Shoppings têm receita recorde, mas desafios com avanço do e-commerce
Estudo da JLL Consultoria mostra que as vendas online, que em 2018 alcançavam 5% dos resultados das vendas offline, agora estão perto dos 10%
Um ano de recordes nas vendas em shopping centers não esconde os desafios do setor. E dois fatores contribuem para isso. O primeiro é a mudança de hábitos dos consumidores, que querem experiências cada vez mais personalizadas. O outro é o acelerado avanço do e-commerce.
De acordo com a Associação Brasileira de Shoppings Centers (Abrasce), as vendas nesses centros de compras avançaram 1,5%. Apesar de ter levado a um volume de vendas recorde, em termos nominais, o avanço porcentual ficou abaixo da média do varejo como um todo (4,1%, segundo o IBGE) e ainda menos do que as registradas no e-commerce (alta anual de 9,5%, segundo a Associação Brasileira do Comércio Eletrônico-ABComm). O volume de receita nas vendas digitais (R$ 185,7 bilhões) já é equivalente ao registrado nos shoppings (R$ 194,7 bilhões).
A JLL Consultoria afirma no estudo Panorama dos Shopping Centers no Brasil 2024 que o e-commerce até 2018 alcançava 5% do resultado das vendas offline e em 2024 está perto dos 10%. Apesar dos desafios enfrentados, os shoppings ainda possuem algumas vantagens competitivas. “São lugares onde as pessoas podem socializar, experimentar produtos antes de comprar, participar de eventos e ter uma experiência de compra completa”, escreveu no documento.
Isso reforça outro ponto de atenção e desafiador para o segmento: a mudança de hábito do consumidor. “A perspectiva é que haja uma valorização da experiência individual, criando oportunidades para que as marcas e redes varejistas estabeleçam maior relacionamento com seus consumidores.”
O mapeamento da JLL foi feito em 21 estados brasileiros com 117 empreendimentos – (18% do total do país), representando 26% da ABL (área bruta locável) e 51% do valor total de vendas.
Em termos de ocupação, outro importante indicador de saúde no segmento, a taxa média dos ativos analisados pela JLL está em 96% de ocupação. No entanto, ao analisar a variação do índice entre 2022 e 2023, observaram-se dois comportamentos opostos: 50% dos ativos apresentaram aumento na taxa de ocupação, enquanto os outros 50% tiveram redução. “A variação pode ser atribuída, em parte, às dificuldades vivenciadas por algumas redes varejistas brasileiras, que encerraram operações em alguns shopping centers”, afirmou Lídia Gomes, Real Estate Advisory manager. “Essa vacância resultou em um processo de reposição e ocupação mais lento em alguns ativos do que em outros.”
Apesar de recortar sua análise a 117 endereços (dos 639 shoppings existentes no Brasil), os dados da JLL praticamente batem com os da Abrasce (taxa de ocupação de 95% no segundo trimestre de 2024), divulgados dia 16 de agosto. Esse resultado representa aumento de 0,4 ponto porcentual em relação ao segundo trimestre de 2023.
TENDÊNCIAS
O estudo da JLL aponta também quais serão as principais tendências para o futuro próximo desse mercado. E quatro se destacam. A primeira é gastronomia. Experiências gastronômicas exclusivas e mercados gourmet são e continuarão a ser um diferencial no mix dos shoppings. Pela análise da JLL, espera-se a ampliação da área bruta locável destinada a esse segmento, incluindo restaurantes fora da praça da alimentação ou reformulação dessas praças, para atender a um público cada vez mais interessado em um ambiente moderno e confortável.
A segunda tendência é inevitável: inteligência de dados como forma de obter informações comportamentais dos consumidores. Junto da terceira tendência, a inteligência artificial (IA), que permitirá antecipar hábitos de consumo, otimizar e gerir estoques e gerar campanhas de marketing específicas e relevantes, com ofertas direcionadas.
Por fim, outra tendência são os complexos multiusos, que ganham força. No documento, a JLL diz que “essa é uma tendência em linha com as novas dinâmicas urbanas, de viver melhor e mais próximo ao trabalho, com serviços e lazer próximos”.
ENTREVISTA – ALLOS
Nascida há um ano da fusão da Aliansce Sonae com a brMalls, a Allos administra 58 shopping centers presentes nas cinco regiões do Brasil, com mais de 15 mil lojas de 4 mil marcas. Em entrevista à DC NEWS, a CFO Daniella Guanabara falou do momento da companhia e do cenário para o segmento diante de novos hábitos dos consumidores. “É importante ressaltar que cuidamos dos nossos shoppings como destinos e cada vez mais eles fazem parte da vida das pessoas. São espaços onde os consumidores podem resolver suas vidas”, afirmou. A seguir, trechos de sua entrevista:
DC NEWS – Como está o índice de vacância nos shoppings da Allos em 2024 comparado a 2023?
