Quem é Adriana Barbosa, a criadora da Feira Preta

Uma das personalidades negras mais influentes no mundo, a empresária é responsável pelo maior evento de cultura afro da América Latina e trabalha para impulsionar projetos que fortaleçam essa comunidade nos negócios

Mariana Missiaggia
01/Nov/2024
  • btn-whatsapp
Quem é Adriana Barbosa, a criadora da Feira Preta

"Há 30, 40 anos, as referências positivas de ser negro quase não existiam". A frase, dita por Adriana Barbosa, hoje CEO da Preta Hub, conta muito sobre a evolução do olhar empreendedor para a população negra brasileira nos últimos anos e como isso está em sintonia com o propósito da Feira Preta, criada por ela.

Reconhecida por seu trabalho e impacto na sociedade, Adriana tem mostrado ao mundo como um empreendedor pode ser ferramenta de mudança em um contexto com tantas adversidades. Com apenas 22 anos, ela criou uma feira para reunir empreendedores negros em um dos bairros mais ricos e brancos de São Paulo.

Naquele momento, ao lado de outros pequenos empreendedores vendendo seus produtos em uma praça pública com a ajuda da família, ela nem imaginava que tal mobilização iniciaria o maior evento de cultura negra na América Latina, a Feira Preta, que cresceu e já movimentou mais de R$ 16 bilhões.

Para a empresária, que antes de tudo se considera uma ativista, o empreendedorismo negro também é sobre reconhecer o potencial de consumo que a população negra tem no Brasil. E isso, ela diz ter aprendido com sua avó, dona Naidê, nascida em Barretos, no interior de São Paulo, e que se mudou para a capital junto com a bisavó de Adriana, a dona Maria Luiza, em busca de uma vida melhor.

Ao se apresentar na Feira do Empreendedor 2024, realizada pelo Sebrae, Adriana retomou trechos importantes da própria trajetória no mundo dos negócios para mostrar como a sua vida pessoal impactou em suas decisões. 

Retomando suas origens, a empresária julga como um divisor de águas a ida de suas avó e bisavó para São Paulo. As duas foram morar em um cortiço no bairro da Bela Vista e trabalhavam como empregadas domésticas, uma profissão que até hoje, como destaca Adriana, é muito comum entre as mulheres negras. Em sua fala, ela cita também a tataravó, dona Teodora, que pegou o tempo da escravidão na cidade de Barretos. Habitual para quem trabalhava como doméstica, foram morar na casa de seus patrões.

"Nesses casos, o mais comum era que os filhos fossem levados por uma avó, tia ou vizinha. O que, claro, acabava por criar um distanciamento na família - uma dinâmica que já era até esperada, ainda acontece e é muito dura", disse.

Na família de Adriana, essa conduta começou a mudar quando, com o apoio dos patrões, sua avó comprou uma casa no bairro da Saúde, na Zona Sul de São Paulo. Foram todos morar com ela: sua mãe, Adriana e seus irmãos. Depois disso, se mudaram para um sobrado, com três quartos, na Praça da Árvore - um bairro bem classe média, lembra a empreendedora. Embora fosse confortável, a casa era bastante simples comparada com as outras que a cercavam.

Sua bisavó, que ficava em casa, era responsável por todos. Ela os levava para a escola e ajudava com as tarefas. Ali, mais do que em qualquer bairro periférico e como uma criança negra crescendo em um bairro onde a maioria era branca, Adriana diz ter se sentido à margem o tempo todo. Em sua classe, só tinha mais um negro.

Quando a situação ficava mais difícil em casa, sua bisavó via o que tinha na despensa e se virava. Se fosse farinha, fubá, ovo e óleo, fazia um bolo para vender. Se tivesse frango, preparava coxinha. Adriana e os irmãos saíam vendendo tudo. E se alguém precisasse de lugar, faziam da sala e da garagem um pequeno restaurante com mesas e cadeiras improvisadas.

Adriana via muito potencial no tino comercial da bisavó, que era semianalfabeta, e acredita ter herdado a veia empreendedora dela. "Eu não me lembro de nenhum momento sequer em que as mulheres ao meu redor não trabalhassem".

Com 15 anos, Adriana conseguiu o seu primeiro trabalho em uma fabriqueta de fundo de quintal que fazia biscuit. Ali, pintava peças de artesanato. De lá foi ser vendedora de roupa e lingerie, até conseguir um emprego na Rádio Gazeta. Naquela época, nos anos 1990, as emissoras incentivavam os seus ouvintes a irem até um lugar específico para ganhar um adesivo. Adriana era aquela que colava o adesivo no carro. E o locutor sempre dizia ao vivo: “Passa lá que a crioulinda tá adesivando os carros”.

Não era exatamente a forma como ela gostaria de ser referenciada, mesmo assim, ela diz acreditar que nem tudo era preconceito. Ainda assim, algo de bom saiu disso tudo. Adriana conheceu outras meninas pretas que trabalhavam na emissora. Meninas como ela, na passagem da adolescência para a vida adulta, e que foram essenciais para a sua formação na cultura black.

Adriana passou a frequentar os bailes de casas como Blen Blen, Mood, Balafon, Sambarylove, Clube da Cidade, Radial. Uma cultura que lhe ajudou a compreender melhor o que significava ser uma mulher preta, em um cenário além das referências norte-americanas que eram fortes. Nesse tempo, a música rap, R&B, soul music e o cinema, como a história dos Panteras Negras, a vida de Malcolm X e os filmes críticos do cineasta Spike Lee se tornaram uma obsessão. "Eu só falava e pensava na cultura preta".

