendimento para membros do Walmart+ e motoristas para seu serviço de entrega.
A Target também informou que havia começado a experimentar self-checkouts para um limite de até dez itens em alguns locais selecionados.
No ano passado, a Costco solicitou a funcionários que ficassem de olho em filas de autoatendimento devido a roubos ou produtos que saíam por preços menores do que os reais.
TRUQUE DA BANANA
No Reino Unido, um fenômeno conhecido como o ‘truque da banana’ ilustra os desafios que os varejistas têm de enfrentar com o uso da tecnologia.
Na hora de passar o produto, geralmente frutas, legumes e verduras, clientes selecionam na tela o código de um item mais barato, geralmente, banana, ou outro produto de baixo custo.
A prática se tornou tão popular por lá que pesquisas indicaram que o público sequer considerava este um ato criminoso, já que o produto furtado também não era de alto valor.
Especialistas em varejo, fabricantes de equipamentos e lojistas são unânimes em afirmar que o sistema de autopagamento tende a crescer no mundo e no Brasil, como o e-commerce.
O que é preciso diante deste cenário, dizem eles, é o varejista assegurar que a tecnologia atenda às suas necessidades operacionais, estratégia de atendimento e objetivos financeiros.
Eduardo de Araújo Santos, consultor de varejo e fundador da EAS Soluções, com foco em prevenção de perdas, cita alguns pontos que os varejistas precisam olhar antes de instalar ou não self-checkouts.
1 - Perfil do Cliente e Preferências: Avaliar se o perfil dos clientes é compatível com o uso de self-checkout. Isso inclui considerações sobre a faixa etária dos consumidores, suas preferências tecnológicas, ticket médio e o tipo de produtos frequentemente adquiridos.
2 - Impacto nas Perdas de Inventário: O SCO pode elevar as perdas devido a erros de entrada ou furtos. Importante avaliar a capacidade de implementar medidas de segurança, como restrições à entrada e saída com segurança, câmeras de vigilância, supervisão dedicada e sistemas de auditoria efetivos.
3 - Eficiência Operacional e Custos de Mão de Obra: Determinar se a economia potencial em mão de obra compensa o investimento inicial e os custos de manutenção dos sistemas de SCO. A tecnologia pode reduzir filas e melhorar a experiência do cliente, contribuindo para uma maior eficiência operacional.
4 - Configuração Física da Loja: Verificar se o layout da loja comporta a instalação de terminais de SCO de forma que não interfira no fluxo de clientes, nem na acessibilidade a setores da loja.
5 - Infraestrutura Tecnológica: Examinar se a infraestrutura tecnológica suporta a integração dos sistemas de SCO, considerando também as necessidades de atualizações futuras e compatibilidade com sistemas existentes, como ERP e gestão de inventário.
6 - Impacto na equipe de colaboradores: Considerar o impacto da adoção do SCO no pessoal, incluindo a necessidade de treinamento e possível revisão de processos e realocação de tarefas, para manter o moral e a eficácia da equipe.
7 - Concorrência de Mercado: Analisar o uso de SCO pelos concorrentes e como isso pode estar afetando suas operações e a percepção dos clientes, assegurando competitividade no mercado.
8 - Compliance Legal: Certificar-se de que o uso de SCO está em conformidade com todas as regulamentações aplicáveis, incluindo aquelas relacionadas à privacidade e proteção de dados.
9 - Testes e Feedback: Implementar um projeto-piloto em locais selecionados para avaliar a aceitação dos clientes, a eficácia operacional e o impacto nas perdas, coletando feedback que orientará a implementação em maior escala.
10 - Análise de Retorno sobre o Investimento (ROI): Realizar uma análise detalhada do retorno sobre o investimento, considerando os custos e benefícios diretos e indiretos, para entender a viabilidade financeira do projeto.
Todos esses pontos, de acordo com Santos, podem ajudar o varejista a fazer a sua escolha, equilibrando a melhoria da experiência do cliente com a gestão eficaz das operações e minimização de perdas.
Hoje, no Brasil, diz ele, é difícil medir exatamente as perdas desconhecidas com self-checkouts, até porque os varejistas não se aprofundaram nos riscos e nos desafios do uso da tecnologia.
Na Inglaterra, já se tem uma ideia. Estudo feito pela Ipsos com pouco mais de mil consumidores revelou que 8% dos britânicos pegam itens que valem até dez libras sem pagar.
