Sua empresa busca talentos? Monte um programa para atraí-los

Capacitar jovens recém-formados pode ser uma saída para vencer a escassez de mão de obra qualificada

Italo Rufino
14/Abr/2015
  • btn-whatsapp
Sua empresa busca talentos? Monte um programa para atraí-los

São frequentes as queixas de empresários sobre a dificuldade para recrutar bons profissionais. Há quem diga que a universidade não prepara o jovem para as realidades do mercado – o que faz com que os recém-formados não sejam tão produtivos quanto deveriam.

Outros apontam que contratar pessoas experientes é caro e arriscado. Os profissionais chegam à empresa com vícios indesejáveis e levam tempo para se adaptar às novas condições de trabalho e aos valores da empresa – isso quando não vão embora antes de terminar a imersão.

De acordo com uma pesquisa da consultoria ManpowerGroup, o Brasil é o quarto país do mundo no que diz respeito à dificuldade para preencher vagas. A média global de empreendedores e executivos que se queixam sobre a escassez de talentos é de 36%. Entre os brasileiros, o índice é quase o dobro: 63%. 

Diante das circunstâncias, boa parte das empresas busca uma solução de meio termo. Recrutam jovens e os treinam rapidamente para poderem assumir cargos de liderança que serão essenciais para o futuro desenvolvimento da companhia. São os chamados programas de trainee.

“A aceleração de carreira faz com que jovens talentos se tornem profissionais de excelência em um curto espaço de tempo”, afirma Sandra Cabral, diretora da Cia de Talentos, consultoria especializada em recrutamento e seleção.

Nem sempre é um caminho fácil. “Um programa de trainee só é viável se estiver alinhado com o planejamento estratégico da empresa”, diz Sandra. Veja como saber se sua empresa precisa de um de trainee e quais aspectos devem ser considerados ao montar um programa. 

QUANDO UM TRAINEE É RECOMENDADO PARA UMA EMPRESA 
Nem todas as empresas precisam de fato de um trainee. “Em geral, o programa é indicado para aquelas que necessitam de pessoas para assumir cargos de liderança e não encontram em sua base de funcionários profissionais com a qualificação adequada”, afirma Flávia Queiroz, gerente da Page Talent, consultoria especializada em recrutamento de trainees.

Empresas em rápido crescimento podem optar por um programa para preparar profissionais para ocupar áreas que terão demanda em curto e médio prazo, como uma varejista de sapatos que pretende abrir uma nova unidade e precisa investir no departamento de marketing para aumentar a carteira de clientes em determinada região. 

O programa de trainee também pode ser flexibilizado para formar profissionais que não vão ocupar necessariamente cargos de gestão, como um analista sênior ou coordenador júnior.

Empresas que necessitam de funcionários com conhecimentos técnicos muito específicos, como uma empresa de biotecnologia especializada em controle de pragas agrícolas, pode usar o programa de trainee para não ter que depender da pouca disponibilidade de profissionais especializados em sua área de atuação. 

Ao pensar em longo prazo, o empreendedor pode atrelar o programa às metas estratégicas da empresa, como implantação de inovações tecnológicas, aumento da produtividade da equipe e redução da rotatividade de pessoal. 

COMO PREPARAR A EMPRESA PARA RECEBER O TRAINEE 
Se não são todas as empresas que precisam de trainee, o número daquelas que estão preparadas para receber um é menor ainda.

“Se a empresa ainda não possui uma política de desenvolvimento e avaliação de pessoal, é bem provável que o trainee não consiga evoluir internamente”, diz Sandra Cabral, da Cia de Talentos. “A empresa também não pode oferecer uma série de benefícios de carreira ao trainee se, ao mesmo tempo, não dá oportunidades para os outros funcionários se desenvolverem.” 

A empresa precisa também preparar os gestores que vão lidar com os jovens. “É necessário esclarecer para os funcionários as finalidades do programa e quais serão suas responsabilidades com os participantes”, afirma Iracema Andrade, diretora da Viva Talentos, consultoria de seleção e recrutamento. “Também é recomendado explicar as características dos jovens, que tendem a ser mais ansiosos e ter necessidade de se sentirem valorizados”. 

Os especialistas recomendam que funcionários veteranos se tornem mentores dos trainees. Neste caso, o papel do mentor é passar conhecimento sobre o negócio e discutir sobre as possibilidades de carreira do jovem dentro da empresa. 

Também é recomendado que a empresa escolha um padrinho para o programa. “É melhor que seja um alto executivo para poder dar credibilidade e seriedade ao programa dentro da empresa”, diz Sandra. 

QUAIS ATIVIDADES OS TRAINEES PODEM DESENVOLVER 
Os programas de trainee costumam ter duração média de 12 a 24 meses. Especialistas recomendam que o cronograma combine atividades teóricas e práticas. Nos primeiros meses, é indicado que o jovem conheça amplamente o modelo de negócios da empresa para saber como funcionam os processos internos de cada área da organização.