Todo esse contexto a ajudou a entender a luta pelos direitos civis da população negra nos Estados Unidos e lhe deu pistas de como tudo isso se reproduzia aqui. Nessa mesma época, ela conta ter se aproximado de sua família paterna, muito ligada ao samba e que, naturalmente, a ajudou a se apropriar melhor da cultura afro-brasileira.

Nessa época, Adriana passou a entender que merecia mais e pediu demissão do atual trabalho para fazer parte da equipe de Tadeu Negreiros, na gravadora Trama. Negreiros era um dos poucos negros que ocupava um cargo de liderança em uma grande gravadora e, por ali, ela pode conhecer de perto nomes que admirava, como Leci Brandão, Jairzinho, Wilson Simoninha. Tudo isso, segundo ela, lhe ajudava a fortalecer a sua própria autoestima. Só que, depois de dois anos, foi demitida e entrou em um processo de depressão.

Com a ajuda de amigas, a sua primeira ação foi separar roupas para vender em ruas e feiras da cidade - foi nesse momento que ela diz ter incorporado a “sevirologia”, a arte de saber se virar com o que tem. Dessa experiência, começou a idealizar a Feira Preta, um evento para valorizar produtos e serviços de empreendedores negros.

Com apenas 22 anos, ela conseguiu levar a primeira edição da Feira Preta, em 2002, para a Praça Benedito Calixto, em Pinheiros, por ser um lugar bonito, acessível e onde já existia uma cena de feiras e mercados alternativos. Além disso, muitos jovens negros frequentavam o bairro para ouvir música. Badalada, a área era cheia de negros que trabalhavam na noitada, como DJs, garçons, hostesses.

No dia da feira, pendurou faixas nas ruas para sinalizar o local e se lembrou de como sua bisavó espalhava faixas bem em frente a obras divulgando as marmitex que fazia. "A estratégia dela era certeira, ela sabia onde estava o público dela, por isso soube onde estava o meu", disse.

Seus avôs, mãe e irmãos também estavam lá em meio a um público que mesclava mulheres, homens e crianças com tranças, black power e cabelos alisados. "Gente com pele mais clara, gente com pele mais retinta, de tudo quanto era jeito. Sete mil pessoas parecidas comigo lotaram a praça, numa das regiões mais ricas e brancas de São Paulo", disse.

Dali, a Feira Preta passou a ser realizada anualmente e, mesmo com muitos desafios, se transformou no maior evento de cultura e empreendedorismo negro da América Latina. Tem de tudo um pouco: venda de roupas, acessórios, artesanatos, música, bate-papo, palestra, brinquedoteca, espaço saúde e bem-estar.

O evento também deixou de acontecer em um dia único para se transformar em um festival com uma programação extensa, com atividades que ocorrem até fora da cidade de São Paulo. Neste ano, o evento chegou à 22ª edição anual com atrações musicais e painéis sobre empreendedorismo em um espaço de 200 mil metros quadrados no parque do Ibirapuera. Em duas décadas, recebeu mais de 200 mil visitantes e cinco mil expositores, com uma movimentação financeira estimada em R$ 16 milhões.

Em meio a isso tudo, criou o PretaHub, apoiado por doações de empresas, agências de desenvolvimento internacional e programas de financiamento público. Desse modo, já investiu mais de R$ 11 milhões no apoio à expansão e digitalização de negócios.

"Trabalho com aquilo que acredito e sou remunerada para isso. A maioria das pessoas no Brasil não tem essa oportunidade."

Neste ano, a Feira Preta foi um dos cases de impacto selecionados pela Clinton Foundation, para a agenda do Clinton Global Initiative (CGI), encontro anual da comunidade fomentada pela ONG fundada por Bill Clinton após deixar a presidência dos Estados Unidos.

A fundação reúne líderes empresariais, governamentais e da sociedade civil que se dedicam a pensar e implementar soluções para grandes problemas mundiais. Os eventos anuais da Clinton Foundation visam conectar projetos que entregam impacto social, ambiental e econômico concretos a potenciais doadores - de verbas e conhecimento -, num modelo de cooperação.

Em 2017, foi homenageada como um dos 51 negros com menos de 40 anos mais influentes do mundo segundo o Mipad, premiação mundial reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, em 2020, foi reconhecida como a primeira mulher negra entre os Inovadores Sociais do Mundo no Ano pelo Fórum Econômico Mundial.

Com foco em equidade e processos mais equânimes para a população negra no Brasil, ela diz perceber que, à medida que a população negra ascende, mais o racismo aparece. Além disso, ela diz que pesquisar esse meio tem lhe mostrado que as mulheres negras são as que mais estudam, as que mais estão dentro do mercado de trabalho informal, as que mais empreendem, mas ainda estão na base da pirâmide. Sua missão é entender por que isso acontece e como mudar essa realidade.

 

IMAGEM: divulgação

O Diário do Comércio permite a cópia e republicação deste conteúdo acompanhado do link original desta página.
Para mais detalhes, nosso contato é [email protected] .

Store in Store

Carga Pesada

Vídeos

Conversamos com Thaís Carballal, da Mooui, às vésperas da abertura de sua primeira loja física

Conversamos com Thaís Carballal, da Mooui, às vésperas da abertura de sua primeira loja física

Entenda a importância de planejar a sucessão na empresa

Especialistas projetam cenários para o pós-eleições municipais