Daniella Guanabara – A ocupação se manteve na casa de 96,3%, mesmo com os efeitos sazonais do primeiro trimestre, com um ritmo forte de assinaturas de novos lojistas – 150 contratos assinados e 21 mil m² de área bruta locável (ABL) contratada no primeiro trimestre de 2024. Além da manutenção da taxa de ocupação, apresentamos crescimento na receita de locação e queda na taxa de inadimplência, que ficou em 3,6%.
DCN – No segundo trimestre, a receita de locação atingiu R$ 468,5 milhões, aumento de 1,3% sobre o mesmo trimestre do ano passado, apesar do cenário de deflação acumulada nos últimos 12 meses nesse universo. A que se deve essa performance?
Daniella – É importante ressaltar que nós cuidamos dos nossos shoppings como destinos e cada vez mais eles fazem parte da vida das pessoas. São espaços onde os consumidores podem resolver suas vidas, encontrar entretenimento e lazer, ter acesso a serviços diversos. Academia, cursos, clínicas médicas.
DCN – Há uma mudança de hábito do consumidor?
Daniella –As experiências passam a ganhar protagonismo. Sejam os eventos que os shoppings proporcionam, seja a busca por operações de alimentação ou o mix de produtos e serviços que agradem a esse consumidor. Todo esse movimento leva fluxo para um shopping e, consequentemente, também gera negócios.
DCN – A Allos anunciou que desinvestiria R$ 1 bilhão. Por que esse movimento?
Daniella – No caso do Top Shopping, em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, faz parte da estratégia da companhia de desinvestir de shopping menos relevantes, buscando concentrar sua participação nos capazes de gerar maior crescimento no longo prazo. E estamos utilizando parte desse recurso de desinvestimento no programa de recompra de ações.
ENTREVISTA – TACLA
Com 12 empreendimentos por Paraná, Santa Catarina e São Paulo, o Grupo Tacla é o maior do Sul do Brasil. O diretor da empesa, Mounif Tacla Neto, disse que o momento é bom e que investimentos estão sendo realizados. São R$ 500 milhões previstos para novos projetos. Confira trechos da entrevista:
DC NEWS – Quais são os investimentos de 2024?
Mounif Tacla Neto – Entre as novidades que o grupo acaba de divulgar, destaque para o Plaza Campos Gerais, o segundo empreendimento no município de Ponta Grossa (PR). O novo centro de compras já está em construção e vai ter 142 lojas e 16 operações de fast food. Também estamos expandindo os dois outlets do grupo: o City Center Outlet Premium, em Campo Largo (PR), e o Porto Belo Outlet Premium, em Porto Belo, (SC).
DCN – O setor de shoppings voltou a operar no positivo depois da pandemia?
Tacla Neto – Sim, após um período desafiador durante a pandemia, o setor de shoppings se recuperou, alcançando os números pré-pandemia e, em muitos casos, até superando anos anteriores. A recuperação das vendas dependeu significativamente de ações específicas adotadas pelos administradores e gestores para atrair os consumidores de volta, não só para incentivar as vendas, mas também para criar ambientes mais atrativos e de experiência para os consumidores.
DCN – O Grupo Tacla acompanhou esse crescimento?
Tacla Neto – Nosso grupo registrou crescimento de 59,6% em vendas, no comparativo de 2019 a 2023. Claro que devemos considerar que em 2019 inauguramos o Jockey Plaza Shopping Center, em Curitiba (PR). Desconsiderando o Jockey, o crescimento do grupo foi de 35% em relação ao ano de 2019.
DCN – Como está a taxa de vacância nos shoppings do grupo?
Tacla Neto – Representa menos de 7%, com a ocupação de 93,17%, no ano passado, considerando a média entre todos os empreendimentos do grupo.
DCN – Quais os fatores principais na estratégia de crescimento?
Tacla Neto – A implantação do Plaza Campos Gerais, em Ponta Grossa, é consequência do crescimento da cidade, da localização oportuna do terreno e dos bons resultados que o Shopping Palladium Ponta Grossa, nosso outro shopping na cidade, vem apresentando. Já a expansão dos outlets segue um caminho natural de evolução e maturação dos empreendimentos.
DCN – Como avalia o provável movimento do BC de elevar juros ou não mais cortar para conter a inflação?
Tacla Neto – A decisão pode ser vista como uma medida para controlar a inflação e garantir a estabilidade econômica. No entanto, isso cria um cenário desafiador para setores que dependem de financiamento barato e de um ambiente econômico favorável ao consumo. Mesmo estando em plena recuperação, o setor ainda enfrenta desafios. No entanto, a resiliência e adaptação mostradas indicam uma perspectiva positiva a médio e longo prazo.
IMAGEM: Luludi/DC