Sandra Chayo, da Hope: 'Se deixar de ouvir o cliente, o negócio desanda'
A sócia-diretora da marca de moda íntima, que vai completar 60 anos em 2026, fala sobre o momento atual da empresa, que inclui peças mais baratas, collabs e incursão pelo universo masculino para alcançar números recordes

Uma companhia com quase 60 anos de atividade, mas "que trabalha com mentalidade de startup, pois está sempre inovando." É com essa espécie de mantra que Sandra Chayo, sócia-diretora da Hope, comanda, em conjunto com as irmãs Daniela Shalev e Karen Sarfaty, os negócios da Hope, pioneira no país em moda íntima, beachwear e fitness, fundada por seu pai, Nissim Hara, em 1966, no bairro paulistano do Brás.
Pioneira também ao lançar o primeiro merchandising na TV brasileira em 1985 (na novela Roque Santeiro, da TV Globo), a Hope foi uma das primeiras marcas do segmento a incentivar que lingeries e pijamas se tornassem itens de moda para "deixar as mulheres mais confiantes e poderosas", diz Sandra.
Também foi uma das primeiras a fazer a incursão no varejo, além das multimarcas via franchising, com lojas sofisticadas em shoppings e lojas para cidades de até 200 mil habitantes que unificam duas marcas (Hope e Hope Resort) sob a mesma fachada. Lançou ainda um dos primeiros e-commerces de moda no país.
Das parcerias com celebridades televisivas, e depois influencers para ampliar o alcance da marca e virar uma love brand (conceito de marca que descreve conexão emocional com os consumidores), segundo Sandra, o Grupo Hope vem batendo recordes de produção e vendas puxadas pelo modelo de franchising.
A estratégia mais recente, lançada em 2024, foi investir em peças mais baratas (de R$ 29,90 a R$ 39,90) e se consolidar na moda íntima masculina com cuecas e pijamas. Há também os collabs com outras love brands, como a Baccio di Latte e a Hope Resort, e a ampliação do seu squad para mil influenciadoras. Tudo isso tem levado aos números recordes e à projeção de atingir R$ 525 milhões em faturamento em 2025.
Em bate-papo com o Diário do Comércio, Sandra Chayo conta um pouco mais sobre o novo momento da empresa e explica por que a receita para a longevidade dos negócios vai muito além da inovação. "O mais importante é a capacidade de escutar o cliente que marcas e empresas precisam ter." Confira a entrevista:
Diário do Comércio - A Hope trabalhou a vida toda com lingerie feminina, mas há dois anos entrou no mercado masculino. Recentemente, também atingiu recorde histórico de faturamento de mais de 400 milhões, e passou a oferecer peças de valores mais acessíveis para o cliente. Fale um pouco desse novo momento.
Sandra Chayo - A gente não divulga faturamento da empresa, da companhia, mas o faturamento da rede franqueada, que na verdade foi de R$ 460 milhões no ano passado. Foi um crescimento de 36,5% em cima de uma base também de crescimento do ano anterior, então (2024) foi um ano muito forte. E realmente essa estratégia de entrar com preços de entrada, mais acessíveis ao consumidor, foi muito assertiva.
Mas não foi só isso: a gente tem sempre esse conceito de inovação, temos novos produtos, novas ações a todo momento, e uma marca nova, além da Hope, que é a Hope Resort, nosso braço de lifestyle do grupo, que não é a moda íntima, é a moda fitness e a moda praia e que também está em plena ascensão.
E por que só agora vocês entraram nesse modelo com preços mais acessíveis?
Na verdade, a gente fez um trabalho importante no final de 2023, com uma consultoria externa para o desenvolvimento do nosso planejamento estratégico. Pela primeira vez, a gente não fez isso dentro de casa, trouxemos uma consultoria externa, que foi a Bain & Company, para ajudar a rever esse planejamento. E tivemos grandes insights a partir disso. Um deles foi que, se a gente aumentasse nosso público endereçável, aumentaria consideravelmente o nosso faturamento e a nossa relevância nesse universo da moda íntima.
