Reforma tributária: mais dúvidas do que certezas
A afirmação de que já demoramos demais discutindo reforma e que agora é melhor aprovar como está, não tem sentido. Seria mais sensato estudar alternativas
“A arte da economia está em considerar não só os efeitos imediatos de qualquer ato ou política, mas, também, os mais remotos. Está em descobrir as consequências dessa política, não somente para um grupo, mas para todos eles” (A lei, de Frederic Bastiat – 1850).
Deixe espaço para realizar manobras. Por mais perfeito que seja seu plano, sempre haverá imprevistos (A arte da guerra, de Sun Tzu).
Na medida que avançam as discussões no Congresso sobre a PEC 45, sem que pontos fundamentais sejam equacionados, aumentam as preocupações, pois faltam informações relevantes para que se possa decidir a respeito.
Ao se constitucionalizar as regras, sem poder avaliar o real impacto da proposta sobre os entes federativos e, principalmente, para os contribuintes, não se deixa “espaço para realizar manobras” para corrigir distorções ou inconsistências, como recomenda Sun Tzu, o que pode dificultar adaptações que se façam necessárias no médio prazo.
Paradoxalmente, embora se proponha constitucionalizar com grande grau de detalhes o sistema tributário, faltam muitas decisões ou informações necessárias para uma visão geral da reforma, e seus possíveis impactos, que são remetidos para a Lei Complementar.
Uma das grandes preocupações, e que tem sido pouco debatida, é a do longo período de transição, com a convivência de dois sistemas, inclusive, porque todos os problemas e distorções do ICMS foram mantidos e ainda existem pendências de decisões dos tribunais não devidamente normatizadas.
Significa que os atuais contribuintes do ICMS continuarão a conviver com os problemas e dúvidas do imposto como existem hoje, e mais o novo IBS, durante um período em que as regras ainda não estarão consolidadas, pois sempre existem questões que só se definem com a formação de jurisprudência. Os contribuintes de serviços deverão ter grande acréscimo de custo da burocracia, além dos riscos com um sistema complexo e que não conhecem.
Gramsci definia crise como “quando o velho não morreu e o novo ainda não pode nascer”, o que parece se aplicar bem ao período de transição da PEC 45. O grande risco dessa transição é o de provocar uma desorganização do sistema de preços, principal sinalizador da economia, com reflexos negativos na produção, comercialização e nos serviços, com prejuízo dos empregos.
Existem muitos estudos interessantes, com projeções de crescimento da economia, graças à “simplificação do sistema tributário” que, como se pode constatar, somente ocorrerá após muitos anos, quando a transição estiver terminada, o que poderá ocorrer para as empresas que sobreviverem a esse período, mas a incógnita é com relação ao que ocorrerá com a economia até lá.
As projeções bastante otimistas de ganhos para os municípios menores com a mudança da regra de repartição das quota-partes não analisam o impacto para as cidades maiores, que serão as perdedoras. E elas perderão duplamente: com a incorporação do ISS, que cresce muito mais que o ICMS, ao IBS e também com a redução do percentual de participação da quota-parte.
Como essas cidades têm mais capacidade de investir, e também mais necessidade, especialmente agora com a implantação do 5G, é bem provável que essa transferência desloque recursos de investimentos para despesas de consumo ou de pessoal nos municípios menores.
A hipótese de que todos ganharão pode, talvez, ser viável no longo prazo, mas é preciso sobreviver no curto prazo.
Faltam três informações fundamentais para que se possa tomar qualquer decisão com segurança: a alíquota provável, o alcance e objetivos do Imposto Seletivo e, o mais importante, qual será a fonte de recursos para os fundos criados pela PEC que serão bancados pelo governo Federal.
Como o governo é deficitário e tem os compromissos do “arcabouço fiscal”, é evidente que serão necessárias novas fontes para o financiamento.
Sem a definição de onde sairão os recursos para os fundos, não se pode avaliar se a aprovação da PEC como está implicará ou não em aumento da carga tributária.
Parece certo que será necessário aumentar impostos, mesmo que não os sobre o consumo. Mas, de qualquer forma, isso contraria a premissa de que a reforma não trará aumento da carga tributária.
Além disso, apesar do IVA ter se revelado um sistema eficiente de tributação ao longo do tempo em grande número de países, o surgimento das plataformas e dos negócios digitais está provocando mudanças significativas nos métodos de produção, nas transações internas e internacionais e nos meios de pagamento, o que tem levado a muitas discussões em diversos foros sobre qual a melhor forma de tributar e lidar, seja com a tributação das atividades econômicas, que passam por meios digitais, seja para taxar o próprio negócio digital em si (Se o mundo muda, os tributos também mudarão – José Roberto Afonso).
A afirmação de que já demoramos demais discutindo reforma tributária e que agora é melhor aprovar como está, não tem sentido. Seria mais sensato estudar outras alternativas, como a PEC 46, ou simplesmente realizar as correções do ICMS pela via infraconstitucional, como uma primeira etapa de uma reforma que seja discutida da base para cima, analisando os problemas efetivos e procurando soluções que mantenham o objetivo que os contribuintes esperam: uma simplificação sem aumento da carga.
Insistir em não aprovar a PEC que veio da Câmara não será retrocesso, mas bom senso. Deve-se ter em conta que nada é tão ruim que não possa piorar. E esse parece ser o caso da proposta aprovada pela Câmara e que está em discussão no Senado.
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