'R$ 198 bi fora do teto não devem ter impacto significativo no varejo'
A maior parte do valor é prevista para o Bolsa Família. Ajuda é necessária para a sobrevivência dos mais pobres, mas efeito sobre o consumo é pequeno com inflação e juros elevados, dizem economistas
Desde a eleição do futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dos assuntos mais discutidos pelas equipes de transição é o valor que será destinado ao Bolsa Família no ano que vem.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do novo governo, protocolada no Senado, abre espaço fora do teto de gastos de R$ 198 bilhões no Orçamento de 2023.
O desejo do presidente eleito é negociar algo perto de R$ 150 bilhões, no mínimo, mas tudo indica que o valor fique próximo de R$ 100 bilhões, para não desarranjar mais as contas públicas.
Esses bilhões de reais a mais nas mãos das famílias deve ter algum efeito no consumo? Para alguns economistas, essa quantia de dinheiro pouco muda para os negócios do varejo.
“Mesmo que o valor chegue R$ 200 bilhões, não deve ajudar o comércio, porque a economia deve crescer a metade de 2023”, diz Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores.
Nas contas de Silveira, os R$ 84 bilhões que as famílias receberam por meio do Auxílio Emergencial neste ano tiveram impacto de 0,5% na massa real de renda dos trabalhadores.
Sem a ajuda do governo, a massa real de salários deve terminar 2022 com crescimento de 6% sobre 2021. Com os R$ 84 bilhões, a alta é de 6,5%, de acordo com projeção de Silveira.
O volume de vendas do comércio neste ano, diz ele, deve subir 1,2%, número que não deve ser muito diferente no ano que vem.
“É bom destacar que todo o dinheiro que entra nas mãos dos consumidores não vai todo para o comércio. A disputa é grande com os serviços, com o pagamento de dívidas”, afirma.
Nas projeções de Silveira, a massa real de rendimento deve crescer algo próximo de 2,5% no ano que vem, para R$ 3,29 trilhões.
Se o valor do Bolsa Família ficar próximo de R$ 100 bilhões, a massa real de salários sobe para R$ 3,30 trilhões ou R$ 3,31 trilhões.
“Este dinheiro nas mãos das famílias é necessário para a sobrevivência, mas em termos macroeconômicos o impacto sobre o crescimento não é grande coisa”, diz.
A dobradinha inflação e juros altos, somada ao baixo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, continua sendo o principal obstáculo para o avanço da economia em 2023.
“Precisa ter transferência de renda, mas também ferramentas no Orçamento do governo para estimular a produtividade do trabalho, a competitividade da indústria.”
O boletim Focus, que reúne as projeções macroeconômicas de economistas para o país, fala em crescimento de 0,70% para o PIB brasileiro no ano que vem.
Fábio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio), também avalia que o dinheiro do Bolsa Família não fará qualquer diferença para o comércio.
“É mais espuma do que qualquer outra coisa”, afirma.
A inflação alta, diz ele, é um problema que ainda está longe de ser solucionado. E a taxa básica de juros da economia, a Selic, está perto de 14%, com tendência de alta.
O varejo restrito, sem considerar os setores de material de construção e veículos, movimenta aproximadamente R$ 3 trilhões por ano.
Se os R$ 100 bilhões fossem integralmente para o comércio, haveria um acréscimo de 3,3%, o que é pouco para movimentar o setor, de acordo com Bentes.
Faz tempo que o comércio não cresce mais do que 2% ao ano, e não serão os auxílios do governo capazes de mudar este cenário.
“O novo governo tem vacilado em alguns comunicados, e isso provoca mais estrago na economia do que a própria ausência de auxílios, infelizmente”, diz Bentes.
IMAGEM: Paulo Pampolin/DC