“O trainee precisa ter uma visão do ciclo do negócio”, afirma Sandra Cabral, da Cia de Talentos. Nessa fase, o trainee pode fazer o que os especialistas chamam de job rotation – imersões de aprendizado em diferentes departamentos da empresa. “O jovem também pode começar a desenvolver suas primeiras atividades práticas”, diz Sandra.

Um trainee com formação em marketing, por exemplo, pode passar uma temporada no departamento de finanças para saber como as duas áreas se relacionam. Depois, ele pode fazer uma apresentação para funcionários de ambos os lados para falar sobre suas percepções, os pontos positivos e negativos e dar sugestões de melhoria em processos. 

Os programas também abrangem treinamentos técnicos e comportamentais, como workshops de gerenciamento de projetos e comunicação e influência, que ensina técnicas de negociação, trabalho em equipe e como criar uma rede de contatos. 

Victor Noda, sócio da Mobly, e Felipe Brasileiro, ex-trainee: aprendizado e colaboração é estímulo para o jovem

Algumas empresas costumam integrar os jovens aos projetos que fazem parte do planejamento estratégico da empresa. E o caso do programa de trainee da paulista Mobly, loja online de móveis e produtos para casa. “Nossos trainees colocam a mão na massa logo de cara”, afirma Victor Noda, de 34 anos, sócio da Mobly.

O programa de trainee recebe, anualmente, cinco participantes e tem duração de 10 meses. Em 2014 foi promovida a segunda edição. Um dos participantes foi o engenheiro químico João Vitor Barnabé, de 28 anos, que participou de um projeto na área transporte. Sua missão: implantar um sistema de logística própria para reduzir custos e aumentar a disponibilidade de entregas para diminuir a dependência das transportadoras terceirizadas. “Fazia a gestão dos caminhoneiros e a definição das rotas com melhor custo-benefício”, diz Barnabé.

Ao longo do ano, o serviço foi expandido da região metropolitana de São Paulo para o interior do estado. Produtos pesados, como colchões e sofás, passaram a ser entregues apenas pelos caminhões agregados pela Mobly – as transportadoras costumavam cobrar mais caro por causa do maior peso e volume. “Em média, tivemos uma redução de custo de 40% com entregas”, afirma Barnarbé.

Após colher bons frutos com o trainee, a Mobly criou uma área focada na gestão de logística própria que é dirigida pelo próprio Barnabé, que coordena uma equipe de oito pessoas com o objetivo de levar o serviço para o Rio de Janeiro e Minas Gerais nos próximos meses. Em 2013, ano que Barnabé foi selecionado para o programa, a Mobly faturou cerca de R$ 120 milhões, segundo estimativas de mercado. Em 2014, a empresa quintuplicou suas receitas. 

QUAIS CRITÉRIOS PODEM SER USADOS NA SELEÇÃO  
O primeiro passo ao recrutar os trainees é definir os pré-requisitos de seleção. Qual a formação desejada? Quais universidades têm preferência? Fluência em inglês é imprescindível? A empresa precisa de um analista ou de um supervisor? Nesse momento, o responsável pelo programa de trainee deve se manter coerente com as carências da empresa e de como o programa pode solucioná-las. Com as definições pautadas, a empresa pode abrir o processo seletivo. 

Uma orientação para empresas com menos recursos é buscar alunos de último semestre de cursos de graduação. Se a empresa quer um economista, pode anunciar ou fazer palestras em escolas de economia que sejam referência na região. Grandes empresas costumam contratar consultorias especializadas e fazer seleções que reúnem milhares de candidatos. 

Em todos os casos, é necessário implantar uma série de filtros para se chegar a uma boa escolha. Análise de currículo e testes online de matemática, português, idiomas estrangeiros e raciocínio lógico costumam ser adotados nas primeiras etapas.

Com um volume menor de candidatos, a empresa pode fazer etapas presencias, com dinâmicas em grupo e entrevistas – é um bom momento para identificar os valores dos jovens, saber se eles têm real interesse pelo negócio e pelo setor de atuação da empresa.

Nas últimas fases, é recomendado que os diretores da empresa participem do processo. Em uma dinâmica, por exemplo, o empreendedor pode contar uma situação real que a empresa passou ou poderá passar e pedir para os candidatos sugerirem soluções práticas. 

Fazer uma seleção com o plantel de dentro da casa também é recomendado. “Funcionários e estagiários que se enquadram nos pré-requisitos devem ser estimulados a participarem da seleção”, afirma Sandra Cabral, da Cia de Talentos. A Avon é uma das empresas que utiliza esse método.