Então foi isso que a gente fez: em vez de baixar os preços, o que seria impossível com os aumentos de custo, a inflação, desenvolvemos novas linhas mais acessíveis que não prejudicam a nossa qualidade, o nosso estilo, o nosso conceito feito de inovação. Muito pelo contrário, são linhas super tecnológicas, mas com uma tecnologia simples, que parece a de uma impressora 3D. Porque na confecção você pega um tecido, corta os moldes e emenda as costuras para ter a peça pronta. Como essa tecnologia, você entra com o fio e do fio a peça já sai pronta da máquina, por isso que ela é chamada de sem costura.
A gente traz então essa tecnologia que permite custos mais enxutos, inclusive de mão de obra e tudo mais. E foi um investimento importante, um investimento grande nesse tipo de maquinário (cerca de R$ 13 milhões), porque são máquinas importadas italianas, caras, para oferecer um produto com nossa característica de inovação, com nossa qualidade, mas também com preço acessível.
A Hope se voltar para o mercado de moda masculina também foi resultado da consultoria? (a Mash fez parte do grupo até o fim dos anos 90, mas as novas peças são exclusivas da Hope)
A gente já estava com esse lançamento realizado quando contratamos a consultoria, mas vimos que esse universo pode ser muito maior do que estávamos imaginando. Então, depois, com as pesquisas, vimos que há um potencial muito grande de se firmar nesse mercado de moda íntima masculina - tanto que estamos ampliando a coleção, a oferta dos produtos. Também lançamos uma cueca acessível, pois essa é uma linha de crescimento importante para nossa estratégia, com certeza.
No ano passado, vocês chegaram a vender mais de 1 milhão de peças por mês algumas vezes. Qual a perspectiva de aumentar esse número no atual momento?
Foram 9,5 milhões de peças no total, número que já aumentou consideravelmente porque até então eram 7 milhões de peças por ano a média que a gente fazia, ou seja, já houve um crescimento da nossa produção. Este ano temos um desafio importante, que é chegar a 12 milhões de peças.
Vocês estão com mais de 270 franquias, e nessas lojas vocês operam com alguns modelos diferenciados. Todas essas unidades têm espaço para moda masculina e para as peças mais acessíveis, ou há algum diferencial nas lojas para essas peças?
As nossas franquias são um pilar bem estratégico no nosso negócio, pois foi a nossa entrada no varejo, né? A Hope, por 40 anos, foi indústria, vendia para lojas multimarca, para lojas de departamento... mas 20 anos atrás a gente se lançou no varejo através do modelo de franquias com a marca Hope, que era a que a gente tinha naquela época. Em 2017, com o surgimento da Hope Resort, passamos a oferecer mais opções de franquia, depois ainda lançamos um outro modelo, que une as duas marcas do grupo.
E hoje, essa estratégia de crescimento através das franquias, principalmente a que une as duas marcas, a Hope Duo, é bem importante. Temos um plano bem agressivo de crescimento dessas lojas: atualmente já estamos com 303 franquias, mas o objetivo para este ano é inaugurar mais 100 lojas.
Vocês estão vendendo por meio das multimarcas ainda?
Esse é um canal bem importante para a Hope, é um canal em que a gente atua fortemente há quase 60 anos e agora, com a Hope Resort, também. Porque a Hope Resort nasceu como monocanal, praticamente só tinha o canal das franquias e do e-commerce. Era venda direto para o consumidor, mas a gente lançou, no final do ano passado, no segundo semestre, essa marca para o canal multimarcas também.
É uma avenida de crescimento importante para a gente, e um canal bastante relevante para o nosso negócio além do e-commerce. A gente quer dar cada vez mais força para ele. Tem muitos lojistas pelo Brasil que trabalham com várias marcas, então temos um plano de desenvolvimento para esse canal, a gente coloca corners das nossas marcas nestes espaços...
Nessas lojas a gente também dá um suporte em relação à gestão do negócio deles, e todo esse know-how de varejo que adquirimos com a franquia, a gente oferece agora para esse lojista multimarcas. Questão de vitrines, de visual merchandising, de treinamento da equipe... É um pacote bem completo.
É quase uma 'universidade corporativa' para as multimarcas, né? Quanto elas representam hoje do negócio de vocês? E o e-commerce?