A pesquisa também identificou que 13% deles furtam produtos de até uma libra.
Em 2023, o furto em lojas na Inglaterra resultou em perdas de quase 8 bilhões de libras para as lojas, de acordo com o estudo.
DEMANDA
Com ou sem perdas, o fato é que a demanda por self-checkouts deu um salto no Brasil.
Um dos maiores fabricantes desses equipamentos no país, a Laurenti, que já tem 12 mil equipamentos instalados, tem pedidos em carteira para os próximos três meses.
Com início da produção em 2013, a Laurenti comercializou 20 máquinas de self-checkout em 2014. Este ano, a previsão é de 5 mil unidades, quase o dobro do número do ano passado.
Pela primeira vez, a fábrica, localizada em São Paulo, passou a trabalhar em três turnos para dar conta dos pedidos, de 700 equipamentos por mês.
“Entramos no negócio em 2012 para resolver problema de equipamento importado pela rede Muffato e vimos uma oportunidade de mercado”, diz Luís Fernando Laurenti, CEO da empresa.
Além de reduzir filas nas lojas, diz ele, um outro motivo tem levado, especialmente os supermercados, a investir em máquinas para autopagamento: falta de mão de obra.
“Ninguém consegue contratar operador de caixa e tudo indica que esse problema vai piorar. O salário para essa função é baixo e ainda é preciso trabalhar nos finais de semana. A geração mais nova prefere trabalhar com internet, sem sair de casa, ganhando mais”, afirma.
Todos os setores envolvidos com self-checkout, como consumidores, supermercados e fabricantes, diz ele, estão em um momento de aprendizado e evolução das máquinas e seu uso.
ANÁLISE
Gustavo Carrer, chefe de vendas e desenvolvimento de negócios na Inwave, diz que o cenário dos EUA é diferente do Brasil.
Lá, diz ele, os self-checkouts foram introduzidos há décadas e estão presentes em grande número no varejo, principalmente nos supermercados.
Em muitas lojas, o número de self-checkouts chega a ser de quatro a cinco vezes maior do que o de caixas convencionais.
“O fato é que, nos últimos anos, tem sido observado um aumento expressivo das perdas nas operações do varejo como um todo, principalmente nos EUA. Dessa forma, é natural que os números apontem perdas também nos self-checkouts”, afirma.
Não existem indicadores no Brasil ou fora, diz, de que as perdas no autopagamento sejam maiores do que as identificadas nos caixas convencionais.
“De fato, o que é fundamental para mitigar erros operacionais, fraudes e furtos é o uso de tecnologia de monitoramento e supervisão dessas operações”, afirma.
Mais importante do que o tipo de caixa utilizado, em sua avaliação, é a forma como o varejista organiza a operação e, principalmente, a supervisão.
“Diferente do que possa parecer, o self-checkout não elimina a necessidade de fiscalização, mas promove uma importante redução do número de operadores e fiscais, além de reduzir filas, o que impacta diretamente na jornada de compras do consumidor.”
O fator humano, diz, é o elemento que promove vulnerabilidade nesse processo.
“Por essa razão, seja no caixa convencional ou no self-checkout, é fundamental utilizar tecnologias de monitoramento e supervisão remota, garantindo o registro correto dos produtos”.
Para Marcos Escudeiro, conselheiro de empresa e especialista no varejo alimentar, a implantação de self-checkouts no Brasil, embora tenha sido motivada pela intenção de reduzir atritos com os clientes, como redução de filas e de custos, não tem entregado os resultados esperados.
“Observo, como consumidor, especialmente em São Paulo, o número de equipamentos frequentemente inoperantes e a necessidade constante de assistência de funcionários. A complexidade das operações, a falta de treinamento adequado e a resistência cultural ao autoatendimento são alguns dos fatores que contribuem para o fracasso dessa iniciativa.”
Para ele, com mais de 30 anos no setor, o operador de caixa tem a função-chave no relacionamento com o cliente.
“Essa proximidade, como a que vivenciei em redes como Cândia e Extra, era uma estratégia eficaz para fidelizar o consumidor. Atualmente, tenho sugerido a colegas do ramo a experiência de fazer compras em lojas como Casa Santa Luzia e Da Santa, que valorizam essa abordagem.”
IMAGEM: divulgação