Restaurantes voltam a encher e MEIs dominam o setor
De janeiro a agosto deste ano, o saldo entre abertura e fechamento de estabelecimentos no país foi positivo em 51,7 mil. Microempreendedores individuais tocam 65% do total de estabelecimentos, de acordo com a Abrasel

Quem costuma frequentar restaurantes já deve ter percebido que eles estão mais cheios e, dependendo do dia e do horário, as filas de espera lembram até os velhos tempos.
De fato, os números voltaram a ser mais positivos para o setor. De janeiro a agosto, o saldo entre abertura e fechamento de estabelecimentos foi positivo em 51.736 no país.
Apesar da pandemia, que provocou o sumiço de quase 145 mil restaurantes em 2021, no período de janeiro de 2019 a agosto deste ano foram contabilizados 250 mil estabelecimentos a mais no país.
Os números foram levantados pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), com base em informações de CNPJs da Receita Federal.
Há mais restaurantes, bares, lanchonetes, rotisserias espalhados pelo Brasil, só que a pandemia provocou uma mudança no perfil dos donos dos negócios.
Em 2019, das 1,251 milhão de empresas, 533 mil eram tocadas por microempreendedores individuais (MEIs), correspondendo a uma fatia de 42%.
Em agosto deste ano, dos 1,533 milhão de estabelecimentos, 1,010 milhão eram administrados por MEIs, com participação de 65,8%.
Para José Eduardo Camargo, líder de conteúdo da Abrasel, o salto dos MEIs revela a migração de profissionais que perderam os empregos em outros setores para o negócio de restaurantes.
DASELVA
A amazonense Yanna Cruz de Freiras, 24 anos, sócia da DaSelva Peixaria Amazônica, é uma das novas empresárias do mercado de food service.
Ela e o sócio Jorge Mojica, que atuavam no setor de importação e exportação em Manaus (AM), abriram há cinco meses, em São Paulo, o DaSelva. Pelo menos até agora, eles só têm o que comemorar.
O restaurante com culinária típica amazonense recebe cerca de 200 a 250 pessoas por dia para servir pratos à base de peixes Pirarucu e Tambaqui com frutas, como cupuaçu, bacuri e taperebá.

Com tíquete médio entre R$ 80 e R$ 100, o DaSelva é um daqueles restaurantes com fila de espera nos finais de semana e que já identifica sinais de casa cheia até o final do ano.
“Não somos do setor, mas vimos que, em São Paulo, há pouca oferta da comida amazonense, uma culinária rica. Decidimos popularizar a dieta amazônica na cidade”, diz Yanna.
EFEITO PANDEMIA
De 2022 para cá, de acordo com Camargo, da Abrasel, o setor vem se recuperando, mas também é fato que os efeitos da pandemia ainda são nítidos nos negócios.
Pesquisa da associação realizada em agosto deste ano mostra que 24% dos bares e restaurantes consultados operavam com prejuízo e 34% não tinham nem lucro nem prejuízo.
Na pesquisa anterior, feita em julho, 19% dos empresários ouvidos registravam prejuízo.
As razões apontadas pelos restaurantes pelo mau desempenho financeiro são: redução do faturamento e do número de clientes, dívidas com impostos e empréstimos e alta de custos.
PERSPECTIVAS
Para Sérgio Molinari, consultor especializado no mercado de food service, o setor mostra reação, mas ainda assim deve ter um crescimento real de no máximo 2% a 3% neste ano.
“O ambiente mercadológico não sugere recuperação rápida e forte do setor, até porque 77% das famílias estão endividadas, travando o crescimento dos negócios”, afirma.
Mesmo antes da pandemia, diz, em 2015 e 2016, o setor já dava sinais de que um crescimento até três vezes maior do que o do PIB brasileiro começaria a ser difícil de alcançar.
“Era comum os restaurantes brasileiros terem uma lucratividade da ordem de 15% ou mais há uns dez anos. Hoje, as margens já são bem mais apertadas”, afirma.
Ao mesmo tempo em que tirou a clientela dos salões, diz, a pandemia obrigou muitos estabelecimentos a se reinventar, a aprender a lidar com o delivery, o que não era habitual.
Com custos em alta, diz, tiveram de recorrer a linhas de financiamento do governo, buscar dinheiro em bancos, em grupo de amigos e a usar patrimônio pessoal para salvar o negócio.
“Agora, com margens menores, chega o momento de começar a pagar toda essa dívida, além de conviver em um mercado diferente, com delivery, dificuldade de mão de obra e juros altos”.
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Diante deste cenário, de acordo com Molinari, muitas empresas tradicionais do setor ainda correm o risco de encerrar as atividades neste ano e no próximo.
“O mercado por si só não vai gerar faturamento suficiente para dar conforto para as empresas, o que significa que muitas delas ainda vão ficar pelo meio do caminho”, afirma.
Na outra ponta, diz, empresas com visão atualizada do mercado, domínio de ferramentas digitais e atentas às tendências e transformações de padrões de consumo, devem prosperar.
“Devemos ver ainda restaurantes quebrando de um lado e alguns prosperando do outro. Como o mercado não deve expandir, empresas vão crescer em detrimento da quebra de outras”, diz.
OSTERIA GENERALE
Um dos empresários tradicionais do setor em São Paulo, Leonel Paim, sócio da Osteria Generale e da Via Castelli, diz que os seus negócios estão até melhores do que antes da pandemia.
“Muitos restaurantes fecharam ao redor dos nossos por conta da pandemia e do avanço da construção civil e, como consequência, nós ampliamos a clientela”, afirma.
Próxima à Osteria Generale, na Rua Pamplona, nos Jardins, por exemplo, diz, cerca de 20 restaurantes fecharam as portas nos últimos anos.