Isso mesmo. Hoje (as multimarcas são) cerca de 25% do negócio. E e-commerce é um canal bem importante também. Entre os canais digitais e o nosso e-commerce, a representação é de cerca de 20%.
Há três anos vocês fizeram um processo de reformulação para o e-commerce e hoje o varejo em geral vem enfrentando a questão da concorrência com os marketplaces estrangeiros. Tem lojistas que reclamam, que dizem que a competição é injusta. Como a Hope lida com essa questão?
Há uma relação injusta com os importados, principalmente os importados chineses, mas eles têm uma qualidade diferente da nossa. O nosso consumidor, a nossa consumidora, valoriza a nossa qualidade, nossa proposta de valor como marca. Então, não tem sido um problema para a gente.
Ainda mais com a criação dessas linhas mais acessíveis: o consumidor pensa assim, 'ah, por um preço muito parecido eu tenho um produto com uma qualidade maior, uma proposta de estilo, eu consigo uma Hope, então eu vou na Hope que é mais garantido'.
A Hope tem essa coisa da tradição, sabe? Sem ser tradicional, mas de ser uma marca muito querida, uma marca que a sua avó já usava, e ela indicou para sua mãe, para sua tia, e aí chegou em você, e você vai indicar para sua filha. Então tem essa coisa da confiança, do cuidado mesmo, de se importar com os clientes, com as clientes. Tem esse diferencial para competir de frente com essa concorrência injusta.
Você já contou que a Hope fez uma pesquisa inusitada visitando as casas de algumas consumidoras, onde, literalmente, abriu a gaveta de calcinhas delas para saber o que usavam e o que buscavam naquele momento (em termos de lingerie). Fale um pouco mais dessas estratégias.
Sei, você está falando de uma história que eu te contei de que a gente precisava fazer uma campanha para valorizar o nosso setor. Mas na época também tinha a Daslu, uma loja multimarcas aqui em São Paulo, de roupas de luxo, que tinha como clientes as mulheres mais chiques de São Paulo.
E essa loja tinha uma característica: não tinha provadores. Então as mulheres tiravam a roupa e provavam as peças na loja mesmo, e eu ia lá para ficar pesquisando que tipo de lingerie elas usavam. E aí eu via que a mulher podia estar com aquela bolsa mais cara, uma roupa chiquíssima, mas também estava com uma lingerie 'podrinha', às vezes com uma calcinha bem furada, com a alça do sutiã esgarçada... Então eu falei: "não, eu preciso trazer valor para esse setor."
E aí começamos com campanhas inovadoras, sempre muito baseadas em pesquisas, em pesquisas não só de estilo, mas também de comportamento do consumidor. E a questão da linha masculina também foi isso. A gente viu que não existia no mercado 'uma Hope para homens’, e foi a partir daí que a gente trouxe essa inovação.
Por isso vocês também têm feito collabs e parcerias diferenciadas para poder atrair ainda mais consumidoras e consumidores?
As collabs também a gente vê assim: tudo o que é inovação a gente precisa fazer para se reinventar, para tirar a gente da zona de conforto. Porque uma empresa passar dos primeiros três anos é difícil. Mas se a gente sobrevive por 10 anos, 20 anos, 60 anos, como é o nosso caso, precisamos nos reinventar a todo momento.
Então, no ano passado, lançamos uma collab da Hope Resort com a Baccio di Latte, que é uma sorveteria. Aí as pessoas podem pensar: 'Poxa, mas o que tem a ver', né? A moda, no caso, a moda praia, e a gente criou esse link da Hope Resort com um sorvete, e foi uma combinação muito assertiva, de sucesso, gerou um desejo. Ficou realmente a cara do sorvete, os biquínis ainda têm para vender, a promoção não acabou.
Os potes dos sorvetes da Baccio são bem característicos, vêm com o biquíni dentro e a textura do biquíni lembra a massa do sorvete deles. As cores também são as dos sabores deles. É um super sucesso e algo assim muito inovador, muito diferente e que traz um awareness (percepção) para a marca, você conquista um público que talvez não pensaria em comprar um biquíni com essa marca.

De uns anos para cá, vocês fizeram campanhas com globais, com influenciadoras e agora as collabs. A Hope já chegou ao patamar de marca consolidada, em que ela própria já se vende, não precisa mais de caras famosas para isso?
