"Queremos ser uma empresa digital com pontos físicos de calor humano"
Quem é e o que pensa Frederico Trajano, o novo CEO do Magazine Luiza. Sua gestão será marcada por uma revolução digital de proporções ainda inéditas no varejo brasileiro

Expoente da terceira geração da família fundadora, Frederico Trajano, de 39 anos, assumirá, no dia 1º de janeiro, a presidência do Magazine Luiza –um portento do varejo brasileiro com 780 lojas, mais de 20 mil funcionários, listado na Bovespa desde 2011.
Se a gestão de sua mãe, Luiza Helena Trajano, foi marcada por uma sequência de aquisições e consolidação da rede em 16 Estados, sob o comando de Frederico o Magazine Luiza aprofundará e alargará uma transição digital, por ele iniciada com um site há 15 anos.
“Somos hoje uma empresa de varejo tradicional, com e-commerce e área digital”, afirma. “Queremos nos tornar uma empresa digital com e-commerce e pontos físicos com calor humano”, disse ele em depoimento ao Diário do Comércio.
Por trás da sutileza da declaração há uma teia complexa de ações que envolvem desenvolvimento tecnológico, sinergias entre plataformas de vendas e vultoso investimento em logística e distribuição.
Formado em administração na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Frederico se diz adepto da cartilha de startups do Vale do Silício, que começou a visitar ainda à época em que frequentava cursos da Universidade Stanford.
“Empreendedor, em busca de novas e diferentes maneiras de atender clientes. Forte em inovação, pensando fora da caixa, para sair um pouco da comoditização do varejo brasileiro e encontrar novos caminhos, que às vezes não são nem cópia de modelos do exterior, mas algo bem jabuticaba do Brasil”.
Alguns traços do modelo de gestão que observa no Vale do Silício, em visitas que se repetem uma ou duas vezes a cada ano, afirma reconhecer na cultura do Magazine Luiza: autonomia e descentralização do poder, fazer com que as pessoas se sintam donas de seus projetos, em vez de empregados subordinados.
“Uma das coisas bonitas desta revolução digital é que você consegue ter acesso a aulas de faculdade (online) e muitos sites e blogs especializados na nova economia do conhecimento”, diz Frederico.
O novo CEO se declara um leitor compulsivo. Está absorvido, nestes dias, em uma obra que narra a história do site chinês Alibaba.
“Acabei de ler um livro a respeito de uma escalada no K2.”. Não significa, porém, que seu hobby seja alpinismo (“seria incapaz de escalar o pico do Jaraguá”, diz).
Sua preferência é por esqui na neve e na água, que pratica em estações americanas, europeias, no Chile e Argentina.
Casado há nove anos com uma colega de faculdade e pai de três filhos, Frederico sugere que tira de letra a questão do equilíbrio entre vida familiar e trabalho.
“Tive uma referência em casa de minha mãe, uma pessoa que embora sempre trabalhasse muito, tinha uma presença de qualidade conosco.” O que sobra menos tempo, nestes dias, segundo ele, é para se confraternizar com os amigos, a maioria da época da faculdade.
Na condição de CEO da companhia, ele se reportará a um conselho que terá como presidente Luiza Helena, sua mãe, e como vice Marcelo Silva, que ocupava seu novo cargo.
“Trabalhamos juntos há 15 anos”, diz Frederico, ao se referir ao relacionamento com a mãe. “É boa e saudável, a exemplo do que ocorre em outras empresas brasileiras.”
É necessário entender, segundo Frederico, que o Magazine Luiza é uma empresa familiar profissionalizada.
Ao interagir não apenas com a mãe, mas também com outros parentes acionistas, o princípio é que haja franqueza, em que as cartas são colocadas na mesa quando há discordância e o objetivo que prevalece é sempre o melhor para a empresa.
Carismática, a empresária Luiza Helena Trajano é e deverá continuar sendo o rosto da companhia. “A imagem pública dela é um ativo do Magazine do qual tenho de cuidar muito bem: não só mantê-lo como reforçá-lo”, diz Frederico.
A seguir, os principais trechos do depoimento de Frederico Trajano ao Diário do Comércio:
ASSUMIR A PRESIDÊNCIA EM MEIO À CRISE ECONÔMICA
O timing estava planejado há alguns anos, envolvendo todos os stakeholders –conselho, funcionários e acionistas. Desde o início do ano, quando houve uma virada econômica mais séria, eu senti que iria assumir o comando da companhia num momento econômico difícil.
Tenho 15 anos de varejo, com carteira assinada. Convivo com os negócios da família desde antes de meu nascimento porque minha mãe saiu da loja, grávida, para ir à maternidade no dia 25 de março de 1976.
Assisti a vários ciclos econômicos. Nas décadas de 1980 e 90 houve períodos até piores. Nos anos 80, por exemplo, a base de clientes do Magazine era bem menor. Ficou mais difícil vender, afora a questão da hiperinflação. Havia remarcação de produtos, um nível maior de controle de contas a pagar etc.
Consigo relativizar a crise no contexto de que esta não será nem a pior nem a última crise que vou enfrentar.