Fernanda Maranhão, trainee da Avon: apresentação para o presidente da empresa durante o processo seletivo

 A companhia estruturou seu programa de trainee no ano passado. Os participantes do programa são ex-estagiários e analistas graduados há no máximo um ano. A primeira turma de 15 participantes vai iniciar as atividades em março. “Nosso programa de trainee faz parte de um plano de carreira contínuo dentro da empresa”, afirma Bruno Zimbardi, coordenador de Talent Management da Avon. “Queremos formar uma boa base de jovens profissionais para não ter que depender, exclusivamente, de contratações de executivos no futuro”.

Uma das participantes é a ex-estagiária Fernanda Maranhão, de 21 anos – que aparece (a frente) na foto no ínicio dessa reportagem junto a outros trainees da Avon. “A última etapa da seleção foi fazer uma apresentação sobre oportunidades de expansão da marca para o presidente da Avon”, afirma Fernanda, que atuava na área de Suply and Chain e agora será alocada no departamento de marketing. 

Após a seleção, é recomendado que os trainees selecionados recebam orientações sobre como agir no ambiente da empresa. Por vezes, pode acontecer de jovens com bom desempenho durante a seleção mantenha o ego muito inflado e acabe tendo problemas ao se deparar com a realidade da empresa. “O jovem precisa manter a paciência e, principalmente, a humildade para lidar com os novos companheiros profissionais”, afirma Iracema Andrade, da Viva Talentos. 

COMO MANTER O TRAINEE ESTIMULADO  
De acordo com uma pesquisa da consultoria HayGroup, a média salarial de um trainee é de R$ 5 100. No entanto, especialistas afirmam que somente um bom salário não é o suficiente.

“O trainee se preocupa mais em como será o seu desenvolvimento profissional, a imagem da empresa no mercado e a possibilidade de inovar do que com a remuneração”, afirma Sandra Cabral, que desenvolve anualmente a pesquisa A Empresa dos Sonhos dos Jovens. De acordo com o mais recente levantamento, a remuneração não aparece nem entre os cinco primeiros critérios usados pelos jovens na hora de escolher a melhor empresa para trabalhar.

“O trainee quer desafios e novas responsabilidades para ter certeza que está sendo útil”, diz Sandra. “Para ele, colaborar com a empresa é a melhor forma de se sentir estimulado.” O engenheiro mecânico Felipe Brasileiro, de 24 anos, que foi trainee da Mobly em 2013, acredita que umas melhores partes do programa foi poder se relacionar com pessoas mais experientes. “Em um mês participando de reuniões e projetos junto com os diretores e os sócios da empresa foi como se eu aprendesse mais do que em um ano na faculdade”, afirma Felipe.

Durante o programa, o jovem ajudou no desenvolvimento de um sistema de recomendação de produtos e promoções que se baseava nos hábitos de navegação dos clientes dentro do site. “O sistema só enviava anúncios de produtos aos clientes que realmente tinham interesse em comprar”, diz Felipe. Em três meses, as vendas no site aumentaram 10%. Há algumas semanas, Felipe foi promovido para o cargo de diretor de marketing online da Mobly e passou a coordenar uma equipe de 30 funcionários. 

COMO AVALIAR O DESEMPENHO DOS PARTICIPANTES 
Os trainees costumam ser avaliados pelos projetos que participaram ao longo do programa. A avaliação pode ser feita pelo gestor que acompanha o jovem no dia a dia das tarefas. Além da complexidade e execução de cada projeto, o trainee é avaliado principalmente pelo seu comportamento profissional. O jovem também pode fazer uma autoavaliação e discutir com seu gestor sobre as suas dificuldades.

É recomendado que as empresas façam avaliações formais a cada três ou seis meses. “O jovem precisa de feedbacks constantes”, diz Sandra Cabral. “As avaliações podem corrigir pequenos desentendimentos antes que se eles tornem uma frustração maior para o trainee.”

Na Avon, por exemplo, o trainee será avaliado a cada semestre. No final do ano, um comitê formado por gestores, mentores, profissionais do RH e um coach avaliam individualmente cada trainee. “Aqueles que não atenderem as expectativas poderão ser desligados da empresa”, afirma Bruno Zimbardi, coordenador da Avon.

Em média, as empresas costumam aproveitar 85% dos participantes ao final do programa. “Diferentes do estagiário, que muitas vezes precisa que haja uma nova vaga para ser efetivado, o trainee já entra no programa com sua vaga reservada”, diz Iracema Andrade, da Viva Talentos. “No entanto, baixo desenvolvimento pode levar a demissões”. Ou seja, grandes atribuições embutem grandes responsabilidades. 

O Diário do Comércio permite a cópia e republicação deste conteúdo acompanhado do link original desta página.
Para mais detalhes, nosso contato é [email protected] .

 

Store in Store

Carga Pesada

Vídeos

Alessandra Andrade é o novo rosto da SP Negócios

Alessandra Andrade é o novo rosto da SP Negócios

Rodrigo Garcia, da Petina, explica a digitalização do comércio popular de São Paulo

Alexandra Casoni, da Flormel, detalha o mercado de doces saudáveis