Padarias italianas de São Paulo atravessam gerações

Guilherme e o irmão Gabriel administram a padaria Carillo, aberta em 1912 pelo avô, preservando alguns costumes, como vender fiado

Vitor Nuzzi - DC News
03/Set/2024
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Padarias italianas de São Paulo atravessam gerações

Albanese, Carillo, Franciulli, Laurenti, Lorenti, Ponzio. Os sobrenomes não deixam dúvida quanto à procedência italiana dos pioneiros de padarias tradicionais da cidade de São Paulo, algumas com mais de 100 anos de história – ou cent´anni di storia. Há até uma que foi aberta ainda no século 19.

Além de ser um negócio que foi passando para as mãos das gerações seguintes, no manejo da farinha e do forno, esses empreendimentos têm como característica comum a modernização da gestão, sem perder o toque familiar. Foram muito além do pão italiano original, expandindo o negócio para restaurantes, empórios ou cantinas. Mas sem esquecer daquele infalível combinado de farinha, sal, água e fermento que vai ao forno. A produção é respeitável: só as quatro padarias citadas nesta reportagem fazem, juntas, quase 10 mil pães por dia.

Uma delas é a São Domingos, inaugurada há 111 anos, em 1913, e que tem hoje 40 funcionários. Localizada na Bela Vista – bairro central apelidado de Bixiga –, fica ao lado da movimentada Radial Leste, avenida que liga o Centro da cidade ao chamado Minhocão.

No final dos anos 1960, a família Albanese quase perdeu o ponto. É que o Poder Público queria desapropriar o local para as obras da Radial Leste. À época, dona Anita Albanese, a proprietária, não deixou. Falou com todas as pessoas que conhecia (e que não conhecia também), fez o caso chegar às autoridades e obteve êxito. “Desviaram 2 metros da obra e deixaram a padaria intocada”, disse Silvio Albanese, 64, filho de Anita.

Formado em Administração, Silvio conta que um dos fregueses célebres da padaria era o compositor Adoniran Barbosa – também descendente de italianos – e que nunca teve dúvidas de qual seria seu destino profissional. “Fui criado na padaria. Cresci vendo minha mãe e meu pai (Domingos) fazendo pão”, disse.

Mas também houve tempos difíceis. Segundo Silvio, na época da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sua família sofria ataques constantes. Ele conta que as pessoas xingavam os italianos e descendentes, diziam que deveriam voltar para o país de origem. “Mas eles foram insistentes.” Hoje, uma das atrações do local é um forno de 120 anos – ou seja, mais antigo do que a própria padaria –, do qual saem 450 pães por fornada. “Antes de morrer (em 2010, aos 91 anos), minha mãe só pediu para nunca derrubarmos aquele forno”, afirmou Silvio, que é bisneto do fundador, o italiano Domenico Albanese.

Já no caso da padaria Carillo, aberta em 1912, foram Rafaelle e seus nove filhos que deram início ao negócio. A padoca começou no Belenzinho e, desde meados dos anos 1980, mudou-se para a Mooca, ambos na Zona Leste paulistana. Do modesto ponto de apenas 50 metros quadrados, a unidade da Mooca foi reformada, e agora tem cerca de 1.000 m².

Paschoal, o décimo filho, foi o primeiro a nascer no Brasil. Seu neto Guilherme, hoje aos 40 anos, cursava Turismo, quando passou a estudar temas como patrimônio histórico e gastronomia. “Pensei: ‘Opa, a padaria do vô tem a ver com isso aqui'”, afirmou Guilherme. “Ele foi passando o bastão, me ensinando.”

Fiado - De acordo com Guilherme, que administra o espaço ao lado do irmão Gabriel, 39, há planos para aumentar o leque de produtos italianos vendidos na padaria. Hoje, o estabelecimento tem 25 funcionários, quantidade que eles consideram ideal.

Apesar das inovações, alguns hábitos do passado se mantêm. O bisavô dos atuais administradores fazia entregas a cavalo, algo que, naturalmente, foi abolido. Mas o fiado, tão comum em tempos remotos, até hoje é praticado. “Temos fregueses de 90 anos cujos pais já eram nossos clientes. Essas pessoas merecem tratamento especial”, afirmou Guilherme.

Assim como a São Domingos, a Carillo também tem seu forno histórico – fabricado em 1940 na Termomecanica, em São Bernardo do Campo, região do ABC –, no qual os pães são assados a 200 graus, durante 40 minutos.

Também no bairro do Bixiga, fica a 14 de Julho, cujas portas foram abertas nessa data, em 1897 (há 127 anos), por Rafaelle Franciulli, que abandonou o projeto de abrir uma oficina mecânica para se dedicar aos pães. Hoje, quem toca o negócio é Alexandre Franciulli, 53 anos, neto do fundador, que também fez sua travessia profissional: formado em Direito, Alexandre tornou-se chef. Começou na padaria aos 7 anos.

Seu pai, Wilson, vendeu o local em meados de 1980, e o próprio Alexandre recomprou o estabelecimento em 1994. Três anos depois, completou o curso universitário. “Meu tio, Domingos Franciulli Neto, recomendava fazer faculdade. Tenho escritório com meus primos, mas sempre gostei da gastronomia”, afirmou Alexandre.

Fundador da Federação Italiana dos Chefs no Brasil (FIC Brasile), Alexandre conta que aprendeu tudo na padaria (e na cantina) com os pais e a avó (espanhola).

Atualmente, a padaria produz cerca de 1.800 pães por dia. “Mas já chegamos a fazer 12 mil, quando vendíamos para grandes redes de supermercados”, disse Alexandre.

No estabelecimento, ele trabalha com os dois filhos e a esposa, que cuida da parte administrativa. “E assim vamos indo.” A padaria tem 18 funcionários e a cantina, 11. Sua irmã, Sandra, administra outra padaria, a Italianinha.

Com 95 funcionários e instalada entre as cantinas da movimentada Rua 13 de Maio – também no bairro do Bixiga –, a Basilicata, fundada há 110 anos, passou por uma reforma em 2017, com a instalação de empório no térreo e restaurante na parte superior.

A história começou com Filippo Ponzio, que nasceu em 1886, trabalhou como agricultor e aprendeu a fazer pão com as mulheres da família. Hoje, o negócio é tocado pela família Laurenti e Lorenti. Sim, uma só: o primeiro sobrenome é uma variação do segundo. Francesco Lorenti mudou-se de Guardavalle, na Calábria, para Tramutola, na Basilicata – ambas na Itália –, onde seu sobrenome foi alterado.

A segunda geração veio com Domenico Laurenti, que virou Domingos ao chegar ao Brasil, em 1926. Trabalhou como vaga-lume – nome dado aos trabalhadores que acendiam os lampiões a gás na cidade -, guarda civil e… dono de padaria. Comprou a Basilicata em 1942, alguns anos depois de ir trabalhar no estabelecimento, a convite de Filippo. Curiosamente, não sabia fazer pão, mas conseguiu tocar o negócio com competência e conquistou clientela fiel. Não por acaso, a padaria está aberta até hoje, 82 anos depois. Em meio a um universo de 5,2 mil padarias espalhadas pela capital paulista.

OS NÚMEROS DAS PADOCAS

Padaria Ano de abertura Pães por dia
Basilicata 1914 Até 5 mil
Carillo 1912 Até 700
14 de Julho 1897 Até 1,8 mil
São Domingos 1913 Até 2 mil

 

IMAGEM: divulgação 

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