Rua Oscar Freire vive clima de prosperidade. É fato isolado?
Região não possui mais tantos pontos vagos e lojas até faturam mais que em 2019. No Bom Retiro, vendas também reagiram. Para lojistas, inflação e juros em alta indicam que cenário pode não se sustentar em 2022
Se um termômetro da economia pudesse ser medido em um dos pontos comerciais mais famosos de São Paulo, daria até para afirmar que o país não está mais em crise.
Na Rua Oscar Freire e arredores não há mais tantos espaços disponíveis para a locação e algumas das lojas já vendem até mais do que antes da pandemia.
Há um ano, o corretor Adriano Gomes, especializado na região do Jardins, suava para achar clientes para meia dúzia de imóveis vagos na rua. Hoje, ele não tem mais lojas disponíveis para locação. “O mercado reagiu, pelo menos para o comércio do Jardins”, afirma ele.
A loja da Melissa, na qual também funciona uma galeria, faturou de setembro a novembro deste ano 50% mais do que em igual período do ano passado.
Ali perto, a loja da Arezzo registra alta de vendas de dois dígitos na comparação com igual período de 2019. Desde que voltou a abrir, o aumento de receita está acima de 10%.
Thamyres Alves, gerente da Melissa, atribui a expansão de vendas aos eventos promovidos na galeria, como a fachada da estilista brasileira Isabela Capeto, de agosto a outubro deste ano.
“Os eventos estão atraindo o público para a loja, além do lançamento de produto certo na hora certa”, afirma. Agora a fachada homenageia a chegada do Natal.
Gomes diz que os proprietários dos imóveis comerciais da região acabaram flexibilizando as negociações, o que fez com que o mercado de locação reagisse.
Até mesmo as luvas, que chegaram a desaparecer no auge da pandemia do coronavírus, voltaram a ser negociadas. Tem lojista pagando R$ 500 mil para entrar na Oscar Freire.
Muitos empresários que têm procurado a região, diz ele, quer uma loja para montar showroom, com espaço para escritório e tocar o e-commerce.
DO OUTRO LADO DA CIDADE
Em outra área comercial de São Paulo, frequentada por comerciantes e por quem corre atrás de preços baixos, no bairro do Bom Retiro, as vendas de algumas lojas superam as de 2019.
Nelson Tranquez, vice-presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro, diz que o ritmo de vendas da Black Friday se manteve para lojistas com quem tem conversado.
De acordo com ele, também já não há tantos pontos vagos, como no auge da pandemia, nas ruas José Paulino, Aimorés, Professor Cesare Lombroso e Silva Pinto.
“Hoje, há mais procura do que oferta para a locação, ao contrário do que ocorria há alguns meses”, diz Adriana Weizmann, sócia da Hai Imóveis, que trabalha há anos no bairro.
Muitos lojistas da região trocaram de pontos maiores por menores, diz ela, o que acabou contribuindo para a vinda de novos comerciantes para a região.
“Conversei ontem com três lojistas do Bom Retiro e eles não falaram em crise. Dizem que estão faturando até mais do que em igual período de 2019”, diz Adriana.
A melhora no movimento, na análise de Tranquez, está relacionada, principalmente, com o avanço da vacinação e a volta da circulação de pessoas na região.
“As vendas estavam represadas. Lojistas que estavam há mais de um ano sem vir para o Bom Retiro passaram a vir, assim como consumidores que vieram para eventos, como feiras”, diz.
TEM MAIS GENTE NAS RUAS
O nível de circulação de pessoas em áreas comerciais do Estado de São Paulo está quase igual ao de antes da pandemia, de acordo com dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
A frequência de consumidores em estabelecimentos comerciais no final de novembro era apenas 2,9% menor do que a do período pré-pandemia (fevereiro de 2020).
Como base de comparação, em março de 2020, a circulação de pessoas era 67,3% menor do que a do período pré-pandemia no Estado de São Paulo e, em março deste ano, 54% menor.
“Se o país tivesse vivendo um cenário econômico menos desfavorável, o varejo estaria crescendo 10% ou mais sobre o período pré-pandemia”, diz Fábio Bentes, economista da CNC.
De janeiro a setembro, o volume de vendas do comércio cresceu 3,8% em relação a igual período do ano passado, de acordo com o IBGE.
Inflação e juros em alta e desemprego elevado estão freando a recuperação do varejo, mesmo com o aumento de circulação de pessoas.
A retomada dos negócios que se vê na Rua Oscar Freire e também na região do Leblon, no Rio de Janeiro, diz ele, é algo isolado, não reflete nem de longe o que acontece no país.
“Os comerciantes, especialmente os do setor de vestuário, estão decepcionados. Apesar de ter mais gente nas ruas, as vendas não acontecem como poderiam”, afirma.
Para Tranquez, a melhora das vendas no Bom Retiro, de fato, pode não se sustentar, considerando o cenário macroeconômico desfavorável ao consumo. “O quadro é estranho.”
CONCENTRAÇÃO DE RENDA
Uma crise que afeta a capacidade de consumo da população, geralmente, de acordo com Bentes, aumenta a concentração de renda.
“O rico enfrenta uma inflação de 15%, tem gasto dolarizado, mas tem aplicações, poupança, sobras de recursos. Por mais que o cenário seja desfavorável, consegue atenuar, diferentemente do pobre, que está sujeito às condições do mercado de trabalho”, diz.
É isso o que explica o país exibir, em algumas regiões, polos de prosperidade, como o da Rua Oscar Freire e redondezas, onde o comércio está voltado para as classes de maior renda.
Lojas que comercializam artigos de luxo registram até fila para a compra de relógios e carros.
Para o comércio em geral, o chamado comércio de raiz, de acordo com Bentes e lojistas ouvidos pelo Diário do Comércio, o cenário para 2022 não é promissor.
O grupo de analistas que participa da elaboração do Boletim Focus, do Banco Central, que traz as expectativas do mercado financeiro para a economia brasileira, está pessimista.
Há quatro semanas, a projeção era de crescimento de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2022. Na semana passada, este número caiu para 0,6% e, nesta semana, para 0,5%.
“Os analistas sabem que o BC vai perseverar na alta de juros e isso tem impacto no nível de atividade. Com 2022 cheio de incertezas, caminhamos para um movimento de inércia”, diz Bentes.
Se a projeção de alta de 0,5% do PIB brasileiro se confirmar, diz ele, o varejo não cresce além de 2% no ano que vem, um grande tombo para o setor.
IMAGEM: Zé Carlos Barretta/DC