E como minha gestão tem um horizonte de muito longo prazo, embora a gente esteja muito ocupado em fazer o que tem de fazer dentro do Magazine para atravessar esta turbulência, relativizo no longo prazo e me lembro que tanta minha tia (Luiza Donato, fundadora da empresa) e minha mãe pegaram situações econômicas ainda piores.
O NOVO MODELO DE VAREJO
O modelo em que acredito, desde que instalei aqui o site em 2000, é multicanal, baseado em uma plataforma operacional única, uma única cadeia de abastecimento, uma marca única e todas as áreas de apoio servindo vários canais de venda: lojas físicas, e-commerce, venda direta pelas redes sociais, televendas e lojas virtuais.
Não acredito no varejo que vende só pela internet, assim como não acredito no que vende somente pelas lojas físicas.
Se olharmos para o que está acontecendo lá fora, a tendência, muito claramente, é que o consumidor prefere lidar com o varejo que lhe dá opção de compra pelo site ou pela loja. Exemplo disso é a Amazon, que está abrindo loja física nos Estados Unidos.
Acredito que todos os canais vão continuar crescendo. Por uma razão estrutural, o fato de que pessoas que não tinham acesso à internet estão começando a ter principalmente em função do aumento de penetração dos smartphones, a tendência é que a internet cresça mais rapidamente do que a loja física em termos de faturamento.
Minha meta é crescer tanto no site quanto na loja física acima do mercado, ganhando share em ambos.
Agora, é natural que se as vendas pelo site continuarem crescendo estruturalmente no Brasil acima da loja física pode acontecer que em cinco anos representará 50% do faturamento da companhia.[Hoje as vendas virtuais já respondem por 22%].
Será uma consequência de uma mudança estrutural do (comportamento) de compra do consumidor. Vamos continuar expandindo as lojas físicas. Por que? Porque o site é um bom complemento para a loja física e vice-versa.
Se você comprar pelo e-commerce a partir do ano que vem e o produto estiver disponível na loja no centro de Franca, em vez de receber pelo CD de São Paulo, receberá o produto desta loja.
Então a loja física será também um ponto de apoio para o site, como um ponto de distribuição. Quanto mais presença física tivermos, menores serão nossos custos de entrega.
A REVOLUÇÃO DIGITAL
A estratégia é fazer uma transformação digital na companhia. Isso vai além do site.
Somos hoje uma empresa de varejo tradicional, com e-commerce, área digital, e queremos nos tornar uma empresa digital com e-commerce e pontos físicos com calor humano.
Para tanto, temos cinco blocos de projetos basicamente concentrados em investimentos de plataforma tecnológica.
Vamos continuar abrindo lojas físicas, em proporção menor em relação ao passado e vamos colocar um percentual maior em tecnologia. Nossos cinco pilares são:
1.Inclusão digital. Como metade do faturamento provém de produtos tecnológicos como smartphones e smart TVs, identificamos a necessidade de ajudar o consumidor não somente na hora da transação, mas também no pós-venda.
Ajudá-lo a usar melhor os produtos tecnológicos que ele compra. Hoje ele compra uma TV e não sabe instalar. Compra o celular e só usa dois aplicativos: o Facebook e o Whatsaap.
Vamos enviar a ele vídeos online de orientação. Implantamos até um help desk para que o cliente possa ligar até três meses após a compra de um produto.
2.Trazer tecnologias digitais para a loja física. Estamos distribuindo smartphones para cada um dos nossos dois mil vendedores para que façam a venda no modelo Applestore.
Com isso, o tempo médio de venda caiu de 45 minutos para 5 minutos, melhorando a produtividade do vendedor e a experiência de compra do cliente que vai gastar menos tempo na burocracia e mais tempo para interagir com o vendedor sobre dúvidas a respeito do produto.
Já implantamos esse sistema em 180 lojas e até o final do próximo ano estará em todas as 780 pontos de venda.
3.Montar uma cadeia de suprimentos (supply chain) multicanal. O que isso significa? Permitir que o cliente possa comprar no site antes de chegar à loja e também possa comprar no site e devolver o produto se tiver algum problema de troca em 100% das lojas. Isso demanda muito investimento em logística, na plataforma de distribuição.
4.Introduzir o marketplace. Aproveitar uma tendência mundial de não apenas vender os produtos em estoque e possibilitar que outros varejistas, de categorias que não vendemos atualmente, possam vender por meio de sua plataforma.
Por exemplo, agora em dezembro vamos começar a vender produtos de beleza e saúde no site que serão faturados diretamente de outros varejistas.
FREDERICO (QUARTO DA DIR. PARA ESQ., DE CAMISA SOCIAL AZUL) COM A EQUIPE DO LUIZA LABS
5.Internalizar na companhia a cultura digital de empreendedorismo e velocidade de inovação do Vale do Silício. Temos hoje cerca de 600 especialistas digitais, dos quais 75 são desenvolvedores de tecnologia. Fomos a primeira empresa no varejo brasileiro a montar um laboratório neste molde, o Luiza Lab, com apoio da Finep.
É responsabilidade destes profissionais transferir conhecimento para as equipes mais analógicas do Magazine Luiza, por meio de capacitação, para que toda a equipe de 20 mil funcionários esteja atualizada.