A gente lançou essa tendência no mercado lá em 2006, trazendo uma celebridade para uma campanha, porque na época era impensável você ter uma Kardashian na capa de uma revista de moda, eram mundos diferentes. As celebridades estavam em revistas de fofoca e aquelas modelos, na época as andróginas, figuravam nas campanhas de moda e nas revistas de moda.
E a Hope fez uma coisa inusitada, que foi trazer uma celebridade (Daniela Cicarelli). A gente fez essa campanha com um produto muito inovador, que era a linha Nude, aquela que não tem costuras nem elásticos e até hoje é best-seller da marca. Depois a gente trouxe Juliana Paes, Débora Secco, Sabrina Sato, até a Anitta, várias celebridades para comunicar a marca. E na era do digital, as influenciadoras, principalmente as influenciadoras de moda, de lifestyle. A gente começou a fazer isso em 2013 – inclusive, foi a primeira collab de uma influenciadora de moda com uma marca de moda, que foi a Helena Bordon.
Em 2023, também lançamos na Hope uma plataforma própria para a gente trazer um squad de influenciadoras, para trazer um grande número de pessoas falando da marca na internet, e trazer também diversidade, que são os fãs da marca, que usam a marca e comunicam a marca. E com isso, a gente consegue também diversidade, porque também é importante no nosso setor.
Até você já foi modelo da Hope...
A gente mostra muito o corpo quando a gente vende uma lingerie, ou melhor, as mulheres, principalmente elas. Eu virei (modelo), tive que virar, acho que ficaram muito legais aquelas fotos. A gente precisa disso, precisa da verdade. Temos que ter essa representatividade: uma mulher mais gordinha gosta de se sentir representada nas campanhas, uma mulher com tom de pele diferente vai querer também ver a lingerie com a mesma cor da sua pele. Então, tudo isso é importante para ter essa diversidade na comunicação dos nossos produtos, que já são pensados para mulheres diversas.
A comunicação também é muito importante, e tocando em um ponto que é a questão da minha participação nas campanhas. Eu também tive que me reinventar, porque enxergo a comunicação como algo que antes a gente terceirizava muito, para as modelos, depois para celebridades, para influenciadoras, criadoras de conteúdo... Num determinado momento, eu vi que estava nos bastidores da minha própria marca, precisava mostrar meu rosto, quem está por trás da Hope. E isso fez muita diferença nos negócios.
As pessoas querem se relacionar com pessoas, não com corporações. Querem saber quem está por trás da marca que ela consome, quais são os valores daquela pessoa. Então, cada vez mais eu tenho superado esse desafio de me expor. É difícil para quem não está acostumado, mas eu acho muito interessante.
Quais novidades podemos esperar para este ano?
Este ano pode esperar lojas mais incríveis, principalmente com esse formato que une as duas marcas. Também vamos ter novas collabs, que ainda estão em desenvolvimento, mas pode esperar collabs muito legais. E também esse nosso squad de influenciadores (cerca de mil), que não são só regionais, mas também as nossas embaixadoras e embaixadores que comunicam a marca constantemente, e também virão para comunicar essas novidades cada vez mais na mídia.
A Hope vai completar 60 anos em 2026. Qual é o segredo para tanta longevidade - principalmente no varejo, em um cenário de alta concorrência internacional, juros altos, do comprometimento da renda do consumidor?
Eu acho que, além da inovação, que a gente explorou bastante aqui, tem a questão da governança que poucos empresários falam, mas que é fundamental para você ter uma empresa longeva. Então, você ter uma equipe profissionalizada, apaixonada, comprometida, também é fundamental para ter uma empresa e uma marca longeva. E tem também um outro fator bem importante, bem relevante, que é a capacidade que as marcas e as empresas precisam ter de escutar o cliente.
Porque é assim que você inova, é assim que você se profissionaliza na gestão, é assim que tudo acontece. Porque tudo começa no cliente. Se você deixar de ouvir o cliente e de tomar as ações na sua empresa focadas no que o cliente quer, no que o cliente quer consumir, principalmente se você está no varejo, o negócio desanda. Ouvir o cliente é o mais importante.
IMAGENS: divulgação