A adaptação rápida ao delivery na fase mais dura da pandemia, de acordo com ele, também foi fundamental para a sobrevivência dos negócios, assim como evitar a corrida aos bancos.
A vontade de sair de casa para celebrar ainda é forte nos brasileiros, de acordo com Paim, o que explica, em parte, o fato de os restaurantes voltarem a encher.
Apesar da alta violência localizada em alguns pontos da cidade de São Paulo, diz, as pessoas que trabalham em casa passaram a sair mais à noite para ‘dar uma escapada’.
Muitas empresas que adotaram o home office também devem reunir mais os funcionários.
“Eu e outros empresários do setor estamos esperando um final de ano excelente. Este pode ser o final de ano com mais confraternizações de empresas da história.”
Quem ganha com isso são os restaurantes. Cada casa de Paim serve cerca de 300 refeições por dia, em média, chegando a 500 aos sábados e aos domingos.
“Os nossos preços não são caros (tíquete médio entre R$ 80 e R$ 100). A margem de lucro é menor do que a do passado, mas como faturo mais, o lucro é o mesmo de antes”, diz.
Com 115 funcionários em três casas, diz, uma das grandes dificuldades do setor é achar mão de obra especializada para dar conta do esperado aumento da demanda de final de ano.
“Muitos profissionais do setor foram para a construção civil, ou trabalhar com a Uber. Estamos com cerca de dez vagas abertas sem conseguir preenchê-las”, afirma.
A Abrasel informa que, de acordo com o IBGE, o setor emprega cerca de 5,534 milhões de pessoas, número ainda abaixo do de 2019 (5,8 milhões de pessoas).
“As empresas estão mais produtivas e com mais acesso a tecnologias e, por isso, os números do emprego ainda não chegaram ao que eram antes da pandemia”, diz Camargo.
Pesquisa feita pela Abrasel mostra que 38% dos restaurantes consultados pretendem contratar temporários neste final de ano, o que pode gerar uma corrida por garçons e cozinheiros.
“Em apenas cinco meses já temos clientes fiéis, com garçons preferidos, e já estamos recebendo reservas para confraternizações em dezembro”, afirma Yanna.
Um bom sinal do que poderá ser este final de ano para o DaSelva e por que não para o setor.
IMAGEM: Felipe Denuzzo/DC